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Natureza jurídica da multa do art 475-J

No documento Vitor Jose de Mello Monteiro (páginas 139-150)

Parte II – Parte Especial

2. Natureza jurídica da multa do art 475-J

O tema da natureza jurídica da multa no cumprimento de sentença para pagamento de quantia certa não é pacífico. Digladiam-se os doutos na matéria em torno, basicamente, de dois entendimentos: o de que a multa teria a natureza de medida coercitiva e o de que a sua natureza jurídica seria de punição.

Há ainda aqueles que defendem um caráter híbrido do instituto de coerção e punição.233 Embora não tenha sido objeto de atenção de muitos estudiosos, não se pode deixar de analisar se esta sanção teria, ainda, a natureza jurídica de indenização ao credor que não obteve, no tempo previsto em lei, o proveito resultante da decisão judicial que lhe foi favorável. Para melhor compreensão destas correntes doutrinárias, far-se-á uma análise individualizada delas.

233 É o caso, por exemplo, de SÉRGIO SHIMURA, para quem “esta multa, além do caráter punitivo, exerce

também função coercitiva, no sentido de estimular e exortar o devedor a cumprir voluntariamente a obrigação, com nítida feição de cláusula penal (legal)” (A execução da sentença na reforma de 2005, p. 567).

i. Coerção

Forte é a corrente doutrinária que atribui à multa do cumprimento de sentença para pagamento de quantia certa a natureza jurídica de medida coercitiva semelhante à astreinte,234 comumente aplicada quando o objeto da obrigação que se pretende executar é uma prestação de fato (positivo ou negativo) ou coisa diversa de dinheiro.235

Para os que entendem desta forma, a multa prevista no art. 475-J, do CPC, tem a finalidade precípua de atuar no plano intelectual do devedor para obrigá-lo a proceder ao adimplemento espontâneo da obrigação de pagar quantia certa à qual foi condenado, evitando, assim, não só a incidência da sanção, mas também a atuação da execução por expropriação.

234 LUIZ FUX estudando os reflexos da lei n.° 11.232/05 no sistema jurídico, expõe o procedimento inicial

do cumprimento de sentença chegando à seguinte conclusão em relação ao art. 475-J, do CPC: “a exegese do dispositivo indica que o cumprimento da sentença obedece ao princípio da iniciativa da parte, com a atual distinção de que o credor deve aguardar o prazo quinzenal de que dispõe o devedor para pagar a quantia certa, após o que incidirá, além de juros e correção, a multa atualmente prevista como meio de vencer a obstinação do devedor em não cumprir o julgado. A letra da lei deixa entrever, de forma inequívoca, que a multa tem natureza de meio de coerção e reverte em favor do credor” (A Reforma doProcesso Civil, p. 120).CÁSSIO SCARPINELLA BUENO também afirma que, para ele, “esta multa tem

clara natureza coercitiva, vale dizer, serve para incutir no espírito do devedor aquilo que a Lei 11.232/2005 não diz de forma clara (e, cá entre nós, talvez nenhuma lei ou , mais amplamente, ato normativo precise ou precisasse dizer), o que seja, que as decisões jurisdicionais devem ser cumpridas e acatadas de imediato, sem tergiversações, sem delongas, sem questionamentos, sem hesitações, na exata medida em que elas sejam eficazes, isto é, na exata medida em que elas surtam seus regulares efeitos” ( Variações sobre a multa do art. 475-J do CPC, p. 132). Nesse mesmo sentido: ELIAS MARQUES DE

MEDEIROS NETO, Aspectos teóricos e práticos do art. 475-J, pp. 162-163; DÉBORA INES KRAM BAUMÖHL,

A multa do novo artigo 475-J do Código de Processo Civil e o novo conceito de “ato executivo” no

sistema processual brasileiro (março de 200¨), pp. 151-155; ASDRUBAL FRANCO NASCIMBENI, A multa do

art. 475-J, do CPC: nova tentativa de proporcionar plena efetividade ao processo civil, pp. 176-181; CARLOS ALBERTO SANTANA,Cumprimento da Sentença & Multa do Artigo 475-J, pp. 141-150;

Desta forma, segundo esta corrente doutrinária, a sanção seria de natureza compulsória.236

Atribuir à multa do cumprimento de sentença a natureza jurídica de medida coercitiva, portanto, significa dizer que ela é mais um meio executivo que o ordenamento jurídico colocou à disposição do credor para poder obter, forçadamente, aquilo que deveria ter-lhe sido entregue voluntariamente pelo devedor no vencimento da obrigação.

Neste sentido, a inovação seria revolucionária, embora não representasse qualquer inconstitucionalidade ou irregularidade, do ponto de vista jurídico, uma vez que quebraria a tradição do sistema jurídico brasileiro de prestigiar, quase que exclusivamente, a execução por expropriação quando se trata de obrigação de pagar quantia certa. Passar- se-ia a ter, portanto, a atuação de um meio de execução indireta na efetivação forçada de uma obrigação que, por sua própria natureza, sempre foi objeto de execução direta.

Apesar de ser de grande aceitação a idéia de que a multa do cumprimento de sentença para pagamento de quantia certa teria a natureza jurídica de ato coercitivo, não se explica adequadamente porque razão teria o legislador limitado severamente a sua efetividade para atuar neste campo

fixando a sanção em percentual fixo de 10% sobre o valor da condenação a incidir uma única vez, vale dizer, quando verificado o inadimplemento.

Como já se expôs,237 as sanções compulsórias incidem e permanecem atuando até que o devedor cumpra a obrigação, ou seja, são modalidades de sanção cuja incidência se protrai no tempo. O caráter coercitivo da multa cominatória reside, portanto, exatamente no fato de ela poder ser aplicada periodicamente até que o devedor pratique o ato que caracterize o adimplemento da obrigação. Não parece ser este o caso da multa do cumprimento de sentença para pagamento de quantia certa que, como já se disse, incide uma única vez e em percentual fixo.

Sem dúvida, a multa do cumprimento de sentença impõe ao devedor o receio de ver a sua situação piorada se não cumprir espontaneamente a decisão judicial que o condena ao pagamento de quantia certa. Todavia, não há aí coerção, mas sim prevenção.238 A multa no cumprimento de sentença induz ao cumprimento espontâneo pelo devedor que deseja evitar ser apenado com a sua incidência, todavia, uma vez descumprida a obrigação, ela incide uma única vez, passando-se imediatamente, aí sim, desde que haja requerimento do credor, à execução do crédito pecuniário

237 Cap. V, item 1, i, supra.

238 EVARISTO ARAGÃO SANTOS defende que o escopo final da multa é, também, o de inibir a renitência do

devedor inadimplente, o que não significa dizer que esta seja uma “genuína medida coercitiva” (Breves notas..., cit., p. 324).

retratado no título judicial, que continua sendo realizada pela técnica da expropriação.

Não há assim, como confundir, no plano processual, coerção com prevenção.239 A astreinte (ou multa cominatória) visa forçar o adimplemento da obrigação e não apenas preveni-lo, uma vez que ela incide desde a data do inadimplemento até o momento em que o devedor cumpre a obrigação. Sua incidência pode ser substituída por qualquer outro meio de coerção que, eventualmente, se mostre mais apropriado ao caso concreto, especialmente aqueles previstos no art. 461,§ 5°, do CPC. Seu valor varia de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Há a necessidade de decisão judicial para que a mesma possa incidir.

Ora, nada disso ocorre com a multa do cumprimento de sentença para pagamento de quantia certa, o que é suficiente para embasar a conclusão de que ela não é uma medida de coerção, mas sim de prevenção. Note-se que o efeito prático destas modalidades de sanção, inclusive, não é

239 Compreende-se a confusão que é feita sobre esta questão uma vez que, no plano da lógica deôntica da

norma, a distinção não é tão clara quanto no plano processual: “Hay dos tipos que son de gran importancia para la lógica deóntica y que tienem relación com la habilidad de un agente de interferir la habilidade de otro agente de ejecutar un determinado acto. Estos son los tipos de acto que llamamos evitar o impedir y compelir o forzar. Estos tipos de acto son evidentemente interdefinibles. Por tanto, podemos aqui limitar la discusión a uno de ellos. Compelir a un agente a hacer es lo mismo que impedirle abstener-se de dicha cosa. Y evitar que un agente haga algo es lo mismo que forzarle a abstenerse. Evitar que un agente hago algo es actuar de tal manera que llegue a ser imposible para ese agente hacer esa cosa. Evitar o impedir es ‘hacer imposible’. El resultado del acto de evitar que un agente haga una determinada cosa en una determinada ocasión es cambiar el mundo de tal forma que el agente no pueda hacer esa cosa em esa ocasión” (G. HENRIK VON WRIGHT. Norma y Acción: Uma

investigación lógica, p. 71). Não obstante, não há dúvidas que, em termos pragmáticos, a técnica processual da coerção comporta nítida distinção em relação à técnica processual da prevenção, uma vez que esta visa evitar a ocorrência do dano, enquanto aquela procura recompor a situação anterior do direito já lesado.

o mesmo, ao contrário do que se poderia, desavisadamente, imaginar. Com efeito, para as medidas de coerção, o inadimplemento representa pressuposto de sua atuação, enquanto que as medidas preventivas atuam exatamente para evitar que se dê o inadimplemento.

Impõe-se, todavia, reconhecer que pode existir certo caráter preventivo na astreinte, uma vez que o devedor pode se sentir efetivamente compelido a cumprir a obrigação para evitar a incidência da multa, todavia, não há dúvida que sua finalidade específica é forçar o cumprimento da obrigação. Tanto é assim que, mesmo após a sua incidência, o seu valor pode vir a ser alterado, ou até mesmo suprimido,240 ou seja, tanto se visava o cumprimento que, ocorrido este, a multa cominatória pode até perder o sentido de sua existência, o que não ocorre com a multa do cumprimento de sentença para o pagamento de quantia certa, para a qual o inadimplemento da decisão judicial que condena ao adimplemento de obrigação pecuniária é simples pressuposto de sua incidência.

240 Neste sentido: “PROCESSO CIVIL - OBRIGAÇÃO DE FAZER - ASTREINTES - FIXAÇÃO DE

TERMO FINAL. IMPOSSIBILIDADE. - É lícito ao juiz modificar o valor e a periodicidade da astreinte (CPC, Art. 461, § 6º). Não é possível, entretanto fixar-lhe termo final, porque a incidência da penalidade

só termina com o cumprimento da obrigação.” (STJ, Resp 890.900/SP – rel. Min. HUMBERTO GOMES DE

BARROS, Terceira Turma, j. 17.03.2008, DJE 13.05.2008); “DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO. ASTREINTES. ALTERAÇÃO DO VALOR. POSSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. AUSÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Os embargos de declaração têm como objetivo sanear eventual obscuridade, contradição ou omissão existentes na decisão recorrida. Não há omissão no acórdão recorrido quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte. 2. A multa prevista no art. 461 do CPC, por não fazer coisa julgada material, pode ter seu valor e periodicidade modificados a qualquer tempo pelo juiz, quando for constatado que se tornou insuficiente ou excessiva. Precedentes. 3. Recurso especial conhecido e improvido.” (STJ, Resp 708.290/RS, rel. Min. ARNALDO ESTEVES DE LIMA, Quinta Turma, j. 26.06.2007, DJE 06.08.2007).

ii. Punição

Outra corrente doutrinária que conta com uma considerável quantidade de adeptos é a que defende que a multa do cumprimento de sentença tem natureza jurídica de punição.241 Para estes doutrinadores, a sanção visa punir o descumprimento, pelo devedor, da decisão judicial que o condena ao pagamento de quantia certa. Sendo a decisão judicial uma manifestação do poder estatal,242 impõe-se aos jurisdicionados por ela atingidos o seu imediato cumprimento, sob pena de responderem pela sua renitência. 243

Até o advento da multa do cumprimento de sentença, o descumprimento da decisão que condenava a parte ao cumprimento de obrigação de pagar quantia certa tinha como sanção apenas a possibilidade

241 Na opinião de FLÁVIO CHEIM JORGE,FREDIE DIDDIER JR. e MARCELO ABELHA RODRIGUES “tem

natureza de sanção processual a multa de 10% sobre o valor da condenação para o caso de o devedor não efetuar o pagamento ao credor no prazo de quinze dias. A multa é uma sanção contra o não-pagamento imposto na condenação ou reconhecido na ligquidação, e apenas incide se e quando o devedor não cumprir a obrigação no referido prazo. Portanto, multa independe do requerimento da execução. É anterior a isso, ou seja, é uma pena processual pelo não-pagamento espontâneo do devedor” (A Terceira Etapa da Reforma Processual Civil, pp. 128-129).Nesse mesmo sentido: MARCELO JOSÉ MAGALHÃES

BONÍCIO et alii, Comentários à Execução Civil, pp. 50-53. EVARISTO ARAGÃO SANTOS, Breves notas

sobre o “novo” regime de cumprimento de sentença, p. 324. DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES,

Reforma do CPC: leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006, p. 218-219; ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS, As Reformas de 2005 e 2006 do Código de Processo Civil, p. 57.

242 Ver Cap. II, item 3, supra.

243 Apesar de não aprofundar a questão da natureza jurídica da multa, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR

afirma que, como reforço aos meios coercitivos utilizáveis para acelerar o cumprimento da sentença que condena ao pagamento de quantia certa, adotou-se a possibilidade de aplicação de uma “pena pecuniária” ao devedor que não atende ao comando judicial condenatório (As novas Reformas do Código de Processo Civil, p. 143).

de execução forçada mediante a expropriação dos bens do condenado para satisfazer o crédito ali retratado. Atualmente, o ordenamento jurídico pune com mais rigor o descumprimento dessa modalidade de decisão judicial, impondo ao jurisdicionado desobediente uma multa de 10% do valor da condenação.244

A idéia é impor àquele que não cumpre a obrigação de pagar quantia certa retratada na decisão judicial uma situação mais onerosa do que se tivesse adimplido espontaneamente o comando nela contido durante o interregno do tempus iudicati.245 Procura-se, desta forma, tornar mais vantajoso ao devedor o cumprimento espontâneo da obrigação pecuniária lastreada em título judicial, uma vez que o descumprimento de sentença ensejará a aplicação da multa do art. 475-J, do CPC, além de todas as demais verbas derivadas de sua sucumbência.246

244 Sobre a possibilidade de cumulação destas modalidades de sanção, ver Cap. V, itens 2 e 3, supra.

245 Isto porque, como já se afirmou em outra oportunidade, “o devedor que deixa de cumprir uma decisão

judicial pratica uma dupla violação ao ordenamento jurídico: deixa de cumprir o ordenamento jurídico material que determina o pagamento das dívidas pecuniárias oriundas de ato de vontade ou de disposição legal, bem como a decisão judicial que, concretizando o comando abstrato contido na norma, determina o cumprimento específico de uma determina obrigação de pagar quantia certa. Para além da restituição da situação ao status quo ante, nada impede que o ordenamento jurídico fixe uma pena para a conduta recalcitrante do devedor” (VITOR JOSÉ DE MELLO MONTEIRO, Da Multa...cit., p. 494).

246 O STJ já decidiu no sentido de que, no cumprimento de sentença, é possível a condenação do

executado ao pagamento de honorários advocatícios, sob pena de tornar inócua a inovação processual consistente na multa do art. 475-J. Veja-se: “PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. NOVA SISTEMÁTICA IMPOSTA PELA LEI Nº 11.232/05. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS. POSSIBILIDADE. - O fato de se ter alterado a natureza da execução de sentença, que deixou de ser tratada como processo autônomo e passou a ser mera fase complementar do mesmo processo em que o provimento é assegurado, não traz nenhuma modificação no que tange aos honorários advocatícios. - A própria interpretação literal do art. 20, § 4º, do CPC não deixa margem para dúvidas. Consoante expressa dicção do referido dispositivo legal, os honorários são devidos “nas execuções, embargadas ou não”. - O art. 475-I, do CPC, é expresso em afirmar que o cumprimento da sentença, nos casos de obrigação pecuniária, se faz por execução. Ora, se haverá arbitramento de honorários na execução (art. 20, § 4º, do CPC) e se o cumprimento da sentença se faz por execução (art. 475, I, do CPC), outra conclusão não é possível, senão a de que haverá a fixação de verba honorária na fase de cumprimento da sentença. -

Há, também, um claro pendor preventivo nesta sanção, na medida em que o que se busca evitar é exatamente o descumprimento da decisão judicial, todavia, como se demonstrou no item anterior, não se deve confundir preventividade com coerção.247

Ocorrido o inadimplemento do comando judicial a multa no cumprimento de sentença atua imediatamente com a finalidade específica de penitenciar o devedor pela sua conduta desrespeitosa para com o comando judicial.

A incidência imediata da multa, independentemente de ordem judicial a impô-la, é outro elemento estrutural do instituto que favorece a conclusão de que se trata, efetivamente, de uma pena fixada pela própria lei

Ademais, a verba honorária fixada na fase de cognição leva em consideração apenas o trabalho realizado pelo advogado até então. - Por derradeiro, também na fase de cumprimento de sentença, há de se considerar o próprio espírito condutor das alterações pretendidas com a Lei nº 11.232/05, em especial a multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC. De nada adiantaria a criação de uma multa de 10% sobre o valor da condenação para o devedor que não cumpre voluntariamente a sentença se, de outro lado, fosse eliminada a fixação de verba honorária, arbitrada no percentual de 10% a 20%, também sobre o valor da

condenação. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ, Resp 978.545/MG, rel. Min. NANCY

ANDRIGHI, Terceira Turma, j. 11.3.2008, DJE 1.4.2008). No plano doutrinário, BRUNO VASCONCELOS

CARRILLHO LOPES, explica que “a referida multa exerce função semelhante à cláusula penal. Serve ao

reforço da sentença condenatória, com o objetivo de estimular o devedor inadimplente a cumprir a obrigação tão logo restem definidos em definitivo o an e o quantum debeatur, e de algum modo compensa o credor do dano marginal do processo (supra, n. 37). Ou seja, a função exercida por tal multa é totalmente distinta daquele desempenhada no sistema processual pelos honorários advocatícios, sendo portanto plenamente possível a cumulação” (Honorários Advocatícios no Processo Civil, p. 264). Em

sentido contrário, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR entende que “a regra do art. 652-A do CPC, que manda

arbitrar liminarmente honorários no despacho da inicial da execução por quantia certa, é norma exclusiva da ação relativa aos títulos executivos por quantia certa, é norma exclusiva da ação relativa aos títulos executivos extrajudiciais. Não há como aplicá-la ao procedimento de “cumprimento da sentença porque este não é objeto de uma ação de execução e se resume a um simples incidente do processo onde se proferiu a sentença condenatória. Além disso, não há citação alguma do executado em que pudesse figurar a imposição de outra verba sucumbencial em acréscimo àquela já constante do título judicial.” (Execução por Quantia Certa: regime renovado pelas leis nºs 11.232/2005 e 11.382/2006, in RJ 369, p. 28).

247 KELSEN demonstra que “sanção” aparece no ordenamento jurídico sob duas formas diferentes, a saber,

como pena (stricto sensu) e como execução. Ambas consistem na imposição de um mal ao violador do preceito. Como pena, a finalidade da sanção não decorre imediatamente do conteúdo da norma jurídica. Sendo assim, a afirmação de que a finalidade da pena é prevenir, pela intimidação, uma conduta também vale para os ordenamentos jurídico-penais. Após estabelecer estas premissas, o eminente ex-professor das universidades de Viena e de Colônia conclui que tanto as sanções penais quanto as sanções executivas podem ser aplicadas para o fim de evitar a prática da conduta violadora (Teoria pura do direito, pp. 163- 165).

para a conduta do devedor. Caso a multa do cumprimento de sentença para pagamento de quantia certa fosse efetivamente uma medida coercitiva, vale dizer, um meio executivo, sua aplicabilidade dependeria necessariamente de decisão judicial que a impusesse, conforme exige a lei processual vigente.248

Não obstante, é através da análise essência do instituto que se encontram parâmetros seguros para afirmar que a sua natureza jurídica é de sanção punitiva. A imperatividade da decisão judicial e a manutenção da expropriação como meio adequado à execução das obrigações pecuniárias afasta qualquer possibilidade de atribuir à multa do cumprimento de sentença a natureza jurídica de medida de coerção.

iii. Ressarcimento

Sendo o credor o beneficiário da multa do cumprimento de sentença para pagamento de quantia certa,249 poder-se-ia imaginar que ela teria uma natureza reparatória, a exemplo do que ocorre com a cláusula penal

248 Art. 577, do CPC. Como bem esclarece ARAKEN DE ASSIS, “deixou a lei ao juiz, na execução, vários e

grandes espaços para o uso de liberdades discricionárias, ressalvada sua adstrição ao pedido imediato da parte, representado pela escolha do meio executório”. Exatamente por isso, ressalva o referido autor, que “esses poderes remarcam, outrossim, a indispensabilidade do controle judicial no curso do ato executivo” (ARAKEN DE ASSIS,Manualda Execução, pp. 90-91).

prevista na legislação material.250 Ocorre, todavia, que a multa do

No documento Vitor Jose de Mello Monteiro (páginas 139-150)