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Aspetos Dominantes do Protocolo de Nagoia

No documento Mestre em Gestão e Políticas Ambientais (páginas 113-115)

GENÉTICOS E PARTILHA DOS BENEFÍCIOS DERIVADOS DA SUA UTILIZAÇÃO

4.1 Aspetos Dominantes do Protocolo de Nagoia

Após uma rápida introdução sobre o Protocolo ABS feito no enquadramento (Capítulo 2), cabe aqui fazer um breve olhar sobre os artigos do Protocolo de Nagoia e suas principais lacunas.

Para melhor compreender o ABS, é necessário entender o conceito de Recurso Genético (RG) e seus derivados, compreender como estes são utilizados, quais são os conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos, a importância e implicações de se criar e fazer parte do Protocolo de ABS, quem são os seus potenciais utilizadores e por fim o articulado do próprio Protocolo.

De acordo com a CDB, um “recurso genético é todo o material genético de valor real ou

potencial” (GRI, 2001, p. 210) oriundo da biodiversidade. Os RG são em grande parte classificados em três categorias: i) vegetais; ii) animais; e iii) microbiológicos (EC, 2003, p. 6) e “devem conter unidades funcionais de hereditariedade, ou seja, os genes (ADN – Ácido Desoxirribonucleico) que podem passar propriedades para a próxima geração” (Koester, 2012, p. 6).

Já o conceito de recurso/material biológico “inclui RG, organismos ou partes deles, populações ou qualquer outro tipo de componente biótico do ecossistema de valor ou utilidade

50 Publicado pela Agência Lusa em 29 de Outubro de 2010. http://www1.ionline.pt/conteudo/85939-

ambiente-mundo-deu-passo-em-frente-com-acordo-proteger-biodiversidade---secretario-estado. Última consulta em 20 de janeiro de 2011.

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atual ou potencial para a humanidade” (GRI, 2001, p. 210), portanto um material genético, no sentido que é especificado pela CDB, não é simplesmente o material biológico, mas também o material genético (Koester, 2012). Uma árvore ou uma folha são materiais genéticos enquanto um perfume, uma camisola de algodão ou um revestimento de pele de um automóvel são elaborados de material biológico, mas não são material genético, pois não contêm unidades funcionais de hereditariedade, portanto são considerados derivados.

Um ponto bastante sensível, discutido ao longo das negociações do Grupo de Trabalho sobre ABS para a elaboração do texto do Protocolo de Nagoia e que foi muitas vezes alvo de bloqueio das mesmas, foi a definição do que vem a ser a “utilização dos RG”, uma vez que o motivo principal de se criar um Protocolo estava intrinsecamente vinculado a questão da

implementação do artigo 15º da CDB que é justamente sobre o acesso a RG.51.

Desta forma os principais negociadores do Protocolo, juntamente com os seus dois

copresidentes, acordaram que, neste contexto, a melhor definição para “utilização de recursos

genéticos” seria “a realização de investigação e desenvolvimento sobre a composição genética e/ou bioquímica de recursos genéticos, inclusivamente através da aplicação de biotecnologia tal como definida no Artigo 2º da Convenção” (CBD, 2011d, p. 4).

Neste âmbito, importa destacar a introdução da noção de biotecnologia, na definição suprarreferida. O artigo 2º da CDB define “biotecnologia” como sendo “qualquer aplicação tecnológica que utiliza sistemas biológicos, organismos vivos ou seus derivados para a criação ou modificação de produtos ou processos para utilização específica”. Esta definição foi novamente descrita no Protocolo de Nagoia, também no seu artigo 2º.

A definição de biotecnologia levantou mais um problema para os negociadores, em especial para os países desenvolvidos, entre eles, Austrália, Canadá, Nova Zelândia e os países da UE, pois estes não queriam a inclusão do termo “derivados” no texto do Protocolo, pois consideravam que esta questão deveria ser trabalhada caso a caso, quando fossem negociadas as MAT. Contudo, os países em desenvolvimento, na sua maioria, não aceitaram a proposta apresentada pelos países desenvolvidos, pois apesar de os derivados não conterem unidades funcionais de hereditariedade, a partir deles, em cerca de 89% dos casos, são desenvolvidos produtos com valor comercial (Aubertin & Filoche, 2011). Assim, os derivados são os elementos centrais do Protocolo de Nagoia, pois é a partir destes que advêm os benefícios que deverão ser partilhados (ICNB, 2011, p. 29).

Desta forma, foi definido, por consenso das Partes da Convenção, no artigo 2º do Protocolo de Nagoia, que “derivado” seria “um composto bioquímico que ocorre naturalmente em resultado da expressão genética ou do metabolismo de recursos biológicos ou genéticos, mesmo que não contenha unidades funcionais de hereditariedade” (CBD, 2011d, p. 4).

51 Este ponto foi bastante sensível porque os países desenvolvidos não queriam que na definição de

utilização dos RG estivesse presente a referência sobre “derivados dos RG”, entretanto os países megadiversos não aceitavam que fosse retirado o termo “derivados dos RG”, pois é daí que vem a maior parte dos benefícios oriundos dos RG e se tal termo não estivesse explicito a posteriori poderia se fazer a interpretação de que como os “derivados dos RG” não fazem parte do Protocolo, não seria necessário realizar a partilha de benefícios que advêm da sua utilização.

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A CDB foi o primeiro acordo multilateral a reconhecer o papel das comunidades tradicionais na conservação da diversidade biológica, utilização sustentável dos seus componentes e na partilha justa e equitativa dos benefícios que advêm da utilização dos RG.

Mas o que vem a ser o “conhecimento tradicional”? O Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) define-o como sendo conhecimentos, inovações e práticas das comunidades indígenas e locais de todo o mundo. É concebido a partir da experiência adquirida através dos séculos, e adaptado à cultura e à situação local. O conhecimento tradicional transmite-se por via oral, de geração em geração e dado ser um bem imaterial torna mais difícil medir o seu valor.

Os conhecimentos tradicionais, são saberes milenares, que foram sendo aprimorados ao longo dos anos. Os povos utilizam os seus conhecimentos tradicionais sobre os recursos naturais (no qual se encontram os genéticos) na seleção das melhores sementes e cultivo de plantas medicinais. Os recursos genéticos são a base para o melhoramento agrícola e dos produtos fitossanitários, desenvolvimento de fármacos52 e da indústria cosmética.

O papel das comunidades locais e indígenas tem sido reconhecido ao longo das décadas, uma vez que são responsáveis pelo desenvolvimento de técnicas de gestão dos recursos naturais, de conhecimentos sobre os ecossistemas e sobre as propriedades farmacêuticas, alimentícias e agrícolas de espécies; portanto, é relevante frisar que os conhecimentos e práticas das comunidades locais e indígenas são muitas vezes utilizados pelos cientistas como base para identificação de plantas com propriedades medicinais (Santilli, s.d.a.).

No documento Mestre em Gestão e Políticas Ambientais (páginas 113-115)