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Figuras afins

No documento Vitor Jose de Mello Monteiro (páginas 128-137)

Parte II – Parte Especial

1. Figuras afins

i. Astreinte

A multa do cumprimento de sentença não pode ser confundida com a

astreinte não só porque suas estruturas são completamente diversas, mas

também porque a essência e a finalidade de cada uma destas sanções são completamente diversas. Com efeito, a astreinte é uma sanção de natureza compulsória, 212 enquanto a multa do cumprimento de sentença é uma sanção de natureza punitiva.213

Suas finalidades, portanto, são distintas na medida em que a primeira se destina a forçar o devedor ao cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, especialmente quando esta é de caráter personalíssimo (nemo ad

praecise factum cogi potest). Já a multa do cumprimento de sentença tem a

finalidade de castigar o devedor que não cumpre espontaneamente a decisão que o condena ao pagamento de quantia certa.214

212 Ver Cap. V, item 1, i, supra.

213 Ver Cap. V, item 1, vi, supra e Cap. VIII, itens 3, ii e 4, infra.

214 Em princípio, nada impede a aplicação da astreinte ao cumprimento de sentença para pagamento de

No aspecto estrutural, as diferenças entre a astreinte e a multa do cumprimento de sentença são perceptíveis ictu oculi e derivam, necessariamente, da diversidade de finalidades destes institutos.215 Dada a natureza coercitiva da astreinte, esta deve incidir em periodicidade e valor compatíveis com as peculiaridades concretas do caso levado a juízo, sob pena de absoluta ineficácia do instituto para o fim ao qual o mesmo se destina, que é forçar o devedor a cumprir a obrigação. Assim, a lei dá ao órgão jurisdicional certa liberdade para modular estas dimensões da

astreinte de molde a adequá-la ao caso concreto.

Já a multa do cumprimento de sentença tem um regime bastante rígido no que diz respeito ao seu valor e à sua periodicidade, que são expressamente fixados pela lei, ou seja, independentemente das peculiaridades do caso concreto, a multa do art. 475-J, do Código de Processo Civil, incidirá sempre uma única vez, no percentual de 10% do

contrário do que defendem LUIZ GUILHERME MARINONI (Técnica processual e tutela dos direitos, p. 605)

e MARCELO LIMA GUERRA (Direitos fundamentais... cit., p.157). Neste sentido, EDUARDO TALAMINI

esclarece também que mesmo a tendência de atribuição ao órgão jurisdicional de poderes genéricos não permite a utilização desse meio de apoio nessa forma específica de tutela jurisdicional executiva, afirmando, também, que, nem mesmo de lege ferenda a solução parece ser a mais adequada, em virtude da dificuldade de aplicação prática da mesma, que levaria a um impasse lógico, pois os mesmos motivos que ensejam a falta de efetividade para a execução do crédito principal aplicar-se-iam para demonstrar a falta de efetividade da astreinte (Tutela relativa... cit., p. 463-465).

215 Em outra oportunidade, afirmou-se que “fixada a premissa de que a multa do art. 475-J tem a natureza

jurídica de medida punitiva, e não de medida coercitiva ou de meio de apoio à execução indireta da obrigação pecuniária reconhecida em sentença condenatória, poder-se-á compreender as razões pelas

quais o seu regime jurídico é substancialmente diferente do regime jurídico das astreintes” (VITOR JOSÉ

DE MELLO MONTEIRO, Da Multa no Cumprimento de Sentença, p. 495). Isto porque já se havia

identificado anteriormente que “a própria redação da nova disposição legal [art. 475-J, do CPC] já demonstra que o regime jurídico e a finalidade dessa nova cominação não se coadunam com a multa diária prevista para o descumprimento das obrigações de fazer, não fazer e dar retratadas em título judicial...” (idem, p. 492).

valor da condenação. Como se pode ver, não há como confundir a multa do cumprimento de sentença com a astreinte.216

ii. Multa por ato atentatório ao exercício da jurisdição

Com o advento da lei n. 10.358, de 27.12.2001, foi criada uma nova modalidade de sanção às partes e todos os demais que, de alguma forma, participam do processo. Essa sanção, que também tem inegável caráter punitivo, passou a ser chamada pela doutrina de multa por “ato atentatório à dignidade da jurisdição”.217

Sua principal diferença da multa do cumprimento de sentença para pagamento de quantia certa reside no fato de ela se destinar a punir condutas endoprocessuais da parte, exceto no que diz respeito ao dever de

216 Entendendo ter a multa do art. 475-J do Código de Processo Civil caráter punitivo, EVARISTO ARAGÃO

SANTOS demonstra que o fato de não ser lícito ao órgão jurisdicional reduzir ou aumentar o valor dessa

cominação, bem como em virtude de a mesma incidir independentemente de ordem judicial nesse sentido, não é possível compará-la com as astreintes previstas no art. 461 do Código de Processo Civil (Breves

notas sobre o “novo” regime de cumprimento de sentença, p. 324). DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES,

seguindo a doutrina de SÉRGIO SHIMURA e de OLAVO DE OLIVEIRA NETO, também entende que a multa

do art. 475-J tem natureza jurídica de punição, não podendo ser confundida com a astreinte (Reforma do CPC: leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006, p. 218-219).

217 As hipóteses em que a multa por ato atentatório à dignidade da jurisdição pode incidir estão

expressamente previstas no art. 14, do CPC, com a redação dada pela lei n.° 10.352/01. Em relação ao referido dispositivo legal, JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI afirma que “o escopo dessa alteração, nas

palavras do próprio legislador, foi a de robustecer a ética no processo, em especial, os deveres de lealdade e de probidade que devem nortear a atuação dialética não apenas das partes e de seus procuradores, mas igualmente a intervenção de quaisquer outros participantes do processo, como, e.g., a autoridade apontada como coatora nos mandados de segurança, ou as pessoas em geral que devam cumprir ou fazer cumprir os mandamentos judiciais e abster-se de colocar óbices à sua efetivação” (Lineamentos da Nova Reforma do CPC, p. 17). Especificamente sobre a sanção prevista no parágrafo único do referido dispositivo legal, é de se ter em vista que “trata-se de sanção pelo desrespeito ao Poder Judiciário, tanto que o novo parágrafo do art. 14 aponta os atos transgressores ao inc. V como atentatórios ao exercício da jurisdição, a saber, como autêntico contempt of court a ser reprimido como tal e não pelos prejuízos eventualmente causados ao adversário...” (A Reforma da Reforma, p. 65).

cumprir com exatidão provimentos mandamentais, antecipatórios ou finais.218 Como o pagamento é um ato de direito material que põe fim à relação creditícia,219 não há dúvidas de que as condutas às quais a lei atribuiu a condição de ato atentatório ao exercício da jurisdição não podem ser simplesmente equiparadas ao não cumprimento de condenação ao pagamento de quantia certa.

Mais delicada, entretanto, é a situação da exceção acima apontada que, na verdade, congrega 3 situações distintas: dar cumprimento (i) aos provimentos mandamentais, (ii) aos provimentos antecipatórios e (iii) aos provimentos finais. Configurado está o ilícito se a parte ou aquele que participa do processo não cumpre estes provimentos com exatidão ou cria embaraços ao seu regular cumprimento. No caso do provimento mandamental, sua distinção em relação à multa do cumprimento de sentença é clara uma vez que esta exige condenação (art. 475-J, do CPC).220 Desta forma, tratando-se de provimento mandamental, não há como confundir a sanção por ato atentatório ao exercício da jurisdição com a multa do cumprimento de sentença, tendo em vista a diversidade de escopos de ambos os institutos.

No caso de provimentos antecipatórios ou finais, é necessário escandir ambas as condutas previstas na lei. Tratando-se de ato que cause

218 Art. 14, V, do CPC.

219 Ver, sobre o tema, o que se expôs no Cap. IV, item 1, supra.

embaraço ao cumprimento destas modalidades de decisão, não há como vislumbrar qualquer semelhança entre o ato atentatório ao exercício da jurisdição e a multa pelo não cumprimento da condenação judicial ao pagamento de quantia certa, tendo em vista a diversidade de condutas previstas nos respectivos tipos legais. Com efeito, o ato atentatório, neste caso, pressupõe uma conduta da parte que vise impossibilitar ou dificultar o cumprimento, enquanto, no cumprimento de sentença, a conduta prevista para a aplicação da multa do art. 475-J, do CPC, é o não cumprimento da obrigação.

É de se ressaltar, entretanto, que, quando o provimento antecipatório221 ou final determinar o cumprimento de uma obrigação pecuniária, haveria, em tese, a possibilidade de incidência de ambas as sanções, que só não ocorre no sistema jurídico brasileiro em virtude da consagração do princípio da proibição da dupla punição para o mesmo fato (ne bis in idem). Há aqui identidade de natureza jurídica das sanções (punição) que impede a sua aplicação simultânea. 222

221 Sobre a possibilidade de incidência da multa do art. 475-J, do CPC, em caso de não cumprimento de

decisão que, antecipando os efeitos da tutela jurisdicional, determina o pagamento de quantia certa, ver o disposto no Cap. XII, item 4, infra.

222 Em sentido contrário, LUIZ RODRIGUES WAMBIER, TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER e JOSÉ MIGUEL

GARCIA MEDINA afirmam que a multa prevista no art. 475-J, por atuar como “medida executiva

coercitiva”, poderia ser cumulada com aquela prevista no art. 14, V, do Código de Processo Civil (Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil, v. II, p. 143-145). O raciocínio, apesar de formalmente perfeito, carece de procedência no seu aspecto material, uma vez que, conforme será demonstrado, a natureza jurídica da multa do art. 475-J é de penalidade (ver Cap. VIII, item 3, infra), o que impede a sua

cumulação com a multa do art. 14, V, do CPC, nos exatos termos ora expostos. FELIPE LUIZ DA SILVEIRA

afirma que “não entendemos cumulável, pelo mesmo ato, as sanções previstas no art. 14, parágrafo único, e art. 475-J, o que não exclui a possibilidade de serem cumulados por atos diversos, praticados no decorrer da instrução processual, exatamente, como bem disseram Marinoni e Arenhart, por possuírem

Em todos os demais casos acima apontados, não há qualquer impedimento legal à aplicação cumulada das penalidades por ato atentatório ao exercício da jurisdição e pelo não cumprimento da decisão judicial que condena ao pagamento por quantia certa.

iii. Multa por litigância de má-fé

A lei sanciona severamente aquele que pratica atos de improbidade processual, como já se apontou acima.223 Todavia, a multa pelo não cumprimento de sentença não se equipara às sanções por litigância de má- fé, uma vez que estas, ao contrário do que ocorre com o ato atentatório ao exercício da jurisdição, penalizam apenas e tão somente a conduta endoprocessual dos sujeitos parciais da relação processual.

Não há dúvida de que, em ambos os casos, nota-se uma clara preocupação do legislador em impor àqueles que litigam em juízo, ou que participam, ainda que lateralmente, desta litigância, um dever de respeito para com o exercício da função jurisdicional, na medida em que esta é uma das formas de manifestação do poder estatal. Não obstante, as sanções por litigância de má-fé visam disciplinar a dinâmica do exercício desta

hipóteses de incidência distintas” (Proteção à probidade e celeridade processual: análise da multa prevista no art. 475-J e da nova redação do art. 600, IV, do CPC, como novas ferramentas no combate à má-fé processual, p. 173).

atividade estatal para que ela atinja o seu fim da melhor forma possível, de acordo com os ditames do ordenamento jurídico positivo.224

Já a multa pelo não cumprimento da sentença que condena ao pagamento de quantia certa tem o nítido objetivo de garantir a eficácia do

resultado, ainda que provisório, da atividade jurisdicional. Como se pode

ver, o âmbito de incidência e os escopos das sanções por litigância de má- fé e pelo não cumprimento da sentença são absolutamente distintos, de forma que não como equiparar estes institutos jurídicos.

iv. Multa por ato atentatório à dignidade da justiça

A multa por ato atentatório225 à dignidade da justiça está ligada ao resultado da atividade jurisdicional, na medida em que sua incidência se dá

224 ANTÔNIO MENEZES CORDEIRO explica, neste sentido, que “a litigância de má fé permite ao juiz,

quando necessário, proceder a uma ‘polícia’ imediata do processo. Atitudes aberrantes, malquerenças óbvias, erros grosseiros ou entorpecimento da justiça encontram remédios imediatos e adequados, conquanto que necessariamente limitados” (Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa ‘in Agendo’, p. 151). Nesse mesmo sentido, FÁBIO MILMAN expõe que “desde que se deixou de conceber o

processo como um duelo privado, no qual o juiz era somente árbitro, e as partes podiam usar toda argúcia, malícia e armas contra o adversário para confundi-lo, e se proclamou a finalidade pública do processo civil, passou-se a exigir dos litigantes uma conduta adequada a esse fim e a atribuir ao julgador maiores faculdades para impor o fair play” (Improbidade Processual: comportamento das partes e de seus procuradores no processo civil, p. 32).

225 Conforme assevera MAURÍCIO GIANNICO “a conduta das partes no processo é, na realidade, um mero

espelho de seu comportamento em sociedade. Talvez por essa razão, em tempos modernos e em função da gravíssima crise moral pela qual atravessa nossa sociedade, proliferam-se, no cotidiano forense, manobras desleais e protelatórias na seara judicial. Se o parâmetro moral de conduta das pessoas mais do que nunca vem sendo marcado pelo desrespeito, pela desonestidade, pela deslealdade e pela arrogância, lamentavelmente não é de se esperar delas atitudes austeras e virtuosas, quando instadas a atuar em juízo” (As Novas Reformas do CPC e de outras normas processuais, p. 51). Todavia, “a advertência será feita sempre que o devedor praticar qualquer dos atos mencionados no art. 600, isto é, proceda de modo “tentatório à dignidade da Justiça”. A defesa das partes nunca pode ferir os ditames essenciais ao próprio Poder Judiciário para, em última análise, não se tornar cúmplice, por omissão, de atitudes que venham a desprestigiar a instituição, se for obstada a cumprir sua missão de assegurar o direito a quem o merece. Seria uma autodestruição. O sagrado direito de defesa, portanto, não pode ser concedido a ponto de

comprometer ou macular o Poder Judiciário – ‘a justiça’ –, como órgão da soberania nacional” (ALCIDES

quando do exercício da tutela jurisdicional executiva,226 que é voltada à satisfação do direito material da parte. Mesmo assim, não há como confundi-la com a multa pelo não cumprimento da sentença porque aquela se destina a sancionar os atos da parte que não age probamente em relação ao exercício da atividade jurisdicional executiva, enquanto esta sanciona a parte que não reconhece validade e eficácia ao exercício da atividade jurisdicional cognitiva, ou que, mesmo reconhecendo, prefere ignorá-las.

Como se disse, a multa pelo não cumprimento espontâneo da sentença que condena ao cumprimento de obrigação pecuniária tem lugar antes mesmo do início do procedimento executivo do respectivo título judicial.227 Não se está, portanto, ao menos não se está ainda, no momento processual especialmente formatado para o exercício da tutela jurisdicional executiva, que é o cumprimento de sentença. Sem prejuízo, e neste momento que a multa pelo não cumprimento de sentença tem a sua incidência prevista pela norma, ao contrário do que ocorre os atos atentatórios à dignidade da justiça, que pressupõem o exercício desta atividade para que sua incidência possa ser cogitada.

226 Ver Cap. I, itens 1 e 2 e Cap. V, item 2, supra. 227 Ver Cap, VI, supra.

v. Outras sanções previstas no ordenamento jurídico

Outras sanções previstas no ordenamento jurídico podem ser consideradas figuras afins da multa pelo não cumprimento de sentença, como é o caso da cláusula penal e da multa moratória. Ambos os institutos se assemelham à multa pelo não cumprimento de sentença não só por serem sanções cominadas ao inadimplemento do devedor, mas por serem institutos de direito material,228 como é o caso da multa do cumprimento de sentença, não obstante a sua heterotopia legislativa.

É de se ressaltar, entretanto, que a multa do cumprimento de sentença diferencia-se da cláusula penal porque ela não tem a finalidade de ressarcir a parte pelos prejuízos causados com o inadimplemento,229 como pode ocorrer no caso desta. Por essa mesma razão, a multa do cumprimento de sentença é fixada em percentual fixo, e não fica limitada ao valor da própria obrigação como é o caso da cláusula penal.

Outro aspecto importante que a diferencia tanto da cláusula penal quanto da multa moratória, é o de que a multa do cumprimento de sentença somente pode ter a sua aplicação cogitada quando houver decisão judicial

228 Sobre a natureza de direito material multa do art. 475-J, do CPC, ver Cap. VIII, item 4, infra.

229 “A cláusula penal pode ser estipulada para o caso de deixar o devedor de cumprir a totalidade de sua

obrigação, ou então, com caráter mais restrito, e por isto mesmo mais rigoroso, para o de inexecução em prazo dado. Na primeira hipótese o devedor incide na pena se deixa de efetuar a prestação, na segunda torna-se devida a multa pelo simples fato de não ter realizado a tempo, ainda que possa executá-la ulteriormente. Uma, a primeira, se diz compensatória, e a outra, moratória” (CAIO MÁRIO DA SILVA

que condene ao pagamento de quantia certa, enquanto aqueles outros institutos podem incidir independentemente de demanda judicial. Isto porque a finalidade da multa no cumprimento de sentença é punir o não cumprimento da decisão judicial que condena ao pagamento de quantia certa, e não o inadimplemento da própria obrigação, em si mesma considerada.

Ademais, deve-se ter em vista que a cláusula penal e a multa moratória podem incidir em qualquer modalidade de obrigação (dar, fazer, não fazer e pagar quantia certa), enquanto a multa do cumprimento de sentença tem a sua incidência restrita aos casos de obrigações pecuniárias. Resta patenteada, assim, a distinção entre a multa do art. 475-J, do CPC, e a cláusula penal e a multa moratória.

VIII- Natureza jurídica

No documento Vitor Jose de Mello Monteiro (páginas 128-137)