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Obrigação pecuniária e dívida de valor

No documento Vitor Jose de Mello Monteiro (páginas 67-74)

Não é só a obrigação de pagar quantia certa que pode ser satisfeita mediante a entrega de determinada soma em dinheiro. Há algumas

nacional. Aplicação do CDC. Dissídio não demonstrado. Multa e juros moratórios. Fundamento inatacado. - Este Tribunal admite a possibilidade de penhora de parte de bem de família quando, em razão das peculiaridades da hipótese, não implicar em descaracterização do imóvel ou prejuízo para a área residencial. Precedentes. - O STJ considera viável a contratação em moeda estrangeira, desde que o pagamento seja realizado em moeda nacional. - Não se reconhece o dissídio jurisprudencial quando inexiste similitude fática entre as hipóteses confrontadas. - Inviável o recurso especial quando subsiste fundamento do acórdão recorrido que se mostra suficiente para manter as conclusões apresentadas pelo

Tribunal de origem. Negado provimento ao agravo.” (STJ, AgRg no REsp 685804/RJ, rel. Min. NANCY

ANDRIGHI, Terceira Turma, j. 16/02/2006, DJ 06/03/2006, p. 376).

93 JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA afirma que “dizem-se valutárias (do termo valuta) as obrigações

cujo cumprimento se estipula que seja feito em moeda estrangeira, e a que, por isso mesmo, se dá usualmente o nome de obrigações em moeda estrangeira. É o caso de se ter convencionado que o preço de determinadas mercadorias seja pago em libras, em dólares, em marcos, etc. A cláusula tem interesse prático, sobretudo quando as partes, ou uma delas, querem acautelar-se contra o risco de desvalorização (cambiária) de uma moeda instável, recorrendo a uma moeda tida como mais forte ou segura nas relações monetárias. E são relativamente freqüentes, quando os contratantes têm nacionalidades diferentes, ou quando (tratando-se de sociedades) têm sede em diferentes Estados. Quanto à moeda convencionada, o pagamento obedecerá, em regra, ao chamado princípio nominalista: o devedor cumprirá, entregando o número estipulado de libras, dólares, marcos, francos, suíços, rands, Kwachas, etc., seja qual for o valor corrente, aquisitivo, intrínseco ou cambiário dessa moeda.” (Das Obrigações em Geral, p. 867).

modalidades de obrigação onde o dinheiro não é diretamente o objeto da prestação, mas sim a forma de medir ou valorar a expressão econômica da obrigação que deve ser cumprida. Chama-se essa modalidade de obrigação de dívida de valor.

É importante diferenciar obrigação pecuniária de dívida de valor, uma vez que somente as primeiras, quando objeto de condenação judicial, renderão ensejo à aplicação da multa de 10% prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil.

Nessa senda, tem-se que a dívida de valor sujeita o devedor ao pagamento do montante correspondente a uma quantidade específica de um determinado indexador (como o salário mínimo, ou o valor de um determinado bem, verbi gratia). Na dívida de valor, portanto, quem sofre os efeitos da desvalorização da moeda é o devedor, e não o credor, como ocorre nas obrigações pecuniárias. Esta afirmação, repetida com alguma freqüência na doutrina,94 não deve causar espécie. É claro que a correção monetária visa recompor o poder aquisitivo da moeda, entretanto, o indexador utilizado para aferir o montante do pagamento na dívida de valor pode ter variação superior ou inferior à da inflação.

94 No mesmo sentido, MARIA HELENA DINIZ: “na dívida de valor quem suporta os riscos da

desvalorização é o devedor, por ter de desembolsar maior quantidade de dinheiro se houver diminuição do poder aquisitivo da moeda, pois a prestação deve ser calculada no momento atual. Por outras palavras, a dívida de valor é aquela em que o devedor deve fornecer uma quantia que possibilite ao credor adquirir certos bens.” (op. cit., p. 94).

Quando esta variação for inferior à inflação, o devedor sai beneficiado, uma vez que o valor a ser pago quando do vencimento será inferior ao valor corrigido da obrigação quando de sua constituição. Por outro lado, quando a variação do indexador for superior à inflação, o montante da dívida, no vencimento, será maior do aquele ao qual correspondia a obrigação quando de sua constituição, ainda que corrigido para a data do vencimento. Verifica-se, portanto, que, na verdade, o devedor fica sujeito ao risco da flutuação do indexador utilizado nas dívidas de valor, e não somente ao risco da desvalorização da moeda. Tal flutuação poderá beneficiá-lo ou prejudicá-lo, conforme o caso concreto.95

Já nas obrigações pecuniárias, o nominalismo do valor que constitui o seu objeto mediato, ainda que se lhe possa agregar correção monetária e juros, quando cabíveis estes últimos, impõe ao credor o ônus de suportar eventual desvalorização da moeda em relação, por exemplo, ao valor de um bem cujo preço tenha valorizado mais que a inflação.

Dívidas de valor, portanto, são modalidades de obrigação que também têm por objeto a prestação de uma determinada soma em dinheiro, todavia, o montante da quantia a ser paga varia de acordo com a flutuação

95 Em obra monográfica sobre o tema, ARNOLDO WALD esclarece que, nas dívidas de valor, a moeda não

é levada em conta como objeto da dívida, mas sim como medida de valor. Segundo o referido autor, os débitos desta natureza visam assegurar um quid ao credor e não um quantum, razão pela qual o dinheiro é apenas a representação, em um determinado momento, de um valor devido. Partindo destas premissas, o autor esclarece que, variando o poder aquisitivo da moeda que expressa o montante da dívida de valor, verifica-se, também, uma modificação no quantum monetário, a fim de reajustar o mesmo ao determinado poder aquisitivo que o devedor deve prestar ao credor (Aplicação da Teoria das Dívidas de Valor às Pensões Decorrentes dos Atos Ilícitos, p. 17).

do indexador eleito pelas partes. Isto se dá porque, como já se disse, nas dívidas de valor, o dinheiro não é o objeto direto da prestação, mas sim apenas o meio pelo qual a prestação é cumprida, quer dizer, a dívida de valor se cumpre por meio da entrega de uma certa soma de dinheiro que equivale ao montante previsto na cláusula de indexação, sendo esta última característica (equivalência ao montante indexado) o que caracteriza a essência dessa modalidade de prestação.

Muito diferente é, por outro lado, a obrigação pecuniária ou a obrigação para o pagamento de quantia, onde vige o princípio do nominalismo, quer dizer, o montante a ser pago no vencimento já é definido logo na constituição da obrigação. As únicas variações aceitáveis neste montante são a correção monetária e, quando cabíveis, os juros.

IV- Das formas de extinção das obrigações de pagar quantia

As obrigações são relações jurídicas temporárias por sua própria natureza, vale dizer que elas nascem para, em algum momento, se extinguirem. O caráter relativo do direito subjetivo obrigacional96 repele a idéia de uma obrigação eterna, na medida em que não se pode submeter um

sujeito de direitos à condição de eterno devedor. Tal situação atentaria, inclusive, contra o próprio princípio constitucional da dignidade humana,97 que é um dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito que é o Brasil.

Sendo a obrigação um vínculo jurídico por meio do qual um sujeito de direitos (devedor) fica adstrito ao cumprimento de uma determinada prestação em favor de outro sujeito de direitos (credor),98 tem-se que a prática do ato ou fato que caracteriza o conteúdo desta prestação tem o efeito imediato de liberar o devedor do vínculo obrigacional. A lei procura facilitar de todas as formas a extinção da obrigação. Tanto é assim que permite o seu adimplemento por qualquer interessado na extinção da dívida. A exoneração do devedor, nestes casos, pode, inclusive, se dar mediante a utilização de meios coercitivos (pagamento por consignação,

v.g.).99 Mesmo os terceiros que não possuem qualquer interesse na extinção

da obrigação poderão adimpli-la se o fizerem em nome e à conta do devedor, caso este não se oponha.100

Verifica-se, desta forma, que o devedor tem o direito de se liberar da prestação à qual ele se encontra adstrito em virtude de ato de vontade ou da lei. Com efeito, determina a lei que o devedor que cumpre sua prestação

97 Art. 1°, III, da Constituição Federal. 98 Ver Cap. III, item 1, supra.

99 Art. 304, do Código Civil.

100 Art. 304, parágrafo único, do Código Civil. Nestas hipóteses o terceiro pode ser considerado

tem direito à quitação regular (art. 319, do Código Civil), que nada mais é do que a comprovação de que a obrigação se extinguiu em razão do seu cumprimento.

Há, ainda, além do cumprimento direto, pelo devedor ou por terceiro, da prestação conteúdo da relação jurídica obrigacional, outras formas de extinção da obrigação previstas na legislação civil. Trata-se, na verdade, de formas indiretas de cumprimento da obrigação. Fala-se em formas

indiretas de extinção porque, através destas, a obrigação acaba sofrendo

alterações em algum, ou alguns, dos elementos que a compõem para que possa ser considerada extinta, ou seja, a obrigação não se extingue mediante a prestação do ato ou fato originariamente previsto para o seu cumprimento.101

Assim é que, por exemplo, pode-se alterar o objeto da obrigação de forma a viabilizar a sua extinção, como ocorre no caso da dação em pagamento. Noutros casos, o próprio objeto da relação jurídica obrigacional é que objeto de alteração, como ocorre na novação.102 As condições de cumprimento anteriormente avençadas também podem ser adaptadas para

101 Deve-se, assim, distinguir desoneração do devedor do cumprimento da obrigação. Diversas são as

formas pelas quais o devedor pode desonerar-se da dívida, dentre as quais se pode citar, inclusive, o perdimento ou perecimento total da coisa objeto da obrigação de dar sem culpa do devedor (arts. 234, primeira parte, e 235, do CC) e a impossibilidade superveniente da prestação de fato, nas obrigações de fazer, também sem culpa do devedor (art. 248, do CC). Embora o cumprimento da obrigação seja uma das formas de desoneração do devedor, este pode ser livre do vínculo obrigacional por diversos outros motivos. Para uma melhor análise desta distinção e das suas conseqüências no regime das obrigações, v. ANTUNES VARELLA, Das Obrigações em Geral, vol. II, p. 9.

102 Vale a pena lembrar que não se deve confundir objeto da relação obrigacional com o objeto da própria

fins de viabilizar a extinção da obrigação. É o caso do pagamento em consignação, da compensação e da imputação do pagamento. Até mesmo o sujeito da relação jurídica pode acabar sendo substituído para o fim de extinguir a obrigação em relação a ele, como ocorre no pagamento com sub-rogação e com a assunção de dívida.103

O decurso do tempo concedido pela lei para o credor possa exercer sua pretensão de cobrança contra o devedor também é outra forma de extinção da obrigação que, apesar de não ser exclusiva do direito obrigacional, não pode ser desprezada. Com efeito, a prescrição e a decadência são formas de extinção de todo e qualquer direito e, portanto, da obrigação. Como, nestes casos, a extinção se dá sem que a prestação tenha sido cumprida, seja pelo devedor, seja por terceiro, nos casos em que a lei admite a atuação deste último, deve-se classificar a prescrição e a decadência como formas indiretas de extinção da obrigação. O elemento da relação obrigacional que sofre alteração neste caso é a exigibilidade da prestação, correspondente à garantia da relação jurídica obrigacional,104 que deixa de existir.105

103 O art. 299, do CC, determina expressamente que a assunção de dívida por terceiro, com o

consentimento expresso do credor, exonera o devedor primitivo, salvo os casos em que o credor ignorava a insolvência do terceiro eventualmente existente ao tempo da assunção. Apesar de a lei tratar este instituto jurídico como uma das formas de transmissão da obrigação, não há dúvida que, para o devedor originário, a assunção de sua dívida por terceiro caracteriza caso claro de extinção indireta da obrigação.

104 Como se sabe, a relação jurídica é composta por quatro elementos essenciais, a saber, os sujeitos, o

objeto, o fato jurídico e a garantia, sendo este último o poder que o ordenamento jurídico concede ao credor de fazer valer o seu direito coercitivamente através dos meios legalmente previstos para tanto. Realmente, “podemos representar a relação jurídica por uma linha recta. Os pontos terminais dessa linha serão as pessoas entre as quais a relação jurídica se estabelece. São os sujeitos da relação jurídica. Por

O estudo destes fenômenos jurídicos interessa neste momento por ser necessário à correta apreensão dos casos em que incide a multa pelo não cumprimento da obrigação de pagar quantia certa. O que se visou com a instituição da multa atualmente prevista no art. 475-J, do Código de Processo Civil, como já se disse,106 foi estimular o cumprimento das sentenças que condenam o jurisdicionado ao pagamento quantia certa, razão pela qual é inevitável a análise das conseqüências em relação à multa do cumprimento de sentença decorrentes da verificação de qualquer outra forma de extinção da obrigação que não o seu adimplemento puro e simples. Antes disso, todavia, é necessário uma rápida digressão sobre o que se deve entender por adimplemento da obrigação e em que termos ocorrem as demais formas de extinção indireta da obrigação.

No documento Vitor Jose de Mello Monteiro (páginas 67-74)