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Exemplos de localidades nas quais há uma organização social e/ou jurídica violadora do tradicional binarismo homem-mulher quanto ao estado sexual

81 2.3.3 As sexualidades e seus reflexos corporais nas várias fases da vida humana: algumas

3 A NOMENCLATURA JURÍDICA A RESPEITO DAS SEXUALIDADES HUMANAS NA ATUALIDADE

3.3 O CONCEITO DE TRANSEXUALIDADE E SUA RELAÇÃO COM O DIREITO

3.3.2 Exemplos de localidades nas quais há uma organização social e/ou jurídica violadora do tradicional binarismo homem-mulher quanto ao estado sexual

Talvez os dois maiores tabus248 da vida humana, na atualidade, estejam relacionados com questões de as sexualidades e a morte e o morrer. Aprende-se, através do currículo oculto, o comportar-se silenciosamente quando algum familiar passa da/na vida. As doenças são quase sempre tratadas pela sociedade como um processo sonolento de escusas, encobrimentos e vozes vazias.

Para Sigmund Freud (1914, p. 16), no texto Totem e Tabu, explicitando o conceito da palavra, a complexidade da temática se mostra da seguinte maneira: “O significado de ‗tabu‘, como

247 Utilizar-se-á, no capitulo respectivo, o conceito de equivalência homeomórfica encontrado em Raimundo Panikkar

(2004, p. 209), no texto Seria a noção de direitos humanos um conceito ocidental?, dessa forma: ―‘Homeomorfismo não é o mesmo que analogia; ele apresenta um equivalente funcional específico, descoberto através de uma

transformação topológica.‖ Portanto, os seres humanos transgressores do binarismo homem-mulher em diversas culturas serão equivalentes homeomórficos dos chamados transgêneros lato sensu (tais como, em sentido específico, as pessoas transexuais e as pessoas travestis) da atualidade ocidental.

248 A palavra tabu é aqui utilizada, no ambíguo sentido de sagrado e proibido, conforme Aurélio Ferreira (1996, p.

1.638), no Novo dicionário da língua portuguesa. Em mesmo sentido, mostrando a ambivalência do conteúdo do termo, a A Enciclopédia Freudiana (Tradução nossa), em inglês The Freud Encyclopedia, organizada por Edward Erwin (2002, p. 561), assim define: ―Taboo. Também 'Tabu', tabu refere-se a uma forte proibição social,

acompanhada de ansiedade pela possibilidade de violação (intencionalmente ou não), e que o infrator (ou outros) serão punidos, talvez por forças sobrenaturais." No original em língua inglesa: ―Taboo. Also ‗Tabu‘, taboo refers to a strong social prohibition, acompanied by anxiety that it may be violated (intentionally or not) and that the violator (or others) will be punished, perhaps by supernatural forces.‖ Maria Berenice Dias (2001, p. 01), no texto

Transexualidade e o direito de casar, assim versa: ―As questões que dizem com a sexualidade sempre são cercadas de mitos e tabus.‖ (Grifos nossos) Mircea Eliade (1992, p. 12), no livro O sagrado e o profano, assim define a manifestação do sagrado na vida dos seres humanos: ―O sagrado manifesta-se sempre como uma realidade inteiramente diferente das realidades ‗naturais‘.‖ Dessa maneira, tabu não se circunscreve, apenas, aos silêncios – não fazer algo – mas, também, a um fazer sagrado e secreto.

vemos, diverge em dois sentidos contrários. Para nós significa, por um lado, ‗sagrado‘, ‗consagrado‘, e, por outro, ‗misterioso‘, ‗perigoso‘, ‗proibido‘, ‗impuro‘.‖

As sexualidades, assim, da mesma maneira que a discussão a respeito da morte e do morrer, são vivenciadas sob constante tensão pois findam cheias de normatizações cripto-fincadas na contemporaneidade - vivência consciencial entre/dentre o sagrado e o proibido - , tanto quanto foi em diversas outras sociedades ao longo da história. Os chamados sexos biológicos dos indivíduos são assuntos de difícil elucidação quando alguém tenta transgredir as zonas de fronteiras marcadas vigorosamente por lideranças invisíveis e difusas.

A transexualidade, é de notar-se, mescla a morte249 de um ser através de uma possível mudança da sexualidade identitária normalizada. Quando uma pessoa, nascida sob os auspícios sociais de um determinado sexo padronizado, ventila a possibilidade de indicar uma alternativização do status sexual está, de alguma forma simbólica e factual, efetuando a morte do ser vetusto, nominado, historicamente fotografado, filmado e lembrado por pares diversos.

A atualidade pós-moderna, através de modificações corporais, não permite mais uma visualização e definição imediatas de quem vem a ser homem ou mulher. As pessoas em trânsito pelos status sexuais, acima elencados, além do passeio entre as identidades e expressões de gênero findam por invisibilizarem-se diante do mimetismo alcançável da atualidade médica contemporânea.

No entanto, se segue, pia e regiamente, tradições nas quais não se faz idéia da racionalidade normativa, conforme já indicado. As tradições humanas, assim, exercem forças descomunais construtoras do currículo oculto e expresso a respeito das sexualidades capazes de influenciar a racionalidade humana. Os indivíduos são manipulados, desde tenra infância, quiçá já dentro do útero, em comandos sem explicação plausível dos porquês. Entre muitas tradições ao derredor das sexualidades está a dicotomização dos sexos e gêneros.

As dicotomias homem-mulher e masculino-feminino são, sem dúvida, mitos250 de difícil

249

O livro História de Joana transexual, escrito por Catherine Rihoit e Jeanne Nolais (1980, p. 21), narra a biografia de uma pessoa transexual na qual há uma afirmação correspondente ao quanto dito, da seguinte forma: ―E acabei

matando, afinal, muito mais tarde, a parte do homem em mim, essa lembrança insuportável do pai.‖ (Grifos

nossos) Colette Chiland (2008, p. 59), no opúsculo O transexualismo, afirma quanto aos pacientes transexuais o seguinte: ―Nos melhores casos, os transexuais operados falam de um novo nascimento, de uma libertação, do sentimento de ser enfim eles mesmos.‖ (Grifos nossos) O filme Fabricação própria: a desordem do desejo (2007) narra a história de Guta Silveira, operada em dezembro de 1998, que indica a identidade anterior como ―meu irmão gêmeo que morreu.‖ O Filme Transamérica (2005) narra a história de Sabrina Claire Ozbourne, uma pessoa transexual MTF que quer esquecer - matar - a personalidade anterior, chamada de Stanley. O documentário Tabu: Mudança de sexo (2013), da National Geographic Channel, narra a respeito de Carol Marra, personagem célebre do mundo da moda brasileiro, que afirma em mesmo sentido: ―Eu senti que ali eu tava matando uma parte de mim. Era para Carol nascer de fato.‖ (Grifos nossos)

250

Stuart Hall (2005, p. 62), no livro A identidade cultural na pós-modernidade, fala do mito dos conceitos de raça e etnia como constantes no processo de unificação, de um único povo original, dos países ao redor do mundo: ―Mas

combate em âmbito social. A palavra mito é definida, segundo o Novo dicionário da língua portuguesa, de Aurélio Ferreira (1996, p. 1.143), em um dos sentidos, como: ―Representação de fatos ou personagens reais, exagerada pela imaginação popular, pela tradição, etc.‖

O Dicionário de filosofia, de Nicola Abbagnano (2007, p. 786), indica, citando Malinowski que: ―A função do mito é, em resumo, reforçar a tradição e dar-lhe maior valor e prestígio, vinculando-a à mais elevada, melhor e mais sobrenatural realidade dos acontecimentos iniciais.‖ Abordando uma perspectiva linguística, Jaa Torrano (1997, p. 29-30), no texto O (conceito de) mito em Homero e Hesíodo, assim expressa a respeito do conceito de mito:

Para maior comodidade e correndo o risco, um saudável risco de equívoco, chamemos ‗mito‘ a essa experiência da linguagem e definamo-lo como uma experiência da linguagem em que uma forma divina do mundo nos interpela, a nós, mortais, e assim desvenda a verdade de acontecimentos passados, presentes e futuros.

Para Everardo Rocha (1996, p. 05) no livro O que é mito, há uma mescla de instâncias cognitivas-emocionais na construção do mito em derredor da sociedade da seguinte maneira: ―O mito é, pois, capaz de revelar o pensamento de uma sociedade, a sua concepção da existência e das relações que os homens devem manter entre si e com o mundo que os cerca.‖

Os mitos são constantes e encontrados em muitos povos ao redor do planeta. Por isso, Aldora Monteiro et al. (2004, p. 05), no texto A visão da mulher na antropologia, assim versa: ―Após a exposição de algumas ideologias míticas que nos acompanham desde o princípio dos séculos com Eva e Maria, até às vivências mais atuais da mulher comum, podemos afirmar que os mitos fazem parte integrante de todas as sociedades.‖

Claude Levi-Strauss (1987, p. 20), no livro Mito e significado, indica a função do mito da seguinte forma: ―[...] enquanto o mito fracassa em dar ao homem mais poder material sobre o meio. Apesar de tudo, dá ao homem a ilusão, extremamente importante, de que ele pode entender o universo e de que ele entende, de fato o universo.‖ Por fim, Mircea Eliade (1992, p. 23), no livro O sagrado e o profano: ―Não se pode viver sem uma ‗abertura‘ para o transcendente; em outras palavras, não se pode viver no ‗caos‘.‖ Para a autora (p. 42), na mesma obra: ―[…] é o mito que revela como uma realidadae veio à existência.‖ E arremata (p. 50): ―O mito conta uma história sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial que teve lugar no começo do Tempo, ab initio.‖

essa crença acaba, no mundo moderno, por ser um mito. A Europa Ocidental não tem qualquer nação que seja composta de apenas um único povo, uma única cultura ou etnia. As nações modernas são, todas, híbridas culturais.‖ (Grifo nosso) Carlos Byington (2013, p. 26), na obra A viagem do ser em busca da eternidade e do infinito, expressa: ―Os mitos expressam símbolos e funções estruturantes da maior importância, os quais anunciam a formação da Consciência Individual e Coletiva de maneira dominantemente esotérica, ou seja, de forma imaginal.‖

A mitologização251 das sexualidades, desta forma, transfere à tradição dos binarismos homem-mulher e masculino-feminino doses de religiosidade e transcendentalidade capazes de impedir a racionalidade crítica ao redor do assunto com a mesma perfeição de outras temáticas; ora banalizando o assunto - transformando-o em assunto pseudocientífico - ora sacralizando-o - trazendo as matrizes religiosas252 para os aspectos corporais do sexo biológico e sua correspondência no gênero e na orientação sexual.

Aldora Monteiro et al. (2004, p. 01), no texto A visão da mulher na antropologia, assim versam a respeito do conceito e importância do mito na seara humana:

O mito é então um elemento essencial da civilização humana; longe de ser apenas uma vã fabulação, é pelo contrário uma realidade viva, à qual não cessamos de recorrer, não uma teoria abstrata ou um desenrolar de imagens, mas uma verdadeira codificação da religião primitiva e da sabedoria prática.

Os mitos, apesar de fundamentados como importantes na construção social, devem ser entendidos como constructos mentais capazes de gerar perniciosa letargia de mudanças. Quando se mitifica alguém ou algo se torna difícil modificar a relação existente entre o mito e o comportamento humano diante dele. Apesar disso, no concernente às sexualidades, há muitas localidades onde existem alternativas ao binarismo ocidental imposto a respeito dos sexos biológicos, gêneros e orientação sexual e suas engessadas correspondências.

Percebe-se, à farta, muitos exemplos mundiais de socialização nas quais há uma fuga das dualidades homem-mulher/masculino-feminino - apesar de haver relações sociais tensas quanto às sexualidades. No entanto, os exemplos encontrados em toda parte da Terra sempre são tidos como exceções que não poderiam indicar uma natural inexistência dos impedimentos de ultrapassar as fronteiras dos status sexuais normatizados na atualidade. A expressão mundial das plúrimas sexualidades não são aceitas, na atualidade ocidental - brasileira em especial - , como possíveis, cabíveis ou justas o bastante para já ter modificado as normas a respeito da temática.

Os exemplos, adiante anunciados, não são exaustivos mas sim, meramente, exemplificativos. Ou seja, existiram no correr histórico da humanidade e, alguns, ainda atuam na sociedade de suas respectivas localidades. Importante indicar os exemplos como possibilidades do tratamento das sexualidades perante o sistema jurídico e a sociedade em geral de maneira criativa e

251 Carlos Byington (2008, p. 264), no livro Psicologia simbólica junguiana, versando a respeito do processo de

transformação de Jesus em um mito indica: ―A mitologização atinge a dimensão emocional da inspiração e da fé e, com isso, engloba os milagres e, sobretudo, o maior deles, a Ressurreição.‖

252 Por isso, Alexander Neill (1968, p. 205), no livro Liberdade sem medo, escrevendo a respeito da abordagem

ventilada no presente texto, mostrando que nada há de sagrado no sexo, além do quanto haveria de sacro em outras atividades humanas, versa: ―Se concordarem em chamar sagrados aos atos de comer, beber e rir, então estou com vocês quando chamam sagrado ao sexo.‖

diversa das posições encontradas na atualidade de inflexibilidade e forçosos singularismos.

A ordenação está na lógica do alfabeto português e os artigos definidos estão flexionados na busca da identidade de gênero de chegada de cada exemplo. Dessa forma, haverá modificações quanto ao artigo definido tratado na literatura específica a respeito da temática. Apesar de haver o conhecimento das complexidades de cada exemplo citado diante da gramática de gênero de cada língua nativa, possivelmente, não corresponder com a língua portuguesa.

3.3.2.1 As Acaults da Birmânia

Na Birmânia, cuja capital é Miammar, a homossexualidade é proibida, segundo o relatório final, intitulado O acompanhamento de pessoas transidentitárias pela associação do Ninho253 (Tradução nossa, 2010, p. 18). As Acaults são pessoas humanas nascidas como homens que se expressam de maneira feminina através de roupas e maneirismos locais, tidos como femininos, ao longo da vida e do viver.

3.3.2.2 As Berdaches da América do Norte

Conforme já dito, existem inúmeras localidades, ao redor do Globo, que manipulam as identidades de gêneros de maneira diversa à forma ocidental e brasileira.254 Assim, nos hoje chamados Estados Unidos da América existiam as Berdaches.255 As Berdaches, segundo Peter Fry e Edward MacRae (1985, p. 36-37), no opúsculo O que é homossexualidade?, são os nomes genéricos para seres humanos que passaram de ―um lado para o outro‖ do dualismo de sexo/gênero na América do Norte.

William Naphy (2006, p. 193), na obra Born to be gay, assevera: ―O berdache pode ser definido como uma pessoa (geralmente um homem) anatomicamente ‗normal‘ mas que adoptava os trajes, ocupações e comportamentos do outro sexo operando uma mudança na sua categoria de gênero.‖

A sociedade assimilava as Berdaches de maneira natural, em nada havendo de ridicularização ou mesmo injúrias por conta da possibilidade de transgressão do binarismo homem- mulher. Segundo Luiz Mott (1994, p. 04), no artigo Etno-história da homossexualidade na américa

253 O título do relatório é: O acompanhamento de pessoas transidentitárias pela associação do Ninho. (Tradução nossa)

Em francês o título é o seguinte: L‟accompagnement des persones transidentitaires à l‟Amicale du nid.

254

Neste texto, somente algumas formas de transgressão às normas sociais atuais de gênero serão aduzidas.

255 Jaqueline Jesus (2012, p. 357) no escrito Transfobia e crimes de ódio, indica o seguinte a respeito do termo

berdache: ―O termo ‗Berdache‘ tem uso clássico, porém tem sido criticado por ser antiquado e ofensivo, tendo em vista que não era utilizado pelas pessoas às quais se referia, foi imposto por antropólogos que se basearam na palavra francesa para homem que se prostitui (garoto de programa, ‗michê‘), bardache, a qual, por sua vez, derivou-se do árabe bardaj, que significa ‗cativo, prisioneiro‘ (JACOBS, THOMAS & LANG, 1997).‖

latina, a respeito das Berdaches: ―Inúmeros são os relatos de cronistas, viajantes e missionários descrevendo a presença de índios homossexuais e travestis entre as tribos e nações da atual América do Norte, onde famosos berdaches chegaram a ser retratados em pitorescas gravuras do século XVII.‖

Perceba-se, por oportuno, seguindo o quanto teorizado na presente tese, que transicionar a identidade de gênero não é o mesmo que mudar o sexo biológico. Assim como, em nada há de similitude com as questões do desejo humano – bissexualidade, homossexualidade e heterossexualidade. Dessa maneira, importante indicar as fulcrais diferenças entre as categorias já estudadas para que haja perfeito entendimento do quanto aqui ventilado.

No sentir de Michel Foucault (1975, p. 50-51), no livro Doença mental e psicologia, falando a respeito do assunto, há a demonstração de características positivas na situação das Berdaches, senão se veja: ―Deixemos de lado o caso célebre dos Berdache, entre os Dakota da América do Norte; estes homossexuais têm um status religioso de sacerdotes e mágicos, um papel econômico de artesãos e criadores, ligados a particularidades de sua conduta sexual.‖ (Grifos nossos)

Neste sentido, Sigmund Freud (1914, p. 18), na obra Totem e Tabu, mostra o fundo explicativo - na visão da psicanálise - do reflexo proibido-sagrado, nos assuntos considerados tabus, em sociedades antigas: ―Por trás de todas essas proibições parece haver algo como uma teoria de que elas são necessárias porque certas pessoas e coisas estão carregadas de um poder perigoso que pode ser transferido através do contato com elas, quase como uma infecção.‖

Peter Fry e Edward MacRae (1985, p. 58), finalmente, na obra O que é homossexualidade?, indicam que: ―O berdache era em nada um ‗desviante‘; era tão ‗natural‘ para os índios da América do Norte quanto a um padre de batina para nós.‖ Portanto, a situação social do transgressor do binarismo sexual/ de gênero, no correr do tempo histórico da humanidade, nem sempre se deu da mesma maneira.

Conforme entendido, as Berdaches são pessoas, nascidas do sexo biológico tido como homens que experienciam, em sociedade, uma identidade de gênero feminina, com expressão de gênero feminina ao longo de toda a vida. Há notícia, no entanto, de indivíduos Berdaches nascidas do sexo feminino. Conforme William Naphy (2006, p. 194), na obra Born to be gay, indica: ―Apenas 30 grupos ameríndios apresentaram provas de mulheres berdache. Os mais conhecidos são: Crow, Mohave, Navajo, Ute, Apache Ocidental e Yuma. Curiosamente, entre os Kaska e os Carrier existiam apenas mulheres berdache.‖ (Grifos nossos)

Assim, apesar da escassa literatura a respeito das Berdaches, pode-se notar a alta complexidade do manejo da sexualidade nas comunidades índias da América do Norte. Porém, não

se deve introjetar serem, as pessoas citadas como Berdaches, categorizadas como bissexuais, heterossexuais, homossexuais, transexuais ou travestis por que estão imersos em outras construções sociais nas quais as réguas explicativas ocidentais da atualidade não são bem vindas. Dessa forma, genericamente, são pessoas transgêneras, em sentido estrito.

3.3.2.3 As Fa´afafine de Samoa e Nova Zelândia

Na região de Samoa e Nova Zelândia há as Fa´afafine que, segundo Johanna Schmidt256 (2005, p. 03), no texto Migrando sexos ocidentalizados, migração e fa'afafine samoana (Tradução nossa), tenta definir o termo da seguinte toada: ―A palavra samoana 'fa'afafine‘ é traduzida literalmente como ‗à maneira de‘ ou ‗como‘ –‗fa'a'‘ - uma mulher ou mulheres-fafine. Fa'afafine são 'machos' samoanos biológicos cujos comportamentos de gênero, em diferentes graus e de várias maneiras, feminino." (Tradução nossa)

Nancy Bartlett e Paul Vasey (2006, p. 660), no texto Um estudo retrospectivo da infância atípica de comportamento de gênero na fa'afafine samoana (Tradução nossa), asseveram da seguinte maneira: ―Na Samoa independente, homens biológicos que manifestam um comportamento atípico de gênero são referidos como fa'afafine (pronuncia-se fa-a-fa fee-nay). Traduzido literalmente, significa ‗na forma de uma mulher.‘‖ (Tradução nossa)257

Paul Vasey e Doug Vanderlaan (2008, p. 02) no texto Tendências protetivas e a evolução da atração masculina na fa‟afafine samoana. (Tradução nossa) Indicam que:

Na Samoa independente, a atração dos homens por machos são referidos como fa'afafine, que significa ‗à maneira de uma mulher.‘ A maioria das fa'afafine tendem a ser efeminadas, mas elas variam de extremamente femininas para irreparavelmente masculinas, embora as últimas instâncias são raras. (Tradução nossa)258

Assim, similarmente as Berdaches da América do Norte, as Fa´afafine, de Samoa e Nova Zelândia, foram tidas ao nascimento como pertencentes a um dito sexo e transicionaram, ao longo

256 O título em língua inglesa é: Migrating genders westernisation, migration, and samoan fa‟afafine e está cunhado da

seguinte maneira: ―The Samoan word ‗fa‘afafine‘ literally translates as ‗in the manner of‘ or ‗like‘ – ‗fa‘a‘ – a woman or women – fafine. Fa‘afafine are biological Samoan ‗males‘ whose gendered behaviours are, to varying degrees and in various ways, feminine.‖

257 O texto, no original, é assim cinzelado: A retrospective study of childhood gender-atypical behavior in samoan fa‟afafine. A parte transcrita, em inglês: ―In Independent Samoa, biological males who manifest gender-atypical behavior are referred to as fa‘afafine (pronounced fa-a-fafee-nay). Translated literally, this means ‗in the manner of a woman‘.‖

258 O título, em inglês, é assim definido: Avuncular tendencies and the evolution of male androphilia in samoan fa‟afafine e o excerto citado é: ―In Independent Samoa, androphilic males are referred to asfa‘afafine, which means ‗in the manner of a woman.‘ Most fa‘afafine tend to be effeminate, but they range from extremely feminine to unremarkably masculine, although instances of the latter are rare.‖

da vida e do viver, por razão do gênero para um outro. Segundo a literatura a respeito, não há como categorizá-las nas classificações dispostas na presente tese, a não ser como pessoas trangêneras stricto sensu.

3.3.2.4 As Fakaleiti de Tonga

As Fakaleiti de Tonga, na Polinésia, são transgêneros stricto sensu dos quais a Europa não conseguiu decifrar os meandros etiológicos. A complexidade das Fakaleiti é grande pois não representam um terceiro sexo. Segundo Mariana de Barros (2010, p. 255), em tese de doutoramento intitulada Labaredas, teu nome é mulher, explicando o quanto dito por Douaire-Marsaudon, a respeito das Fakaleiti: ―Ela afirma que os polinésios ‗fakafefine‘ e ‗fakaleiti‘ se ‗sentem‘ mulheres e desejam assumir os papéis de uma mulher na sociedade a qual pertencem [...].‖

Dessa maneira, são, em realidade pessoas nascidas e tidas como homens biológicos que transicionam para o mundo das mulheres, por razão da identidade e expressão de gênero.

3.3.2.5 As Hijras da Índia

Na Índia – e também no Paquistão - 259 há as Hijras, que, segundo Luanna Barbosa e Hilan

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