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12 2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS

2.7 Conceitos Chave

2.7.1 Biodiversidade

Ao considerar a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica como fulcral na esfera ambiental internacional implica que se debruce sobre o conceito de biodiversidade. O termo “diversidade biológica” foi apresentado a comunidade científica da área da biologia por Thomas Lovejoy, em 1980, quando escreveu este termo no prefácio do livro “Conservation biology: na evolutionary-ecological perspective” dos biólogos E. Soulé e Bruce A. Wilcox, no qual o termo “diversidade biológica também aparece”, antes disto o termo que se utilizava era “diversidade natural”. Contudo, o termo “biodiversidade” surge em 1985 com W. G. Rose, durante o Fórum sobre Diversidade Biológica, tendo tais termos sido extremamente difundidos pelo entomologista E. O. Wilson que usa no seu relatório apresentado no I Fórum Americano sobre diversidade biológica em 1986, organizado pelo Conselho Nacional de Investigação dos Estados Unidos da América (EUA).

Não há um consenso na definição de biodiversidade, existindo assim abordagens diferentes para o mesmo termo entre biólogos, geneticistas, botânicos e ecólogos, podendo o

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termo “biodiversidade” definir o grau de variedade na natureza, incluindo o número quanto a frequência de genes, espécies e ecossistemas em determinada região. Normalmente a biodiversidade é classificada em três níveis diferentes: I) diversidade genética; II) diversidade de espécie; e III) diversidade de ecossistemas (Borges et al., 2002).

Outro conceito de biodiversidade integra diferentes propriedades ou fenómenos (Velloso & Albuquerque, 2002, p.17):

 Número de tipos biológicos diferentes – denominado riqueza ou complexidade;

 Abundância relativa dos tipos biológicos – denominada equitabilidade ou heterogeneidade;

 Grau de diferença entre os tipos biológicos – denominado de distância taxonómica ou ecológica, beta diversidade ou complementaridade;

 Mistura única de tipos biológicos – denominada composição;

 Número de interações entre tipos biológicos, como por exemplo a teia ecológica. Na Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB) o termo “diversidade biológica” quando definida em termos de genes, espécie e ecossistemas é utilizado para descrever o número e a variedade dos organismos vivos.

O artigo 2.º da CDB (GRI, 2001) define o termo “Diversidade Biológica” como:

“A variabilidade entre os organismos vivos de todas as origens, incluindo, inter

alia, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e

os complexos ecológicos dos quais fazem parte; compreende a diversidade dentro de cada espécie, entre as espécies e dos ecossistemas”.

A diversidade biológica encontra-se distribuída de forma heterogénea na Terra, com zonas que possuem grande biodiversidade que recebem o título de hot spots, existindo 25, de

acordo com o 3º Relatório Pan-Europeu (EEA, 2003) e outras com alguma ou pouca

biodiversidade.

Assim, a construção de uma política para a biodiversidade implica uma complexidade de políticas e instrumentos que tentam assegurar a preservação, manutenção e partilha justa e equitativa da utilização dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais que advêm da biodiversidade.

2.7.2 Biopirataria

A segunda definição essencial a estes contextos prende-se com a biopirataria. Desde os primórdios, o ser humano sempre procurou explorar as novas terras e retirar o melhor de cada região para garantir a sua sobrevivência. Independentemente das suas raízes culturais a procura de metais preciosos, recursos genéticos e de recursos naturais da fauna e da flora presidiu sempre à necessidade humana de exploração de novos territórios. Além disso sempre

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procurou descobrir todos os conhecimentos tradicionais41 das comunidades locais e indígenas

sobre os benefícios advindos da fauna e flora.

A exploração dos recursos genéticos, associada ou não aos conhecimentos tradicionais das comunidades locais e indígenas, representa uma receita de milhares de euros por ano para as indústrias farmacêuticas, de cosméticos, químicas e agrícolas. Durante anos esta exploração não estava associada a nenhuma contrapartida obrigatória, monetária ou em género, destas indústrias para os países ou comunidades indígenas ou locais42 fornecedores

dos recursos genéticos. Contudo, os países foram apercebendo-se que esta exploração desmedida poderia colocar em risco a biodiversidade local e que o seu uso deveria ser regulado e valorado.

Assim, na década de 1980, os países, conscientes da necessidade de garantir a conservação da natureza, o seu uso sustentável e o acesso aos recursos genéticos e a partilha dos benefícios que advêm da sua utilização, iniciaram, em 1987 uma discussão sobre o tema. Este debate ocorreu no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA) e alguns anos mais tarde, durante a Cimeira da Terra, ou ECO 92, decidiram elaborar uma Convenção no âmbito das Nações Unidas que prosseguisse estes objetivos (Holm-Muller et al., 2005).

No decurso dos estudos para a elaboração desta Convenção foi-se tornando claro que os países desenvolvidos, na sua maioria detentores de indústrias que utilizam estes recursos, prosseguiam uma exploração desmedida e ilegal da fauna e da flora dos países ricos em biodiversidade, muitos deles com baixos níveis de desenvolvimento, aproveitando-se da falta de conhecimento do real valor económico da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais das comunidades locais e indígenas. Estes países utilizadores destes RG ficaram então conhecidos como os biopiratas.

O termo biopirataria foi criado em 1993 pela ONG Rural Advancement Foundation

Intenational (RAFI), atualmente denominada Action Group on Erosion, Technology and Concentration (ETC-Group). Esta ONG criou este termo com o objetivo de alertar a sociedade

para a privatização dos recursos genéticos (advindos da fauna e da flora), e para o valor dos conhecimentos tradicionais das comunidades locais e Indígenas, a quem não era atribuída qualquer mais-valia pela posse desses recursos genéticos.

A biopirataria é a atividade que envolve o acesso aos recursos genéticos de um determinado país ou aos conhecimentos tradicionais associados a tais recursos genéticos (podendo acontecer ambos ao mesmo tempo) sem respeitar os princípios base da CDB, ou

41 De acordo com a Convenção sobre Diversidade Biológica, o conhecimento tradicional refere-se ao

conhecimento, inovações e práticas das comunidades indígenas e locais de todo o mundo. O mesmo dever ser concebido a partir de experiências acumuladas ao longo dos séculos, e adaptadas a cultura e as necessidades locais, o conhecimento tradicional é transmitido por via oral, de geração para geração. Tende a ser uma propriedade coletiva e adquire de formas de contos, canções, folclore, refrãos, valores culturais, rituais, leis comunitárias, idioma local e práticas agrícolas, incluindo a evolução das espécies vegetais e raças animais. O conhecimento tradicional é basicamente de natureza prática, em especial nos campos da agricultura, pesca, saúde, horticultura e silvicultura (CDB, s.d.).

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As comunidades indígenas ou locais só fazem parte do processo de partilha de benefícios que advêm da utilização dos recursos genéticos quando há conhecimentos tradicionais associados a estes.

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seja, sem solicitar ao país fornecedor e às suas comunidades locais ou indígenas uma autorização prévia e a partilha de benefícios (Santilli, s.d.a.).

Para a AmazonLink, uma organização não-governamental a operar em preservação da

amazónia e na melhoria das condições de vida dos seus habitantes, a “biopirataria significa a

apropriação indevida de conhecimento e de recursos genéticos de comunidades de agricultores e de comunidades indígenas por indivíduos ou por instituições, nacionais ou internacionais, que procuram o controle exclusivo do monopólio sobre estes recursos e conhecimentos”43.

Já o Instituto Brasileiro de Direito e Comércio Internacional, da Tecnologia, da Informação, e Desenvolvimento (CIITED) aborda a biopirataria como sendo:

“o ato de aceder a ou transferir recurso genético (animal ou vegetal) e/ou conhecimento tradicional associado à biodiversidade, sem a expressa autorização do Estado de onde fora extraído o recurso ou da comunidade tradicional que desenvolveu e manteve determinado conhecimento ao longo dos tempos (prática esta que infringe as disposições vinculantes da CDB). A biopirataria envolve ainda a não partilha justa e equitativa – entre Estados,

corporações e comunidades tradicionais – dos recursos advindos da

exploração comercial ou não dos recursos e conhecimentos transferidos” (in Alves, 2006, p. 5).

Segundo Dario (2003), o termo biopirataria é utilizado para:

“Alertar para o fato de que recursos biológicos e conhecimentos indígenas estarem a ser roubados e patenteados por empresas multinacionais, e que as comunidades nativas, que durante séculos usam tais recursos e geraram os conhecimentos, não participam nos lucros. A biopirataria é um crime, é o sequestro das riquezas naturais de um povo, é uma prática ilegal realizada por predadores capitalistas e neocolonialistas, despojados de senso ético, ávidos por maiores lucros, impiedosos na redução drástica dos custos de produção, e

que movimenta dezenas de bilhões de dólares por ano”44.

Para o Delegado da Polícia Federal Jorge B. Pontes (então Chefe da Divisão de Repressão aos Crimes Ambientais da Polícia Federal do Brasil) (com. pes.) a biopirataria é praticada por:

“Aquele que, negando-se a cumprir formalidades e, desconhecendo e desrespeitando as fronteiras e a soberania das nações (as quais garantem o

acesso legal à biodiversidade e também uma repartição justa de benefícios –

conforme estabelecido na CDB de 1992), resolve agir por conta própria, invadindo santuários ecológicos em busca do novo ouro, quase sempre utilizando-se de uma fachada para encobrir seu real intento”45.

43 Definição retirada do site: www.amazonlink.org, consultado em 15 de agosto de 2005. 44

Definição retirada do site: www.pravda.ru, consultado em 18 de agosto de 2005.

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Definição de biopirataria cedida pelo Delegado Jorge B. Pontes em entrevista em seu gabinete na Polícia Federal em 2005.

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Há um outro termo que também é importante analisar neste domínio: a bioprospecção, ou seja, o uso dos recursos genéticos mediante autorização prévia.

A ETC-Group (1999) diz que:

“Em ausência de protocolos efetivos e procedimentos regulatórios, nem governos nacionais nem os tratados internacionais podem garantir a integridade de nenhum projeto de bioprospecção (...).Por essa razão cremos que sem estabelecimentos de mecanismos efetivos e em funcionamento, todos os acordos de bioprospecção ameaçam os direitos das comunidades tradicionais”46.

Sendo assim a ETC-Group considera que todos os acordos de bioprospecção são acordos de biopirataria.

O principal motivo para a prática da biopirataria é sem dúvida, o rendimento que esta proporciona aos indivíduos ou empresas utilizadores de RG. É a terceira atividade ilegal mais rentável do mundo (Dreyer, 2003; Arbex Jr, 2005; Corrêa & Hage, 2011), gerando anualmente cerca de US$ 60 mil milhões. Este superfacturamento decorre principalmente do facto de não existirem leis que regulamentem e proíbam de forma clara a biopirataria, mas também dos benefícios que estas indústrias adquirem ao registarem patentes em que um bem da fauna ou da flora, ou até mesmo um conhecimento tradicional acaba monopolizado por esta indústria. Os recursos genéticos e os conhecimentos tradicionais adquiriram particular importância para a indústria da biotecnologia, principalmente no fabrico de produtos farmacêuticos, químicos e agrícolas.

Um estudo realizado em 1999, revelou que os recursos genéticos aumentaram mais de 50% do total de vendas das 10 maiores companhias farmacêuticas do mundo (ETC-GROUP, 2004). Segundo Vandana Shiva (2001), dos 120 princípios ativos atualmente isolados de plantas, e largamente utilizados na medicina moderna, 75% têm utilidades que foram identificadas pelos sistemas tradicionais. Menos de doze são sintetizados por modificações químicas simples; o resto é extraído diretamente de plantas e depois purificado.

Os Estados Unidos revelaram que 61% das 877 novas entidades químicas de moléculas introduzidas no mercado farmacêutico durante o período de 1981 a 2002, são derivados de produtos naturais, sendo os outros 39% remédios com ativos já existentes (ETC- GROUP, 2004).

“Os recursos genéticos assumem uma importância cada vez maior para um número crescente de setores económicos. Na maior parte dos casos, os utilizadores dos RG estão localizados nos países desenvolvidos, enquanto os fornecedores desses recursos se encontram muitas vezes nos países em desenvolvimento” (EC, 2003, p. 4).

Segundo o consultor do Instituto Canadiano de Biotecnologia, Gonzalo Enríquez (in Baglione, 2002), num estudo sobre a Amazónia, averiguou-se que variedades oleaginosas

46 Definição retirada do artigo publicado pela ETC Group em seu site, cujo título é: Reflecciones sobre la

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silvestres, como a copaíba, o babaçu e a andiroba, não existem noutras partes do mundo. Estão catalogados, mais de 600 variedades que permitem produzir pelo menos 300 tipos de óleo. Estes óleos, no mercado mundial de medicamentos, rendem cerca de 320 mil milhões de dólares americanos (Baglione, 2002).

Cientistas constatam que 40% dos remédios são oriundos direta ou indiretamente da fauna e flora, há uma previsão de que pelo menos 25 mil espécies de plantas sejam usadas para a produção de medicamentos (Baglione, 2002).

As estimativas sobre royalties baseadas em produtos originados por recursos genéticos ou conhecimentos tradicionais são de 5,4 mil milhões de dólares americanos por ano (Dalevi, 1997).

Em caso de comercialização do produto final oriundo de recursos genéticos biopirateados, segundo Ten Kate (Ten Kate & Laird, 2000), estima-se uma perda de 0,5 a 2% (sobre a quantia vendida) para recursos genéticos; em 1 a 4% (sobre a quantia vendida) quando são fornecidos dados com valor acrescentado; em 2 a 15% (sobre a quantia vendida) quando são fornecidas informações importantes para o desenvolvimento da Medicina, incluindo dados de experiências com animais.

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No documento Mestre em Gestão e Políticas Ambientais (páginas 93-99)