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81 2.3.3 As sexualidades e seus reflexos corporais nas várias fases da vida humana: algumas

2.1 O CONCEITO DE SEXUALIDADES HUMANAS E SUA RELAÇÃO COM A SISTEMÁTICA JURÍDICA

2.2.3 A sexualidade no medievo

O pecado original gerava o mote de influência da Igreja Católica na formação da sexualidade que misturava aspectos morais no tratamento da sexualidade humana no medievo europeu. A mulher continuava sem voz e sendo morta quando se rebelava. O período é marcado pela caça as bruxas. O sexo e o pecado45 tinham relação nevrálgica e o corpo deveria ser domesticado pelo ascetismo46 cristão. Dessa forma, o doente do corpo47 tinha origem no pecado da alma.

A primeira fase da Inquisição medieval é a busca punitiva das bruxas48 e hereges. A Igreja Católica dominava as relações e tinha o poder, através dos concílios, de indicar quais eram as vontades divinais. Ainda não havia, no século XIII, a formação dos Estados nacionais.49 Os Reis

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Neste sentido, Sônia Santos, Jailson Rodrigues e Wendell Carneiro (2009, p. 63), no artigo Doenças sexualmente transmissíveis, assim afirmam: ―As DST surgiram desde a Antiguidade, em civilizações antigas como a egípcia e a mesopotâmica, onde reinava a promiscuidade, um dos determinantes do surgimento delas. É daí que descende o termo ‗doenças venéreas‘, pois sacerdotisas dos templos de Vênus exerciam a prostituição como culto à Deusa.‖

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Versando a respeito do período medieval Bruno Borgongino (2012, p. 173), no texto O corpo, indica o seguinte: ―A despeito dos objetivos distintos de cada um dos trabalhos, em todos estiveram presentes os temas da associação entre sexo e pecado e do combate do cristão contra os desejos da carne.‖

46 Conforme, Juliana Bomfim (2012, p. 389), no texto A cura do corpo nos milagres de santo domingo de silos, a relação

do corpo com a transcendentalidade, no período medieval era a seguinte: ―Segundo autores como Pilar Jimenez, Jean- Claude Schmitt e José Carlos Rodrigues, para o homem medieval o corpo e a alma e/ou o espírito estavam interligados, e por muitas vezes, indissociáveis. Portanto, para curar uma doença, era preciso buscar no médico das almas, seja ele o padre, o monge ou bispo, para interceder e buscar a purificação do corpo através da confissão, penitência, jejuns, peregrinação, etc.‖ Bruno Borgongino (2012, p. 176), no texto O corpo, explicita quais são as relações de imbricação entre o período medieval e a sexualidade humana, da seguinte maneira: ―Por outro lado, no medievo o corpo era considerado material e mortal, em contraposição com a alma, imaterial e imortal. Essas duas esferas humanas

mantinham entre si uma relação de complementaridade tal que eram indissociáveis. O corpo era o lugar das tentações e o instrumento pelo qual a alma pecaria, podendo condená-la; por outro lado, poderia assegurar para a alma a salvação por meio da ascese.‖

47 Segundo, Juliana Bomfim (2012, p. 394), no texto A cura do corpo nos milagres de santo domingo de silos: ―As

doenças seriam consequências dos pecados ou da ação demoníaca, ou seja, mais do que a cura do corpo, o homem medieval estava preocupado com a salvação de sua alma.‖

48 Assim afirma Samanta Vargas (2010, 162-163), no texto Inquisição na Espanha. Mircea Eliade (1992, p. 71), no

escrito denominado O sagrado e o profano, indica: ―É por isso que, entre os escandinavos, se acredita que uma feiticeira pode ser salva da danação eterna se for enterrada viva e, sobre ela, semearem-se cereais, ceifando-lhe a colheita assim obtida.‖

ainda não tinham o poder absoluto, o poder político estava dividido em feudos. A Igreja Católica era, nesta época, muito poderosa e podia misturar livremente os dogmas eclesiásticos com normas jurídicas e comandos sociais cotidianos.

As mulheres50 sofreram na primeira fase da Inquisição pois muitas sabiam manipular ervas e curar algumas doenças pouco conhecidas pela medicina à época - curandeiras, parteiras, xamãs. Por isso, as mulheres foram vilipendiadas sob os auspícios da fé religiosa de cura da alma através do sofrimento do corpo quando as normas a respeito da higidez corpórea passaram a ser exclusivas dos homens.

O período, assim, é marcado por uma instituição que adentrava a sexualidade das pessoas e indicava o que estava certo e errado, com espeque em uma suposta vontade divina, sob o pálio de normas jurídicas coercitivas. Os homens escreviam e ditavam os comportamentos a serem seguidos por toda a sociedade.51 Celibato e regras sexuais fixavam as mulheres em um locus52 próprio e bem delimitado do qual não se podia fugir com facilidade.

O medievo é marcado pela concepção que as mulheres deveriam ser prendadas, recatadas e apagadas sexualmente. Por outro lado, os homens deveriam seguir a própria natureza e agir conforme a vontade divina. Neste sentido, segundo Juliane Souza (2013, p. 31), na Dissertação de Mestrado intitulada A sexualidade e o controle do corpo no scivias e no causae etcurae de Hildegarda de Bingen (Século XII), no período medieval: ―Fazia-se sexo em alguém e não com alguém. Além disto, era sempre a mulher o objeto sexual. Ela era o ser a ser penetrado.‖ (Grifos nossos)

na Europa nos anos de 1850 a 1870. Dessa forma, muitas décadas após o período citado no presente texto.

50 Levando-se em consideração o quanto dito por Ana Raquel Portugal (p. 07), no texto Feitiçaria, bruxaria e pacto demoníaco: ―Sabe-se que na Europa as mulheres foram particularmente perseguidas pela Inquisição sob acusação de bruxaria.‖ A autora Samanta Vargas (2010, 164), no texto Inquisição na Espanha, expressa que: ―A feitiçaria começou a ser cruelmente perseguida pela Inquisição, num período bem definido, entre o século XIV e XVI. Foi através da caça às bruxas que a Igreja cometeu as maiores atrocidades contra as mulheres daquele período.‖ O sentido se mantém o mesmo nos escritos de Rose Muraro (1998, p. 13), no texto Breve introdução histórica, quando afirma: ―E é logo depois dessa época, no período que vai do fim do século XIV até meados do século XVIII que aconteceu o fenômeno generalizado em toda a Europa: a repressão sistemática do feminino. Estamos nos referindo aos quatro séculos de ‗caça às bruxas‘.‖ Logo depois, Rose Muraro (1998, p. 14), no mesmo texto citado na presente nota de rodapé, afirma um dos porquês da perseguição sistemática: ―Desde a mais remota antiguidade, as mulheres eram as curadoras populares, as parteiras, enfim, detinham o saber próprio, que lhes era transmitido de geração em geração.‖

51 Renato Silveira (2008, p. 85), no livro Crimes sexuais, narra o seguinte a respeito do período: ―O homem rapidamente

assumiu seu papel de poder, detendo o monopólio do saber e da escrita, da guerra e da liturgia clerical, das primeiras universidades e das estruturas de poder, separando-se da mulher e reservando a ela um papel de menor importância.‖

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Conforme André Silva e Márcia Medeiros (2013, p. 03), no texto Sexualidade e a história da mulher na idade média, falando a respeito dos papéis sociais das mulheres na Idade Média, afirma o seguinte: ―A sociedade medieval sofreu uma forte imposição por parte da Igreja, no sentido de construir uma forma de pensamento que fosse capaz de manipular a sociedade, construindo uma moral que define os papéis sociais de gênero, surgindo então, uma imagem das mulheres no discurso religioso, onde Eva é a pecadora, culpada de todo o mal que ocorreu com a humanidade; Virgem Maria, a santa, assexuada, um exemplo a ser seguido e Madalena, a pecadora arrependida.‖

As casas, nesta época, ainda estavam vinculadas ao agrário.53 As cidades ainda não estavam plenas de pessoas humanas com características urbanizadas o que gerava uma zona de transição ao modo de morar na zona urbana e na zona rural. Importante indicar que as casas não tinham a divisão interna54 encontrada na atualidade. Dessa forma, não havia quartos isolados para as atividades sexuais das pessoas, sendo um quarto apenas para todos os que residiam na casa. A noção do âmbito privado, assim, ainda não estava bem construída.

O matrimônio55 passou a ser uma instituição pública na Idade Média, pois regulamentada pela Igreja e referendada pelo clero. A privacidade das pessoas era invadida no intento regulador e organizador sob os auspícios da Igreja. Assim sendo, somente através do casamento se podia vivenciar – com liberdade relativa - a própria sexualidade. A Igreja exercia um poder legitimado sobre a vida conjugal das pessoas.56

A privacidade das pessoas era invadida pela instituição de controle mais organizada no medievo ocidental, qual seja, a Igreja Católica, através da confissão57 ao clero de todas as intimidades e segredos, para poder exercer de maneira altaneira um controle mais efetivo perante a população. A sexualidade era exposta e procurada pelos doutores da Igreja no corpo - na carne - como reflexo do quanto vivido no espírito.

53 Aprofundando o quanto dito, Ana Rosado (2013, p. 10), na Dissertação de mestrado intitulada A habitação característica do Antigo Regime na encosta de Santana, afirma: ―A habitação plurifamiliar, solução marcadamente urbana, conheceria a sua expansão no séc. XIV acompanhando o grande crescimento das cidades. A Idade Média foi época de consolidação de núcleos urbanos, embora ainda marcados por um carácter semi-rural devido ao

prolongamento de hábitos rurais, como cultivo ou criação de gado, no interior dos limites da cidade.‖

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Neste sentido, Ana Rosado (2013, p. 10), na Dissertação de mestrado intitulada A habitação característica do Antigo Regime na encosta de Santana, afirma: ―A divisão interior seria feita ‗transversalmente em dois ou três

compartimentos base, chamados casa dianteira, câmara ou casa do meio e cozinha. […] a compartimentação obedecia a três grandes princípios: o da recepção e convívio, o do repouso e funções sexuais e o da confecção alimentar.‖ (Grifos nossos)

55 Afirmando o quanto dito, Bruna Dantas (2000, p. 703-704), no texto Sexualidade, cristianismo e poder, aduz o

seguinte: ―Até o século IX, o matrimônio era uma instituição laica e privada. [...] O matrimônio passou a ser uma instituição pública e religiosa.‖ (Grifos nossos)

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Nessa vertente, Ronaldo Lins (2006, p. 134), na obra A indiferença pós-moderna, assume: ―A verdade segundo a qual amar diz respeito à intimidade de cada um, à sua privacidade, ninguém podendo interferir ou determinar sua direção, data de pouco tempo. Um exame da História demonstra a complexidade de interesses que, fossem reis, nobres ou plebeus, ligavam-se ao relacionamento homem/mulher.‖

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Para Anibal Guimarães (2011, p. 33), com base nos escritos de Michel Foucault, no texto Sexualidade

heterodiscordante no mundo antigo, a partir do século XIII a confissão foi aplicada pelo aparato oficial do Estado: ―Esse dispositivo, utilizado pela Igreja a partir de então, intensificava, de maneira incontestável – porque sujeita ao escrutínio divino - , o controle não apenas sobre os atos e omissões, mas, pior ainda, sobre os pensamentos de todo ser humano.‖ Assim, Bruna Dantas (2000, p. 708), no artigo Sexualidade, cristianismo e poder, elucida que:

“Desenvolveu-se, portanto, no século XV a prática da confissão, que visava extrair dos cristãos as informações mais

íntimas.” Gabrielle Houbre (2009, p. 27), no texto Um sexo impensável: A identificação dos hermafroditas na França do século XIX, assim indica: “Esta cristalização nos remete à análise de Michel Foucault, segundo a qual a confissão feita pelo indivíduo sobre sua sexualidade, com o auxílio de especialistas, é um dos componentes essenciais das tecnologias desenvolvidas para controlar e disciplinar os corpos, os indivíduos e a própria sociedade.” Segundo Carlos Byington (1998, p. 28), no texto O martelo das feiticeiras – malleus maleficarum à luz de uma teoria simbólica da história: ―O exame de consciência se tornou, assim, a prática central do Cristianismo. Seu auxílio e orientação por fiéis mais experimentados instituíram a prática da confissão.‖ Aspectos do instituto eclesiástico e social relacionados à confissão serão abordados em seção procedente.

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