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OUTRAS FUNÇÕES DAS CATEGORIZAÇÕES AO REDOR DAS SEXUALIDADES HUMANAS

81 2.3.3 As sexualidades e seus reflexos corporais nas várias fases da vida humana: algumas

3 A NOMENCLATURA JURÍDICA A RESPEITO DAS SEXUALIDADES HUMANAS NA ATUALIDADE

3.2 OUTRAS FUNÇÕES DAS CATEGORIZAÇÕES AO REDOR DAS SEXUALIDADES HUMANAS

As categorias a respeito das sexualidades são utilizadas pelos movimentos de solidificação dos direitos humanos no afã protetivo. Assim, pessoas tidas como homossexuais, por exemplo, são açambarcadas sob o mesmo guarda-chuva categorial no azo de criar normas protetivas, como a questão da criminalização da homofobia,232 fim dos crimes cuja origem baseia-se na suposição de

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Importante indicar, sem alongar a questão das características da transexualidade, adiante esposadas, o transexual como uma pessoa humana de identidade fixa, perene, constante, definida. Dessa forma, não se vislumbra uma identidade de gênero transexual. A pessoa é transgênera – transgressora dos ditos dois sexos biológicos por razão da formação do gênero não correspondente com o determinado pela sociedade. O transexual identifica-se, in totum, com o homem ou com a mulher, por isso é chamado de transexual. Assim, não seria correto indicar a identidade de gênero do transexual como similar à identidade travesti. A travestilidade, pela própria conceituação, é oscilatória entre os sexos e gêneros. Havendo, assim, uma identidade travesti. No filme Fabricação própria: a desordem de gênero (2007), Guta Silveira diz que é uma mulher heterossexual. Ou seja, a identidade é de mulher e o desejo dela é pelo sexo biológico oposto ao construído por ela ao longo da vida e do viver. Não há, no entanto, correspondência fixa entre a identidade de gênero e a orientação sexual. Dessa maneira, uma pessoa FTM pode se atrair por homens. Assim como, uma pessoa MTF pode desejar mulheres. Havendo, nestes casos, uma caracterização da chamada homossexualidade.

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Caso haja o reconhecimento dos direitos a respeito das sexualidades como direitos humanos, fundamentais e de personalidade haverá, por correspondência, um mandado implícito de criminalização no sentido protetivo dos valores

uma possível homossexualidade e proteção ao casamento entre pessoas tidas como do mesmo sexo biológico ao redor do mundo, mesmo havendo peculiaridades conceituais bem fincadas nas diferenças, como o conceito de homossexualidade em África e em grandes cidades cosmopolitas do mundo europeu.

No entanto, algumas categorias sexuais também são criadas e utilizadas pelo sistema capitalista233 para vender produtos e haurir lucros. Um exemplo de categoria criada há pouco é o conceito de metrossexual criado pelo Jornalista Mark Simpson, em 1994.234 A definição de metrossexual, pode ser verificada no texto de Mark Simpson (2002), intitulado Conheça o metrossexual (Tradução nossa), em inglês Meet the metrosexual, assim definidor do que vem a ser o exemplo de pessoa metrossexual: ―O metrossexual típico é um jovem homem com dinheiro para gastar, vivendo dentro ou a pouca distância de uma metrópole - porque é onde estão todas as melhores lojas, clubes, academias de ginástica e cabeleireiros.‖ (Tradução nossa)235

Dessa forma, o termo representa um estilo de vida que é alçado a uma identidade. O pano de fundo da identidade não está em ser de tal ou qual forma. Mas, sim, em ter algum produto ou fazer alguma atividade estética, como ginástica, tratar dos cabelos, unhas e da pele do rosto para parecer antenado com os tempos atuais. Por isso, Mark Simpson (1994), no texto Aqui vem o homem espelho: por que o futuro é metrossexual (Tradução nossa), em inglês Here Come the Mirror Men: Why The Future is Metrosexual, primeira vez que o termo foi utilizado, indica o conceito como circunscrito ao consumo de produtos industrializados de luxo: ―Homem metrossexual, o jovem solteiro com um rendimento elevado, vivendo ou trabalhando na cidade (porque é onde todas as melhores lojas estão), é talvez o mercado consumidor mais promissor da década.‖ (Grifos nossos e tradução nossa)236

circunscritos aos direitos citados. Dessa forma, faz mister um grau de proteção eficiente dos direitos basilares dos seres humanos, entre estes os direitos a respeito das sexualidades. Cf. aprofundamento da questão no livro de Luiz Carlos Golçalves (2007, passim) intitulado Mandados expressos de criminalização e a proteção de direitos fundamentais na constituição brasileira de 1988.

233 Edvaldo Couto (2009, p. 53), no texto Corpos mutantes, assim versa: ―A exploração comercial do corpo é um novo

modo de inserção no contexto da economia globalizada.‖

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Segundo Edyr Oliveira Júnior (2012, p. 03), no texto Corpo fabricado: o metrossexual em questão, o conceito ganhou expressão midiática em 2002, pelo jornalista Mark Simpson, no texto Conheça o metrossexual (Tradução nossa), em inglês Meet the metrosexual. Conforme Lucas Mendes (2004), no texto O metrossexual de cada dia, divulgado no site da BBC Brasil.com, a palavra já teria sido utilizada, por Mark Simpson, em um texto, publicado no jornal The independent, no ano de 1994. A revista Veja, em entrevista ao criador do termo, intitulada Eu me amo, eu me amo..., no ano de 2004, indica a criação da palavra em 1994 e resgatada em 2002. O próprio Mark Simpson (2014), no texto O metrossexual está morto. Vida longa ao “spornosexual”, em língua inglesa The metrosexual is dead. Long live the “spornosexual”, publicado no jornal The Telegraph, afirma que o termo teria vinte anos, completados em 2014.

235 No original está grafado da seguinte maneira: ―The typical metrosexual is a young man with money to spend, living

in or within easy reach of a metropolis — because that‘s where all the best shops, clubs, gyms and hairdressers are.‖

236 Em inglês está assim escrito: ―Metrosexual man, the single young man with a high disposable income, living or

working in the city (because that‘s where all the best shops are), is perhaps the most promising consumer market of the decade.‖

Nesse sentido, Edyr Oliveira Júnior (2012, p. 08), no texto Corpo fabricado: o metrossexual em questão, faz a ligação entre a criação do termo e a necessidade capitalista de venda de produtos ao consumo, da seguinte maneira:

Dessa forma, os publicitários se valeram do termo para alcançar um ‗novo/outro‘ nicho mercadológico – os homens, que saem de detrás dos espelhos e passam a se admirar na frente destes, buscando mais abertamente produtos como xampus, condicionadores, cremes antirrugas, hidratantes corporais, etc., ou seja, os conhecidos for men. (Grifos nossos)

O mercado entendeu que indicar os homens como pessoas efeminadas não gerava lucro e aceitação perante a sociedade. Dessa forma, a cunhagem de novo termo, com a inclusão no conceito de fazeres específicos, com aparências diversas, além de compras de produtos luxuosos, fez um novo nicho mercadológico florescer, sem precisar quebrar as identidades sexuais pois não há afirmação de que o homem metrossexual seja homossexual ou mesmo efeminado.

Assim, há uma inferência de quebra dos antigos padrões de masculinidade, havendo a introdução de aspectos tidos como femininos na vida dos seres humanos másculos, como cuidados estéticos ao corpo. Nesse sentido, Leila Freitas, no texto Novos modos de (a)enunciar o masculino na mídia: o discurso da publicidade sobre o metrossexual, quando afirma: ―Como prática discursiva de forte apelo nos nossos dias, a propaganda tem-se dedicado incessantemente a inserir esses novos modos de ser/vivenciar a masculinidade.‖ (Grifos nossos)

No entanto, apesar de haver uma relativização da masculinidade, tida como hegemônica no imaginário coletivo, o conceito de metrossexual não fulmina as balizas binárias e ainda solidifica um discurso heteronormativo quando reafirma a masculinidade dos seres humanos que penetram em universos, outrora tidos, como tipicamente femininos. Ou seja, o metrossexual, que não gosta de pelos não é feminino nem homossexual. Há uma inferência, dessa maneira, da existência de uma régua de importância na qual a masculinidade impera gerando um tom falocêntrico na caracterização da categoria.

Dessa forma, em nada contribui para a proteção das categorias mais vulnerabilizadas em âmbito social. Ao revés, a categoria da metrossexualidade é funcional para a possibilidade de ampliação dos produtos vendidos em tempos passados somente a quem se identificava socialmente como mulheres ou homossexuais. Portanto, não fortalece as categorias vulnerabilizadas da sociedade em âmbito das sexualidades.

Resumindo o quanto afirmado até o presente momento da tese – levando-se em consideração as ponderações das desconstruções queer - , tem-se o seguinte quadro do qual a sistemática jurídica pode se valer para densificar emancipação e fraternidade: 1) O sexo biológico

dos seres humanos pode ser caracterizado de três maneiras: homens, intersexuais e mulheres; 2) A orientação sexual coaduna-se com os desejos humanos, podendo ser: bissexual, heterossexual ou homossexual; e 3) O gênero dos seres humanos é o sexo social das pessoas humanas, nada tendo de naturalmente correspondente com o sexo biológico outrora afirmado e com a orientação sexual.

O conceito de gênero bifurca-se em duas vertentes: 3.1) A identidade de gênero que corresponde a afirmação do ser homem, mulher ou pessoa transgênero. Quando o ser humano for tido como de um dos sexos biológicos e não houver correspondência com a identidade de gênero haverá a transexualidade; Quando o ser humano pretender vivenciar a identidade de gênero tida como oposta ao próprio sexo biológico, sem fixidez ao longo da vida, haverá a travestilidade; e quando o ser humano não estiver em uma das nomenclaturas citadas, por inexistência classificatória, será uma pessoa transgênera, em sentido estrito; e 3.2) A expressão de gênero significa uma ato comunicativo cuja correspondência é da androginia, do feminino e do masculino.

As correspondências não são encontradas com assiduidade, apesar de esperadas – até impostas – pelas cripto-normas de conduta ensinadas na sociedade capitalista ocidental. Dessa maneira, impõe-se aos homens que sejam heterossexuais, com identidade e expressão masculinas – de homem. Há a transpiração de ser o correto às mulheres que sejam heterossexuais, com identidade e expressão femininas – de mulher. Assim, qualquer situação combinada tenderá à vulnerabilidade social.

Frise-se que as pessoas intersexuadas findam por serem vulnerabilizadas em tenra idade. Havendo as demais vulnerabilizações ao longo da própria construção da sexualidade de maneira similar a qualquer outra pessoa tida como de sexo biológico de homem ou mulher. No entanto, os intersexuais são a única categoria na qual há uma vulnerabilização por conta da não aceitação social, em muitos países, da existência biológica de um tercius genus quanto ao sexo biológico.

Outros exemplos podem ser citados, tais como quando um homem bissexual ou homossexual de identidade e/ou expressão de gênero femininas é vulnerabilizado. Em mesmo sentido, uma mulher bissexual ou homossexual de identidade e/ou expressão de gênero masculinas também é vulnerabilizada. No entanto, não carece haver correspondências de vulnerabilização. Dessa maneira, um homem heterossexual cuja identidade de gênero é masculina – de homem – mas expressa o gênero feminino é vulnerabilizado. Assim como uma mulher heterossexual cuja identidade de gênero é feminina – de mulher – mas expressa o gênero masculino é vulnerabilizada.

Dessa maneira, sempre haverá uma vulnerabilização do ser humano não assertivo aos comandos impostos pela sociedade atual. Frise-se não haver como demonstrar quem é mais vulnerado teoricamente em determinadas perspectivas pois sempre haverá variantes importantes em voga, tais como a classe social e o conceito vulgar de raça/etnia. Dessa maneira de pensar, um

homem de cor escura homossexual torna-se mais vulnerado socialmente que um outro homem de cor clara homossexual.

Assim, as vulnerabilidades sociais são bastantes e variadas tendo o profissional do Direito a incumbência de auferir, caso a caso, a necessidade de medida própria protetiva e emancipatória. No entanto, sob o desejo de demonstrar aos construtores das normas um painel didático – mas, não exato – das pessoas mais vulneradas pela sociedade, por razão das sexualidades, propõe-se a tabela explicativa a respeito das vulnerabilidades das sexualidades, indicando os menos vulnerados com um hachuramento em cores mais fortes, da seguinte forma:

Tabela 5 – As vulnerabilidades humanas ao redor das categorias mais usuais das sexualidades e uma proposta de hierarquização

Classificação

geral Classificação das espécies Proposta de hierarquia das vulnerabilidades

Sexo biológico Homem Intersexual Intersexual Mulher Mulher Homem Orientação sexual Bissexual Bissexual Heterossexual Homossexual Homossexual Heterossexual Gênero Expressão de gênero

Andrógino Não correspondente (Homem-masculino e mulher- feminino) Homem Andrógino Mulher Homem/Mulher Identidade de gênero

Homem Transgênero (Transexual, Travesti e transgênero stricto sensu)

Mulher Mulher

Transgênero Homem

Assim sendo, seguindo o mesmo padrão explicitativo já efetuado nas outras tabelas do texto, haverá vulnerabilidade social dos intersexuais e das mulheres; dos bissexuais e dos homossexuais; da transexualidade, da travestilidade, da transgeneridade em sentido estrito; e, finalmente, da androginia e da não correspondência entre o sexo biológico, a identidade de gênero e a expressão de gênero. Portanto, no intento de estudar como o Direito pode tratar de maneira emancipatória as categorias citadas como vulneradas – com espeque protetivo - , nas próximas

seções haverá um esmiuçamento de aspectos jurídicos da transexualidade humana por que singular quanto às demais categorias.

A transexualidade237 é inédita quanto às demais categorias por que mescla a busca por uma definição a respeito do conceito de sexo biológico – e seus reflexos jurídicos registrais – e o conceito de gênero aplicado ao corpo com pedidos de mudanças várias nas questões jurídicas. Dessa forma, uma pessoa humana transexual finda por encontrar em/na vida uma vulnerabilidade estruturante. Além da sociedade não estar preparada para o enfrentamento da questão, a sistemática jurídica dificulta, através de interpretações de comandos normativos, a vida e o viver das pessoas tidas como transexuais.

Isto porque, todos os vulnerados sociais, na seara das sexualidades, devem ser protegidos pelo sistema jurídico, como impõe a CR. Por um lado, a proteção deve ser à própria violência estruturante do Estado – luta contra restrições sociais por fundamento no sexo biológico, orientação sexual ou identidade/expressão de gênero – relações verticais. Por outro lado, o Direito deve tecer normas capazes de proteger os seres humanos mais vulnerados no tangente às sexualidades dos outros indivíduos, como acontece na atualidade com as medidas protetivas da Lei Maria da Penha e criminalização de comportamentos homofóbicos – relações horizontais - , quando um outro ser humano viola os comandos civilizatórios por espeque nas sexualidades divergentes alheias.

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