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Obrigação de pagar quantia

No documento Vitor Jose de Mello Monteiro (páginas 62-67)

A dinamicidade que as relações sociais, negociais, empresariais e familiares, dentre tantas outras relevantes para a vida em sociedade, tomaram no mundo contemporâneo globalizado onde a velocidade da informação tornou a distância geográfica praticamente irrelevante, sob certos aspectos, trouxe um certo descompasso entre a urgência na realização de determinados negócios jurídicos e a viabilidade fática de seus efeitos se produzirem com a necessária velocidade.

Não há dúvidas de que, atualmente, o dinheiro é o principal bem em circulação, posto que ele é o fundamental bem de troca nos diversos negócios que são realizados diariamente. Por esta razão tem se notado uma

CLÓVIS V. DO COUTO E SILVA aborda a questão da dinâmica da obrigação da seguinte forma “A atração do dever pelo adimplemento determina mútuas implicações das regras que se referem ao nascimento e desenvolvimento do vínculo obrigacional. Assim, regras há que se dirigem à prestação, e mesmo ao seu objeto, que produzem conseqüências no desdobramento da relação. E o próprio ordenamento jurídico, ao dispor sobre o nascimento e o desenvolvimento do vinculum obligationis, tem presente o sentido, o movimento e o fim da mesma relação, ou seja, o encadeamento, em forma processual, dos atos que tendem ao adimplemento do dever.” (A Obrigação como Processo, p. 22).

constate preocupação, quando da produção de normas jurídicas, de possibilitar uma tutela, jurídica e jurisdicional,82 célere e efetiva em relação às obrigações cujo objeto é a prestação de determinada quantia em dinheiro.

A deficiente circulação do dinheiro causaria incalculáveis prejuízos,83 tanto no aspecto macroeconômico, quanto sob a ótica das relações econômicas desenvolvidas no plano da microeconomia.84 É

82 Não se pode confundir tutela jurídica com tutela jurisdicional. Enquanto a tutela jurídica é representada

pela proteção que o ordenamento jurídico confere a determinados interesses daqueles que se encontram subordinados a eles, a tutela jurisdicional representa a efetivação coativa dos comandos contidos na tutela jurídica. Não há dúvida de que ambas mantêm entre si uma relação quase simbiótica. Com efeito, de acordo com JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, “nos casos em que a vontade da lei não é acatada

espontaneamente pelos destinatários, ante a proibição pelo Estado das vias de fato, deve ele assegurar de maneira efetiva a inviolabilidade dos direitos, conferindo ao titular de um interesse juridicamente protegido o direito à tutela jurídica pela via específica.” (Tutela Jurisdicional: a relativização do binômio Direito-Processo, como meio de acesso à ordem jurídica justa, p. 19). MANUEL AUGUSTO DOMINGUES DE ANDRADE, por sua vez, esclarece que, “para reagir contra tal violação, necessita o lesado de recorrer

aos tribunais solicitando deles a concessão duma providência judiciária adequada à reintegração do seu direito. E este sistema da justiça pública (monopólio estadual da função jurisdicional), além de permitir, nos casos do tipo figurado, uma reintegração mais eficaz e ponderada do direito ofendido, possibilita ainda certas formas de tutela jurídica que não poderiam ter lugar (ou talvez só muito imperfeitamente) no regime da autodefesa (justiça privada). A pretensão de qualquer destes meios de tutela jurisdicional formulada em juízo para uma dada relação material de direito (pretensão cuja atendibilidade o tribunal a seu tempo verificará) é que se dá o nome de acção (civil)” (Noções Elementares de Processo Civil, p. 2).

83 Neste sentido, já se teve a oportunidade de asseverar que “As obrigações de pagar quantia certa sempre

foram o centro das atenções da tutela jurisdicional executiva no plano legislativo. O dinheiro é o bem jurídico de maior circulação na vida social hodierna. Por essa razão, parece perfeitamente compreensível a especial atenção que se dá à prestação da tutela jurisdicional executiva de obrigação que tem por objeto a prestação de pagar quantia certa. A deficiente circulação desse bem no mercado, para além dos incontáveis transtornos que serão sofridos diretamente pelos cidadãos em seu cotidiano, pode trazer o caos à economia do país, afastando investimentos estrangeiros, dificultando a concessão de crédito na praça, atravancando a regular circulação de bens e serviços no mercado, dentre outros efeitos negativos que poderiam ser citados. Obviamente, tal situação não convém a nenhum estado, seja ele democrático de direito ou não, especialmente nestes tempos de integração mundial em que o comércio entre países,

mesmo distantes, vem se intensificando com uma espantosa velocidade” (VITOR JOSÉ DE MELLO

MONTEIRO, As Novas Reformas do CPC e de outras Normas Processuais, pp. 3-4).

84 Segundo FÁBIO NUSDEO: “uma outra divisão passível de ser imposta à ciência econômica com base em

outro critério, inteiramente diverso do anterior, é aquela que a enfoca como microeconomia ou como macroeconomia. A primeira estará preocupada com a análise do comportamento de unidades econômicas, como o consumidor, o produtor, a empresa, e como eles interagem em mercados de cada produto identificados. É uma análise cujo pressuposto é o comportamento das unidades no desempenho da sua atividade de administrar recursos escassos. Já a macroeconomia enfoca diretamente os denominados grandes agregados, grandezas que abarcam um conjunto dessas atividades, funcionalmente consideradas dentro do todo econômico. Fala-se, assim, na macroeconomia em consumo, renda, emprego, investimento, poupança, inflação, saldo da balança comercial e outras grandezas que representam parcelas funcionalmente substantivas, globais, de todo um conjunto de atividades econômicas, sem identificar

importante ter em vista, todavia, que o dinheiro mesmo quando não especificado em sua quantidade, tem natureza jurídica de coisa certa.85

Não obstante, a obrigação de pagar quantia certa, também chamada de obrigação pecuniária, tem um regime jurídico particularizado, tanto no plano material quanto no plano processual, em relação às obrigações de fazer, não fazer e de dar coisa que não seja dinheiro.86

A importância econômica, social, política e jurídica do objeto daquela modalidade de obrigação é que justifica esta diferenciação no seu regime jurídico. Dentre as diversas notas características da obrigação de pagar quantia certa, sobressai como uma das mais importantes a de que as perdas e danos, representados pela correção monetária e pelos juros, são fixados legalmente.87

Desta forma, apesar de a lei determinar que as dívidas em dinheiro devem ser pagas em moeda corrente pelo seu valor nominal na

produtos ou mercados específicos. Nela, quando se fala em consumo, não está se particularizando com o consumo de sapatos ou de café, mas quer-se referir à parcela da renda global destinada ao consumo ‘tout cours’; quando se fala em exportação, não se está imaginando aquela de um produto qualquer, mas do conjunto de todos os bens exportados e a sua participação no total de todos os produzidos no país.”(Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico, 4ª Ed., p. 92-93).

85 ORLANDO GOMES pontifica que, tendo em vista que a entrega ou a restituição de uma coisa são o objeto

da obrigação de dar, determinadas prestações, como as consistentes em dinheiro, reparação de danos e pagamento de juros, merecem especial consideração tendo em vista o freqüente curso e ponderável interesse destas no comércio jurídico. (Obrigações, p. 43). No mesmo sentido, MARIA HELENA DINIZ,

ensina que “a obrigação de solver dívida em dinheiro é uma espécie de obrigação de dar que, pelas suas peculiaridades, merece um exame especial. Abrange prestação consistente em dinheiro, reparação de danos e pagamento de juros, isto é, dívida pecuniária, dívida de valor e dívida remuneratória” (Curso de Direito Civil Brasileiro, p. 82-84).

86 O Código de Processo Civil prevê modalidades distintas de execução para cada espécie de obrigação,

entretanto, nenhuma delas é regulada tão minuciosamente quanto a execução da obrigação do pagamento por quantia certa contra devedor solvente. O advento da Lei n.° 11.232/05, que modificou substancialmente a execução por quantia certa contra devedor solvente fundada em título judicial, que passou a se chamar “Cumprimento de sentença” não alterou essa realidade.

87 O art. 404, do Código Civil, prescreve que “as perdas e danos, nas obrigações de pagamento em

dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional”.

data do vencimento (art. 315, do CC), encontra-se consolidada a idéia de que a correção monetária88 e os juros89 podem incidir, ainda que não convencionados expressamente.

Obviamente, o pagamento de perdas e danos é sanção passível de ser aplicada ao descumprimento de qualquer modalidade de obrigação. Todavia, somente nas obrigações de pagar quantia certa é que a sua incidência se dá ope legis, o que equivale a dizer que o ordenamento jurídico dispensa requerimento expresso do credor neste sentido,90

bem como a prova de efetivo prejuízo, para caracterização do direito às perdas e

88 Conforme entendimento que já se demonstrou doutrinariamente (Ver: ARNOLDO WALD, A Cláusula de

Escala Móvel), a correção monetária não representa aumento do valor da dívida, mas sim recomposição do poder aquisitivo do valor, como forma de garantir que aquilo que o credor venha a receber em momento posterior ao que se deveria verificar o adimplemento voluntário tenha a mesma expressão financeira. Nesse sentido: “FINANCIAMENTO. INSTALAÇÃO DE REDE DE ENERGIA ELÉTRICA. RESTITUIÇÃO DE VALORES. PRESCRIÇÃO. – Nas ações movidas contra a sociedade de economia mista, concessionária de serviço público, o prazo da prescrição é vintenário. – A correção monetária não é um plus, mas sim a recomposição do poder aquisitivo da moeda corroída pela inflação. É de ser contada a partir do desembolso, ou seja, da lavratura do contrato. Recurso especial não conhecido.” (STJ – REsp n.° 578.427/RS, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, 4ª T., julgado em 12.12.2005, DJ 27.03.2006 p. 278). A

correção monetária, portanto, integra a vertente dos danos emergentes que compõem as perdas e danos, vale dizer, representam aquilo que o credor efetivamente perdeu durante o tempo em que estava privado de fazer uso do dinheiro.

89 Os juros tratados no dispositivo legal acima citado representam os lucros cessantes da obrigação

pecuniária, na medida em que têm a natureza jurídica de fruto civil. Representam os juros, portanto, a remuneração do capital que a lei presume (praesumptio juris et de jure) que poderia ser auferida pelo credor. Essa presunção pode ser afastada por convenção das partes, entretanto, o que se quer destacar é que, na ausência de qualquer estipulação em sentido diverso, os juros de mora são aqueles previstos no art. 404, do Código Civil, com exclusão de qualquer outro. Ver, nesse sentido: ORLANDO GOMES,

Obrigações, p. 172.

90 É o que se depreende do disposto no art. 293, do Código de Processo Civil, e art. 1°, da Lei n.° 6.899,

de 8 de abril de 1981. Nesse sentido: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA.

PEDIDO IMPLÍCITO. DESNECESSIDADE DE PREQUESTIONAMENTO. OMISSÃO.

INEXISTÊNCIA. 1. É cediço no STJ que a incidência da correção monetária sobre o valor objeto da condenação se dá, como os juros de mora, ex vi legis (Lei 6.899/81), sendo, por essa razão, independente de pedido expresso e de determinação pela sentença, na qual se considera implicitamente incluída. A explicitação dos índices a serem utilizados em seu cômputo pelo acórdão recorrido, portanto, mesmo em sede de reexame necessário, não caracteriza reformatio in pejus, devendo a Fazenda, se for o caso,

impugnar os critérios de atualização e de juros estabelecidos. (REsp n.º 722.475/AM, Rel. Min. TEORI

ALBINO ZAVASCKI, DJU de 01/07/2005). 2. Recurso especial provido parcialmente porquanto a decisão

ora embargada contemplou os expurgos inflacionários, expressamente requeridos na irresignação especial, e afastou a compensação sponte própria. 3. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl nos EDcl no REsp 731.909/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 16.05.2006, DJ

danos nas obrigações pecuniárias inadimplidas ou adimplidas extemporaneamente.

Além do cumprimento da obrigação de pagar quantia certa ter de ser feita pelo seu valor nominal, com as ressalvas acima apontadas, é importante ter em vista que a lei também determina que ela seja feita em moeda nacional.91 Comina a lei a sanção de nulidade pleno jure às estipulações de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como aquelas que determinem a compensação entre o valor da moeda estrangeira com o valor da moeda nacional, salvo autorização legal expressa (art. 318, do CC).

Não obstante a clareza que a literalidade desta disposição legal, encontram-se diversos julgados que admitem a validade de estipulação de pagamento de valores em moeda estrangeira, desde que, na data aprazada, o pagamento se faça pelo seu equivalente em moeda nacional.92 As

91 Conforme determina o art. 1º da lei n.º 9.069, de 29 de junho de 1995, a unidade do Sistema Monetário

Nacional em todo o território nacional, a partir de 1º de julho de 1994, passa a ser o Real (R$), caracterizando crime contra a economia popular a recusa de venda de bens ou prestação de serviços àquele que tenha condições de adquirir qualquer um desses bens a pronto pagamento (at. 2°, I, da lei n.° 1.521/51).

92 Nesse sentido: “CIVIL E PROCESSUAL. CONTRATO DE REPASSE DE EMPRÉSTIMO

EXTERNO EM MOEDA ESTRANGEIRA, COM PREVISÃO DE PAGAMENTO EM MOEDA NACIONAL. VALIDADE. AVAL E HIPOTECA. NOTA PROMISSÓRIA. EXECUÇÃO

CORRETAMENTE DIRIGIDA CONTRA OS GARANTES. SÚMULA N. 27/STJ.

DEMONSTRATIVO DA DÍVIDA. SUFICIÊNCIA. I. Válida a execução que tem como títulos contrato de repasse de empréstimo externo em moeda estrangeira, com previsão de pagamento equivalente em moeda nacional, acompanhado de nota promissória. II. "Pode a execução fundar-se em mais de um titulo extrajudicial relativos ao mesmo negócio" (Súmula n. 27/STJ).III. Correta a execução movida contra os garantes, seja em função de aval dado na nota promissória, seja em razão da hipoteca atrelada ao contrato. IV. Instrução suficiente da execução. V. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ, REsp

332.944/MG, rel. Min.ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Quarta Turma, j. 28/11/2006, DJ 12/02/2007, p. 263);

“Agravo no recurso especial. Embargos do devedor. Penhora de parte do bem de família. Possibilidade. Nulidade do contrato não reconhecida. Contratação em moeda estrangeira. Pagamento em moeda

obrigações de pagar quantia certa em moeda estrangeira recebem o nome de obrigações valutárias.93

Como se pode ver, a obrigação de pagar quantia é cercada de diversas peculiaridades cujo exame, ainda que superficial, se fazia necessário para se apreender com clareza os contornos da multa que foi criada pela lei n.° 11.232/05 para o não cumprimento dessa modalidade de obrigação quando ela for o objeto de condenação judicial.

No documento Vitor Jose de Mello Monteiro (páginas 62-67)