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Das obrigações em geral

No documento Vitor Jose de Mello Monteiro (páginas 56-62)

A conceituação do que vem a ser obrigação, em sentido técnico, tem sido precedida, na maioria dos manuais e cursos do direito civil,75 de uma análise dos conceitos de dever jurídico, sujeição e ônus jurídico a fim de diferenciar a obrigação propriamente dita destas figuras com as quais ela se assemelha, mas não se confunde.

Realmente, o termo obrigação é utilizado, tanto na linguagem comum como na linguagem jurídica, de forma menos técnica neste último caso, para fazer referência a uma série de comportamentos que devem ser observados pelos sujeitos de direito nas mais variadas situações.76 Assim é

75 De acordo com ORLANDO GOMES, “o conceito de obrigação deve ser depurado da intromissão de outras

noções jurídicas tecnicamente distintas, tais como as de dever jurídico, sujeição e ônus. (RA) Em uma relação jurídica, a obrigação ocupa o lado passivo e, por isso, consiste no próprio dever jurídico, podendo, assim, ser definida como sendo certo comportamento exigível pelo titular do respectivo direito subjetivo (lado ativo). (...) Trata-se, pois, de noções que não se confundem com a de obrigações, embora se costume falar em obrigação negativa e universal (dever jurídico) de todo indivíduo abster-se de atos turbativos da propriedade alheia, de sujeitar-se (sujeição), sem poder impedir, às conseqüências do exercício de um direito alheio, e de registrar a escritura para adquirir a propriedade (ônus jurídico). A obrigação comporta com sacrifício do interesse próprio em favor de um interesse alheio; no ônus, o sacrifício do interesse próprio em favor de um interesse alheio; no ônus, o sacrifício do interesse próprio visa a outro interesse próprio que o sujeito considere preponderante sobre o primeiro, nas palavras de Lumia.” (Obrigações, p. 11).

76 Neste sentido, MANUEL A.DOMINGUES DE ANDRADE esclarece que “na linguagem comum – à qual não

fogem, por vezes, os próprios juristas – o termo [obrigação] reveste uma significação ainda mais lata. Compreende não só o dever jurídico e a sujeição, mas também a figura do ónus jurídico e até qualquer dever não jurídico imposto por outras normas que não as de Direito (moral, etiqueta, etc.), se não mesmo, por último, qualquer ónus de natureza extra-jurídica (técnica, econômica, etc.)” (Teoria Geral das Obrigações, p. 1).

que, para se ter uma compreensão adequada do que vem a ser obrigação, é preciso não confundi-la com nenhuma destas outras figuras.

Dever jurídico é a imposição de um determinado comportamento que é feita pelo ordenamento jurídico, vale dizer, é uma ordem imposta em caráter abstrato a todos aqueles que se encontram sob a égide de uma determinada ordem jurídica. Como exemplos de dever jurídico, pode-se citar a necessidade de cumprimento daquilo que foi contratado (pacta sunt

servanda), o dever de boa-fé (bona fides) das partes na celebração de

negócio jurídico, a proibição universal de perturbação da propriedade alheia etc..

Já a sujeição, que tem sido identificada como o conteúdo passivo da relação jurídica que tem por objeto um direito potestativo, pode ser conceituada como a imposição do exercício de um poder atribuído a um determinado sujeito de direitos. Não há, desta forma, a necessidade de consentimento, autorização ou, em alguns casos, de colaboração do sujeito passivo para que o titular do direito potestativo possa exercê-lo. Exemplos de sujeição são a passagem forçada, a anulação de um negócio jurídico, a constituição em mora do devedor, a revogação do mandato, a dissolução do vínculo matrimonial etc..

O ônus jurídico, por sua vez, é caracterizado como uma simples contingência daquele que pretende obter uma determinada vantagem. Não

se confunde este, portanto, com o dever jurídico, com a sujeição e nem com a obrigação. Tem ônus jurídico todo aquele que necessita adotar uma certa conduta para exercer uma determinada faculdade que o ordenamento jurídico lhe assegura. É o caso, dentre outros, do registro da escritura de compra e venda de um imóvel.

Note-se que o ônus jurídico não se destina à satisfação do interesse de outrem, mas sim do seu próprio titular, sendo esta uma das diferenças mais marcantes dessa figura em relação à obrigação. No campo do direito processual, diversos são os exemplos de ônus jurídico: prova das alegações de fato que a parte pretende ver admitidas como verdadeiras no processo; apresentar contestação; impugnar especificadamente as alegações de fato da parte contrária etc..

A obrigação, propriamente dita, não se confunde, portanto, nem com o dever jurídico, nem com a sujeição, nem com o ônus. Em sentido estritamente técnico, a obrigação nada mais é do que um vínculo jurídico por meio do qual um determinado sujeito de direitos fica adstrito ao cumprimento de uma determinada prestação em favor de outrem (obligatio

est juris vinculum, quo necessitate adstringimur alicujus solvendae rei).77

77 Este é o conceito clássico de obrigação que foi incorporado às Institutas, conforme anota ORLANDO

GOMES, Obrigações, p. 15. De acordo com WALTER VIEIRA DO NASCIMENTO, “de um ponto de vista

técnico e específico, a obligatio do direito romano externava, como externa a obrigação do direito moderno, um vínculo jurídico pelo qual o devedor ficava compelido a uma prestação para com o credor. Aliás, dispositivo das Institutas de Justiniano sentenciava: “A obrigação é um vínculo de direito pelo qual somos necessariamente compelidos a pagar alguma coisa a alguém, segundo o direito da nossa cidade.

Com o surgimento da relação obrigacional, um determinado sujeito de direitos, ao qual se convencionou chamar devedor, fica compelido a, em um determinado momento, adotar um determinado comportamento em favor de outro sujeito de direitos, a quem se convencionou chamar credor. A obrigação é, portanto, a vinculação existente entre esses dois sujeitos de direitos. Essa vinculação é chamada no meio jurídico de crédito, quando analisada sob a ótica do pólo ativo da relação jurídica obrigacional, ou de débito, quando a vertente parte do ponto de vista do pólo passivo dessa relação.

O objeto da relação obrigacional é, portanto, a própria obrigação formada entre os sujeitos de direito que figuram nesta relação. Neste caso específico, está-se a considerar o termo obrigação em seu sentido mais puro, ou seja, como o vínculo jurídico, em si mesmo considerado, que une os sujeitos ativo e passivo da relação jurídica.78

Por outro lado, cumpre esclarecer que a obligatio, em período mais primitivo do direito romano, não era empregada para exprimir o vínculo entre o credor e o devedor. O termo usado era o nexum, que estabelecia um direito de garantia sobre a pessoa do devedor” (Lições de História do Direito, p. 83-84).

Por outro lado, ROBERTO RUGGIERO entende que “direitos das obrigações são os que nascem, de uma

relação imediata entre duas pessoas e em virtude da qual uma delas (devedor) está obrigado a determinada prestação (dar, fazer ou não fazer), tendo o outro (credor) a faculdade de exigir essa prestação. (...) ao passo que no direito das obrigações há um dever particular porquanto só quem está vinculado está obrigado para com o titular, e positivo ou negativo, conforme o devedor seja obrigado a dar ou a fazer qualquer coisa” (Instituições de Direito Civil, p. 291).

WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO,por sua vez, esclarece o seguinte: “Preferimos, por isso, por mais

completa a seguinte: obrigação é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objetivo consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio” (Curso de Direito Civil - Direito das Obrigações, p. 8).

78 Sobre o tema, JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA esclarece que “este vínculo, constituído pelo enlace

dos poderes conferidos ao credor com os correlativos deveres impostos ao titular passivo da relação, forma o núcleo central da obrigação, o elemento substancial da economia da relação. Atenta a facilidade com que mudam os sujeitos da obrigação e ponderadas as transformações que sofre a cada passo a própria

Já a obrigação propriamente dita, sempre tem por objeto uma prestação. A prestação nada mais é do que o fazer o que se ajustou ou aquilo que a lei determina que seja feito.79 O ato ou fato que deve ser prestado, por sua vez, é o objeto da prestação.80 É pelo objeto da prestação que se classificam as obrigações em de fazer, de não fazer e dar coisa (certa ou incerta), conforme se trate de prestação de fato (positivo ou negativo, nos dois primeiros casos) ou de coisa (no caso de obrigação de dar coisa).

É importante ter em vista, todavia, que a classificação não retira a essência da obrigação que se foca sempre na possibilidade de exigência por parte do credor de uma determinada conduta por parte do devedor. Todavia, quando a essência da relação obrigacional gira em torna de um objeto que deve ser entregue ao credor, a obrigação é de dar coisa, que

prestação debitória, o vínculo estabelecido entre o devedor e o credor constitui o elemento verdadeiramente irredutível da relação. Nele reside o cerne do direito de crédito.

Já os romanos tiveram a clara percepção do valor essencial deste elemento, quando, num passo célebre

das Institutiones de JUSTINIANO, definiram a obrigação como «iuris vinculum quo necessitate

adstringimur alicuius solvendae rei secundum nostrae civitatis iura». (...) Aliás, a própria etimologia da palavra obrigar (de obligare, ou ligare ob – ligar por causa de, ligar para) aponta desde logo para o

vínculo que prende um ao outro os sujeitos da relação.” (Das Obrigações em Geral, p. 109-110). COELHO

DA ROCHA,definiu a obrigação, igualmente, como “um vínculo legal, pelo qual é alguém adstrito a dar,

fazer ou pagar alguma coisa” (Instituições, I, pág. 57).

79 Os dicionários da língua portuguesa definem o vocábulo “prestar” das seguintes maneiras: MICHAELIS -

“vtd. Dar ou fazer segundo certas condições: ‘A obrigação de prestar alimentos’ (Código Civil Brasileiro, artigo 402)”; HOUAISS –“transitivo direto. realizar (uma ação) por imposição legal; cumprir, fazer Ex.:

<p. juramento>, <p. serviço militar>”; AURÉLIO – “T. d. Realizar, efetuar, praticar, por imposição legal ou contratual: prestar serviço militar; prestar depoimento; ‘Foi [Duarte da Costa] o sucessor de Tomé de Sousa. Prestou igualmente serviços de valia, mas estava longe de ser equiparado ao seu antecessor’ (João Ribeiro, História do Brasil, p. 89).”

80 Ver, neste sentido, ORLANDO GOMES, op. cit., p. 20-21. Pode-se falar, ainda, em prestação de fato ou

prestação de coisa para diferenciar as obrigações de dar das obrigações de fazer ou não fazer. MÁRIO

JÚLIO DE ALMEIDA COSTA diferencia o objeto imediato ou direto do objeto mediato ou indireto da

obrigação. Explica o referido autor que a prestação devida, ou seja, a atividade ou conduta que pode ser exigida do devedor com vista à satisfação do interesse do credor é que configura o objeto imediato da prestação. A coisa ou fato que deve ser prestado, por sua vez, é o objeto indireto da obrigação. Assim, o objeto da obrigação engloba, na verdade, a prestação em si mesma considerada e o próprio objeto da prestação (Direito das Obrigações, p. 131).

pode ser subdivida em prestação de restituição e de entrega, conforme a coisa estivesse ou não, respectivamente, em poder do credor antes da constituição da relação obrigacional. Em outras situações, o foco da relação obrigacional é, efetivamente, a conduta do devedor, que deve praticar um determinado ato ou pacientar uma determinada situação. Nestes casos específicos a obrigação é de fazer ou não fazer, respectivamente.

Verifica-se, desta forma, que a dinâmica da relação obrigacional é escalonada de forma a possibilitar a compreensão de todas as suas etapas, permitindo, assim, identificar claramente, no caso concreto, qual é o estágio em que ela se encontra. Tal identificação é fundamental para a determinação das conseqüências jurídicas que advêm dos eventos que vierem a influenciar no desenvolvimento da relação obrigacional.

Uma das características mais marcantes da obrigação é o seu caráter relacional, vale dizer, o direito que surge para aquele que figura no pólo ativo da relação jurídica obrigacional existe apenas e tão somente em relação ao sujeito que figura nesta mesma relação. 81 Diferencia-se,

81 Este caráter relacional da obrigação fica claro quando se analisa a sua dinâmica. Veja-se, a esse

respeito, a elucidativa análise de LUIZ DÍEZ-PICAZO eANTONIO GULLON: “El concepto de obligación, que

en los preceptos citados aparece, es el resultado de una larga tradición histórica procedente del Derecho Romano, donde la obligación se definió ya como vinculum iuris. La obligación es una situación bipolar, que se encuentra formada, por un lado, por la posición de una persona llamada deudor, y por otro, por la posición de otra persona distinta llamada acreedor. El acreedor es titular de un derecho subjetivo (derecho de crédito), que le faculta para exigir frente al deudor lo que por éste es debido (prestación). Al mismo tiempo, como medida complementaria, el acreedor se ve investido de la posibilidad, en caso de incumplimiento, de proceder contra los bienes del deudor, así como investido también de una serie de facultades para la defensa de sus intereses. El deudor es sujeto de un deber jurídico (deuda), que le impone la observancia del comportamiento debido y le sitúa en el trance de soportar, en otro caso, las consecuencias de su falta” (Sistema de Derecho Civil, p. 127).

portanto, a obrigação de um direito real, cuja existência gera um dever geral de abstenção oponível erga omnes. Esta constatação será de fundamental importância mais adiante quando se analisar quem deve ser responsabilizado pela multa no cumprimento de sentença que condena ao pagamento de quantia certa.

No documento Vitor Jose de Mello Monteiro (páginas 56-62)