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81 2.3.3 As sexualidades e seus reflexos corporais nas várias fases da vida humana: algumas

3 A NOMENCLATURA JURÍDICA A RESPEITO DAS SEXUALIDADES HUMANAS NA ATUALIDADE

3.3 O CONCEITO DE TRANSEXUALIDADE E SUA RELAÇÃO COM O DIREITO

3.4.2 O auditório da transexualidade

O conceito de auditório é um tanto fluido na teorização de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca (2005, passim), no Tratado da argumentação: a nova retórica. Logo no início do livro, eles abordam que o convencimento do auditório funciona como o objetivo primordial do desenvolvimento argumentativo (p. 06). O conceito de auditório está aduzido no ―conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação‖ (p. 22).285

Dessa forma, auditório é o conjunto de pessoas a quem o ato comunicativo se objetiva, no desejo de convencimento.

Por claro, somente haverá a necessidade de convencimento do auditório nas zonas cinzas dos entendimentos. Dessa forma, não há porque tentar convencer, através da retórica, um auditório a respeito da possibilidade de queima da pele humana por conta dos raios solares, ao meio dia, em uma região equatorial. A clareza da vivência da afirmação finda todas as questões. A verdade286 é

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Apesar de concordar com Bernardo Montalvão (2011, p. 199), no livro O ato de descisão judicial, quando afirma: ―[...] a suspeita de que o ato de decisão judicial, em verdade, é um ato irracional.‖ Isto porque, inclui, no ato decisório uma concepção de valores intrínsecos a todo ser humano vivente em sociedade, como indica o mesmo autor na mesma obra (p. 200): ―O valor está sempre sujeito às ingerências da ideologia e é por meio dele que a ideologia encontrará uma de suas formas de acesso à produção da norma concreta que decorre do ato de decisão judicial.‖

285 Há concordância do quanto aduzido no presente texto por Ricardo Andrade (2009, p. 21), no texto Verdade e retórica em Chaïm Perelman, e Marlon Tomazette (2011, p. 156), no texto A teoria da argumentação jurídica e a justificação das decisões contra legem.

286 Filosoficamente, a palavra verdade, em português, segundo Marilena Chauí (2005, p. 95-97), na obra Convite à filosofia, possui três matrizes linguísticas: grego – alétheia - , latim – veritas - e hebraico – emunah. Na matriz grega, a palavra verdade tem um conteúdo de não esquecido, não-escondido, não-dissimulado. Dessa forma, a verdade seria aquilo que se manifesta aos ―olhos do corpo e do espírito‖ (CHAUÍ, 2005, p. 95), no mesmo livro. O antônimo de verdade da alétheia é o escondido, o oculto – pseudos. Alétheia tem base cognitiva no passado. A verdade veritas tem uma conceituação mais fechada de precisão, rigor, exatidão. Conforme Marilena Chauí (2005, p. 96), nos mesmos escritos, a verdade veritas tem como antônimo o irreal, a falsidade. Finca seu sentido temporal no presente. Por fim, a verdade emunah tem senso de confiança. Dessa forma, circunscreve-se à transcendentalidade com uma eficiência patente. O inverso seria a infidelidade, a desconfiança. Há temporalização no futuro. Mônica Aguiar

vista de maneira límpida, extreme de dúvidas.

No entanto, em muitos aspectos, o conhecimento humano é falível, frágil, delicado. Ainda sem estruturação cabível, os seres humanos, em muitos assuntos, são indefinidos e vivem as mazelas dos consensos criados, comprados, formatados em laboratório. Dessarte, cabível a teorização perelmeniana das melhores argumentações vingarem no ensejo de construir o consenso histórico em derredor da matéria.287

Por outro lado, os indivíduos mudaram muito no século XXI indicando uma certeza da inutilidade de alicerçar bases rígidas demais em determinados assuntos. O corpo é mudado naturalmente - através das mutações genéticas capazes de interferir a melhor e a pior nas vidas das pessoas - e artificialmente - conforme se pode perceber com as tatuagens, body-arts e operações plásticas atuais. O corpo da contemporaneidade é completamente diverso dos corpos encontrados até o século XIX - facilmente controláveis e normatizáveis.

Na atualidade, as modificações são mais profundas e estruturantes. Os reflexos das mudanças corporais respingam em inúmeras áreas, como bioética, estética, ética e sexualidades. As mulheres barbadas288 de tempos passados não poderiam esconder os seios nem tampouco a menstruação - por conta disso apresentavam-se em circos. Na vida atual, com as mudanças corporais vulgarizadas, há mistura - de improvável e difícil definição - dos corpos ditos femininos e ditos masculinos.

No caso das sexualidades, por serem tabus289 milenares, a fala é sempre tergiversada, silenciosa, feita quase nas orelhas, à escondida - o discurso é manipulado, através da oratória de convencimento através de argumentos de autoridade. A temática das sexualidades, ainda no início do século XXI, é um artigo de luxo das conversas cotidianas. Portanto, a educação sexual finda por carregar preconceitos e disposições antigas a respeito do assunto.

A verdade científica, no ponto ventilado, não é um consenso firme, em cor altaneira.290 Na

(2005, p. 69), no livro Direito à filiação e bioética, expressa a convicção da verdade, em Direito, ser um valor jurídico da seguinte maneira: ―[...] a verdade é um valor jurídico e bem de direito, como objeto incorpóreo de natureza moral.‖

287 Nesses momentos, o discurso finca suas raízes altaneiramente.

288 Conforme indica Vítor Ferreira (2008, p. 71), no texto Os ofícios de marcar o corpo, assim expressa: ―Na segunda

metade do século XIX, sujeitos extensivamente tatuados marcavam presença regular em freak shows de circos e feiras itinerantes, ao lado de anões, gigantes, gémeos siameses, mulheres barbadas e outras bizarrias corporais e curiosidades animais.‖ (Grifos nossos) Gabrielle Houbre (2007, p. 23), no artigo Graciosa ou viril?, mostra a socialização subalterna do circo na sociedade parisiense do século XIX: ―Não é anódino que essa primeira

demonstração pública na história das amazonas do século XIX tivesse acontecido neste local periférico como o do

circo: os artistas que lá se apresentam são socialmente marginalizados e quando são cavaleiros ou cavaleiras, a sua

prática eqüestre encontra-se também marginalizada em relação às normas acadêmicas.‖ (Grifos nossos)

289 Michel Foucault (2006, p. 10), no livro A ordem do discurso, assim assevera: ―Notaria apenas que, em nossos dias,

as regiões onde a grade é mais cerrada, onde os buracos negros se multiplicam, são as regiões da sexualidade e as da política.‖ (Grifo nosso)

seara sexual a cultura tem influência imensa, mesmo havendo uma relação estreita com o corpo humano - ciência biologizante, pois. As mudanças nevrálgicas ocorridas em tão pouco tempo marcam a morte das certezas na área biológica-sexual como inevitável.

Dessarte, fazer certeza da verdade a ser alcançada, quanto às sexualidades, requer empenho. O senso comum carrega em matizes de cores fortes quereres nem sempre acordados como verdadeiros. A sexualidade, como um produto do qual se aproveitam os capitalistas, é higienizada para a venda. Assim, o auditório dos assuntos sexuais, no caso do Brasil, é uma população pouco conhecedora do assunto, sem informação suficiente e assumidamente preconceituosa291 a respeito - mesmo em se tratando de criadores diretos do Direito, formalmente educados e instruídos.

Por razão dos preconceitos, os magistrados continuam repetindo cantilenas antiquadas nas quais não efetuaram pesquisa suficiente e reflexão de intencional busca da verdade, citando a respeito das decisões contrárias à mudança de sexo nos tribunais brasileiro, Miriam Ventura (2010, p. 124), no livro A transexualidade no tribunal, indica que: ―[...] mas expressam, claramente, uma forte defesa da preservação da moralidade sexual dominante – heterossexual – no matrimônio e na filiação.‖ (Grifos nossos)

Por conta disso, está certa Maria Margarete Lopes (2006, p. 37), no texto Sobre convenções em torno de argumentos de autoridade, quando afirma: ―As ciências naturais assumiram uma autoridade inigualável nas culturas ocidentais nos últimos séculos.‖ Assim, o argumento de autoridade ganha corpo e faz peso nas possíveis ponderações judicantes. Os Juízes acreditam no que a ciência médica reverbera, mesmo não sendo o visto e sentido no cotidiano da vida-vivida por indivíduos vários ao redor do Globo.

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