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As modalidades de sentença no processo civil brasileiro

No documento Vitor Jose de Mello Monteiro (páginas 44-50)

A classificação das sentenças de acordo com o critério do tônus de eficácia preponderante do provimento jurisdicional ganhou notória relevância no plano da doutrina nacional especialmente com o advento da lei n.° 11.232/05 que alterou o conceito originário desta modalidade de ato decisória que constava no Código de Processo Civil desde a sua concepção.

Não obstante o art. 475-J, do Código de Processo Civil determinar expressamente que somente o devedor condenado ao pagamento de quantia certa está sujeito à multa de 10% caso não cumpra o referido comando judicial, é necessário analisar se a mens legis do dispositivo não permite a sua aplicação quando o tônus de eficácia preponderante da decisão não é o condenatório. Convém, porém, proceder a uma rápida análise das modalidades de sentença que a processualística moderna vem reconhecendo atualmente.

i. Sentença declaratória

Muitas vezes, o litígio que se instaura entre as partes restringe-se ao questionamento a respeito da existência ou não de uma determinada relação

jurídica ou da autenticidade ou falsidade de um documento. Quando isso ocorre, é suficiente para a resolução da lide que o provimento jurisdicional simplesmente esclareça se a relação jurídica efetivamente existe ou não ou se o documento é autêntico ou pérfido.

Nestes casos específicos, está-se diante da sentença declaratória, ou melhor dizendo, meramente declaratória. O provimento jurisdicional com tônus de eficácia meramente declaratória exaure em si mesmo a plenitude da prestação da tutela jurisdicional,56 salvo nos casos em que a declaração é requerida após a violação do direito, hipótese excepcionalmente admitida no direito brasileiro.57-58

Vale a pena ressaltar, ainda sobre a sentença meramente declaratória que todas as decisões que julgam a demanda improcedente contém esse tônus de eficácia preponderante. Com efeito, ao rejeitar a pretensão do autor, o órgão jurisdicional afirma claramente que a relação jurídica afirmada por ele em juízo não existe, ao menos, não de acordo com aquilo que foi exposto na inicial.

56 Neste sentido, vale a pena conferir a lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, in verbis: “A declaração

de certeza esgota a prestação jurisdicional. Se o vencedor quiser fazer valer o seu crédito contra o vencido, exigindo o respectivo pagamento, ‘terá que propor outra ação contra o devedor, esta de natureza condenatória.’ Na sentença declaratória, o Órgão Judicial, verificando a vontade concreta da lei, apenas ‘certifica a existência do direito’, e o faz ‘sem o fim de preparar a consecução de qualquer bem, a não ser a certeza jurídica.’ (Curso de Direito Processual Civil, p. 475).

57 Art. 4°, parágrafo único, do CPC.

58 Com a inserção do art. 475-N, no CPC, pela lei n.° 11.232/05, que inseriu entre o rol dos títulos

executivos judiciais a “a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia” (inciso I), vários doutrinadores passaram a defender a possibilidade de execução da sentença meramente declaratória, especialmente se já há violação do direito.

ii. Sentença constitutiva

Pode ocorrer que a simples declaração do direito não seja suficiente para atender a pretensão das partes, sendo necessário que ao provimento jurisdicional seja agregado um plus59 capaz de causar a criação, a transformação ou mesmo a extinção de uma determinada relação jurídica, dando-lhe, assim, um tônus de eficácia preponderante de natureza constitutiva.60 O provimento jurisdicional que extingue a relação jurídica recebe o nome de sentença constitutiva negativa ou desconstitutiva. Não obstante, fala-se em sentença constitutiva (lato sensu) para abranger as três subespécies deste tipo de provimento jurisdicional (o que cria, o que modifica e o que extingue a relação jurídica).

59 Por isso é que se diz que “a sentença constitutiva é mais complexa do que a declaratória. Também

como a declaratória, contém ela (fundamentalmente ínsito na ação constitutiva e sentença respectiva) a solicitação ao Judiciário de que se declare um determinado direito. No entanto, não é este aspecto da declaratividade que marca especificamente a sentença constitutiva, mas sim, o que a peculiariza é que ela cria, extingue ou modifica uma relação jurídica preexistente. Ela traz no universo jurídico uma inovação específica, e é justamente isto que a distingue das demais, particularmente da declaratória.” (ARRUDA

ALVIM, Sentença no processo civil: as diversas formas de terminação do processo, pp. 57-59).

60 Neste sentido: “A ação constitutiva implica mudança (criação, modificação ou extinção) na relação

jurídica. Tal ação provém da eficácia inovadora existente em certos direitos subjetivos ...<omissis>... Nas hipóteses listadas, o efeito principal da sentença de procedência é um estado jurídico novo. Em algum ponto, aduz Pontes de Miranda, ‘por mínimo que seja, o mundo jurídico’ mudou. No que interessa, ou seja, relativamente à satisfação do demandante, claro está que o estado novo se incorpora, de logo, ao mundo jurídico e de nenhuma complementação prática ulterior carece a eficácia constitutiva. O termo inicial do prazo de divórcio é a data da sentença de separação. Neste momento, senão antes, sucede a mudança do estado civil, que carece de qualquer ato externo ao provimento judicial (p. ex., da averbação

e do registro civil do ato).” (ARAKEN DE ASSIS, Manual da Execução, pp. 77-78); “De outra sorte, se a

necessidade material do autor se resumir à formação, modificação ou à extinção de uma relação jurídica, a ele é garantida a postulação à tutela constitutiva, cuja aptidão opera mudança na condição ou estado jurídico das partes ou, incidindo numa relação jurídica, de alguma forma, a transmuda.” (JUNIOR

Quando a sentença é constitutiva, normalmente não é necessária nenhuma outra providência a ser implementada no mundo empírico para atender a pretensão da parte. A exceção à regra fica a cargo de determinadas situações onde é necessário, v.g., averbar a decisão no serviço de registro competente, como é o caso da sentença que decreta a separação judicial ou o divórcio, a que determina a alteração do nome etc., casos em que se estará diante da chamada execução imprópria.61

iii. Sentença condenatória

Quando o direito afirmado em juízo já foi violado, a simples declaração ou constituição podem ser absolutamente insuficientes para atender os interesses do seu titular, sendo necessário, assim determinar ao do devedor que adote um determinado comportamento (pagar, dar, fazer e não fazer).62

Nestes casos, o provimento jurisdicional, a par da declaração que é inerente a todos eles, vem acompanhado de um comando impositivo ao réu

61 CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO esclarece que o vocábulo execução pode ser aplicado a todos os atos

destinados ao cumprimento do comando das sentenças constitutivas e meramente declaratórias. Tais atividades, limitar-se-iam, ordinariamente, à mera documentação, como ocorre no caso de anulação de escritura. Esse é o escopo de atuação da chamada execução imprópria (Execução Civil, p. 107).

62 “Podemos, de um modo geral, dizer que as sentenças condenatórias no que dizem respeito ao

respectivo conteúdo jurídico material – correspondem aos diversos tipos de obrigações existentes no sistema jurídico. A ação condenatória é denominada, também, ação de prestação. Por prestação não se entenda, aqui, só a preexistente obrigação ou vínculo obrigacional. Por um lado os possíveis conteúdos das sentenças condenatórias serão os diversos tipos de obrigações. De um modo geral, os diversos tipos de execução, para cujo início é pressuposta a sentença condenatória.” (ARRUDA ALVIM,Sentença no

para que cumpra a obrigação à qual o mesmo se encontra adstrito, hipótese na qual o seu tônus de eficácia preponderante será condenatório.

A condenação é um ato de império praticado pelo Estado-juiz, vale dizer, é uma das formas de manifestação do Poder Estatal, razão pela qual não pode ser simplesmente ignorada pela parte a quem ela se destina. Por esta razão, o ordenamento jurídico disponibilizou uma série de instrumentos processuais para o caso de o condenado ao cumprimento da obrigação não atender ao comando judicial contra ele expedido. Entra-se, nesta hipótese, no âmbito específico de atuação da tutela jurisdicional executiva.

Este é o ambiente adequado, por excelência, para a incidência da multa pelo não cumprimento da sentença, isto se a condenação tiver por objeto a obrigação do pagamento de quantia certa.

iv. Sentença mandamental e executiva lato sensu

A classificação clássica das sentenças reconhece apenas três modalidades de provimentos jurisdicionais desta natureza: condenação, declaração e constituição. Não obstante, considerável parte da doutrina tem

admitido outras duas formas de prestação da tutela jurisdicional, quais sejam, a mandamental e a executiva lato sensu.63

O grande diferencial destas duas novas modalidades de prestação da tutela jurisdicional é a possibilidade de efetivação forçada (rectius: execução) do comando contido no provimento jurisdicional sem a necessidade do ajuizamento de um novo processo de execução, vale dizer, a execução se instaura sine intervallo.

O provimento de natureza mandamental caracteriza-se pela emissão de um comando imperativo por parte do órgão jurisdicional que deve ser prontamente cumprimento pelo jurisdicionado sob pena de sua renitência vir a ser considerada crime de desobediência (artigo 330, do Código Penal).64

Por outro lado, o provimento executivo lato sensu, apesar de ser bastante similar ao provimento condenatório, distingue-se deste pelo fato de que a determinação da prática de atos executivos se dá logo quando de sua prolação, ao contrário do provimento condenatório, que demanda a iniciativa da parte, em momento posterior à prolação da sentença, para a determinação da prática de atos executivos.65

63 Sobre o tema da classificação das sentenças e o impacto que teria nela sido causado pelo advento da lei

n.º 11.232/05, ver LEONARDO FERRES DA SILVA RIBEIRO, Breves Considerações acerca do Impacto da Lei

11.232/05 no Tema da Eficácia das Sentenças in Processo de Execução Civil: modificações da Lei 11.232/05, pp. 127/147.

64 “Por essa vertente, ao lado da ação executiva lato sensu existe a tutela mandamental, em que a decisão

jurisdicional se caracteriza numa ordem, de caráter imperativo e cogente.” (JUNIOR ALEXANDRE MOREIRA

PINTO, Conteúdos e Efeitos das Decisões Judiciais, p. 111).

No documento Vitor Jose de Mello Monteiro (páginas 44-50)