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Modelos de ABS Utilizados no Mundo / no Brasil

No documento Mestre em Gestão e Políticas Ambientais (páginas 142-144)

ACESSO AOS RECURSOS GENÉTICOS E PARTILHA DOS BENEFÍCIOS QUE ADVÊM DA SUA UTILIZAÇÃO

5.3 Modelos de ABS Utilizados no Mundo / no Brasil

Apesar de só em 2010 ter sido adotado o Protocolo de Nagoia sobre ABS, há alguns países que possuem já alguma legislação ou acordos sobre ABS, anterior a esta adoção, por exemplo a Costa Rica possui um acordo de bioprospecção que data de 1991, ano que ainda nem a própria CDB havia sido criada, bem como o Peru que possui contratos de ABS que datam de 1993. Ao analisar a legislação existente em alguns países verifica-se que ela varia de acordo com a realidade e a cultura local, como exemplo pode-se citar os projetos de universidades e de empresas farmacêuticas transnacionais que vêm sendo realizados nos países da África Central e do Norte, tendo apoio de Universidades norte-americanas (Platiau & Varella, 1999).

i) Comunidade Andina ou Pacto Andino

A Comunidade Andina, formada por Bolívia, Equador, Perú e Colômbia63, a partir da

Decisão 39164, de 1996, passou a regular de forma genérica o ABS em todo o território de cada

um dos Estados da Comunidade Andina, e determinar que os RG são bens ou património da Nação ou do Estado de cada país membro, desta maneira são os Estados que legitimam a autorização de acesso aos Recursos Genéticos; portanto nem o proprietário de recursos biológicos que contêm RG, nem o proprietário da propriedade onde os RG se encontram estão legitimados para autorizar ou negar o acesso a um determinado RG (Díaz & Gari, 2004). Para além disso, a Decisão reconhece os direitos das comunidades locais, indígenas e afro- americanas para a tomada de decisões sobre os seus conhecimentos tradicionais; a importância da cooperação regional entre os países andinos; e o princípio da precaução.

Apesar de ser o primeiro regulamento regional de ABS, segundo Muller (2000) esta regulação espelha uma orientação extremamente controladora do Estado, pois estipula que este seja sempre uma das partes dos contratos de ABS, dando pouca flexibilidade para ocorrência de especificidades relacionadas como os objetos e objetivos das investigações, bem como as questões institucionais de cada país, pois possui um nível muito elevado de detalhe. Para além disso, o regulamento tem sido muito criticado por aumentar consideravelmente os custos de transação para a realização de investigações de ABS, sendo assim considerado mais um entrave ao processo, do que um regulamento facilitador de ABS (Muller, 2000).

63 É de referir que a Colômbia, Equador e Perú fazem parte dos países megadiversos. Estes países

reunidos possuem cerca de 60 a 70% de toda a biodiversidade existente no planeta.

64 A vontade em se elaborar uma Decisão que tratasse do ABS na Comunidade Andina surgiu da Decisão

345, de 1993, que estabelece um regime comum dos direitos do obtentor vegetal e na qual aparece pela primeira vez expresso a vontade em se estabelecer um regime comum de ABS para a Comunidade Andina.

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A Decisão 391 estabelece aos RG e seus produtos derivados um regime de propriedade específico e independente do regime de propriedade aplicável aos recursos biológicos que os contêm, a terra na qual se encontram ou o componente associado intangível. A Decisão, no seu artigo 3º, estipula que a mesma se aplica aos RG que são originários de um dos países da Comunidade Andina, aos seus produtos derivados, aos seus componentes intangíveis e aos recursos de espécies migratórias que por causas naturais se encontram no território de um dos países membros.

Segundo Juliana Santilli (2005) uma das funções desta Decisão é fortificar as bases para que ocorra o reconhecimento e a valorização dos componentes intangíveis associados aos recursos genéticos. Considera ainda ser necessário um reconhecimento da contribuição histórica das comunidades indígenas, afro-americanas e locais para a conservação da diversidade biológica e para a utilização sustentável de seus componentes.

Na Decisão ficam excluídos os recursos genéticos humanos e seus derivados e a troca de produtos biológicos que os contêm, bem como o intercâmbio dos componentes intangíveis associados a estes, realizados pelas comunidades tradicionais dos países membros da Comunidade Andina. Para além disso, em seu artigo 24º, estabelece que fica proibido o acesso aos RG para fins militares ou práticas nocivas para o ambiente ou saúde humana.

A Decisão 391 cria um Comité Andino que tem como objetivo adotar mecanismos que estabeleçam uma plataforma andina de intercâmbio de informação sobre ABS. O Comité é formado pelos diretores das autoridades competentes nacionais (Muller, 2000; Azevedo, s.d.). A Decisão 391 não regulamenta um sistema de PIC, mas reconhece no seu artigo 7º os direitos das comunidades locais e indígenas sobre os seus conhecimentos tradicionais associados aos RG e seus produtos derivados. Entretanto, a nível nacional, cada país da comunidade andina poderá ter mais ou menos flexibilidade no seu quadro institucional de acesso, decisão esta tomada devido a: a) fortes protestos sociais, b) ambiguidades existentes na Decisão; c) diferenças e limitações legais e institucionais (Garforth et al., 2005).

Conforme pode ser verificado nas disposições complementares da Decisão 391, a aplicação do direito de propriedade intelectual poderia servir de mecanismo de rastreamento, ou seja, os escritórios nacionais de cada Estado da Comunidade Andina deveriam solicitar aos utilizadores, aquando do pedido de patente, a apresentação do contrato de acesso, quando o produto/processo criado tiver sido desenvolvido a partir de um RG ou produto dele derivado. Estabelece ainda que os direitos de propriedade intelectual que já foram concedidos serão anulados quando o acesso não tiver sido realizado de acordo com os trâmites pré- estabelecidos na referida Decisão.

Em julho de 2002, a Comunidade Andina adotou uma Estratégia Regional de Biodiversidade através da Decisão 523, na qual clarifica todas as dificuldades jurídicas e institucionais encontradas pelos países da Comunidade Andina ao aplicar a Decisão 391. Assim consideram o tema prioritário, estratégico e de grande interesse e por este motivo fica como ponto assente a necessidade de ser desenvolvida uma estratégia comum para o tema “acesso a RG”.

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A Decisão 523 ainda aborda a questão da partilha de benefícios, neste ponto todos os países andinos concordam que a partilha dos benefícios que advêm da utilização da biodiversidade é fundamental para parar o processo de perda de biodiversidade e para assegurar o reconhecimento do papel das sociedades na efetiva conservação da diversidade biológica.

Os países andinos criticam a CDB por não incluir uma definição do que vem a ser uma partilha justa e equitativa; por haver dificuldades nos mecanismos e ferramentas até então desenvolvidos, antes do Protocolo de Nagoia, para cumprir os objetivos da partilha de benefícios.

A Comunidade Andina queixa-se de que apesar do “avanço” que a Decisão 391 trouxe

para a região relativamente ao ABS, no que diz respeito aos contratos firmados há muitas dúvidas, devido à ausência de uma obrigação legal que assegure o cumprimento dos contratos pelos países que requerem o acesso e posteriormente o uso comercial. Neste sentido os países andinos, entre outras coisas, concordaram que: i) é necessário compreender melhor os conceitos, âmbito, princípios, parâmetros e critérios para a distribuição dos benefícios e; ii) os problemas existentes no âmbito da partilha de benefícios não são apenas um problema de negociação internacional, mas também resultam da falta de políticas e estratégias nacionais, que devem ser elaboradas de acordo com a realidade socioeconómica de cada país.

A restrita flexibilidade deste regulamento, as incertezas legais que ainda existem e as limitações institucionais geradas pela Decisão 391, fizeram com que houvesse pouca implementação e aplicação por parte dos países da comunidade andina, apesar deste regulamento já ter mais de 15 anos.

Para finalizar, a Tabela 5.1 apresenta os elementos de ABS regulamentados pela Comunidade Andina.

Tabela 5.1 - Elementos de ABS regulamentados pela Comunidade Andina.

ELEMENTOS

No documento Mestre em Gestão e Políticas Ambientais (páginas 142-144)