• Nenhum resultado encontrado

81 2.3.3 As sexualidades e seus reflexos corporais nas várias fases da vida humana: algumas

2.1 O CONCEITO DE SEXUALIDADES HUMANAS E SUA RELAÇÃO COM A SISTEMÁTICA JURÍDICA

2.2.7 A sexualidade no início do século

A sexualidade, até o presente momento, ainda tem parcelas maciças de todo o histórico repressivo85 dos tempos mais afastados; ainda é uma maneira de controle social bastante eficiente. No entanto, o século XXI, no seu primeiro quartel, avançou em diversos aspectos, outrora impensáveis. Há, portanto, uma contradição86 nevrálgica na contemporaneidade. A atualidade, ao mesmo tempo, avança em direitos sociais aos vulnerados na seara das sexualidades e vivencia movimentos sociais desfavoráveis – passeatas e violências discursivas várias contra o casamento homossexual, por exemplo.

imunodeficiência adquirida. Sigla inglesa para a expressão acquired immuno-deficiency síndrome. Afecção grave, fatal e contagiosa, transmitida por via sexual ou sanguínea, que se manifesta pelo desaparecimento das defesas imunológicas do organismo. Descrita pela primeira vez nos EUA em 1981.‖

83 Na atualidade, fala-se em comportamento de risco. Conforme a cartilha explicativa contida na página governamental

do Ministério da Saúde (MS) brasileiro, na internet, a respeito da temática. Disponível em:

<http://www.aids.gov.br/tags/tags-do-portal/grupoderisco>. Acesso em: 25 ago. 2014. Apesar disso, mostra-se saudável a tentativa da deputada Laura Carneiro, através do projeto de lei n. 287/2003, em proteger – mesmo que sob a discutível incriminação da conduta – as pessoas homossexuais no louvável ato de doar o próprio sangue. Há, em todo o Brasil, conforme a justificativa do projeto citado, rejeição de doadores de sangue por razão do preconceito oriundo da orientação sexual. A deputada Sueli Vidigal, conforme o projeto de lei n. 4.373/2008, também elenca os mesmos fundamentos preconceituosos e afirma a necessidade de proibição aos bancos de sangue de questionar aos doadores a respeito da opção sexual.

84 Guacira Louro (2008, p. 18), no artigo Gênero e sexualidade assim aduz a respeito da temática: ―A construção do

gênero e da sexualidade dá-se ao longo de toda a vida, continuamente, infindavelmente.‖

85

Neste sentido, apesar do texto ter sido escrito ainda no século XX, Thaís Gozzo et al. (2000, p. 84), no escrito Sexualidade feminina expressam que: ―Por razões culturais o sexo até há algum tempo era visto somente como algo ligado a reprodução, o prazer era reprimido, por ser considerado pecaminoso ou moralmente condenável.‖ (Grifos nossos)

86

Guacira Louro (2008, p. 21), no artigo Gênero e sexualidade, assim afirma: ―Hoje, tal como antes, a sexualidade permanece como alvo privilegiado da vigilância e do controle das sociedades.‖

Há uma intensificação dos movimentos em defesa das plúrimas identidades sexuais, com normas capazes de igualizar - ao menos formalmente, perante o Estado e os direitos sociais - pessoas humanas tidas como transgressoras do terreno das sexualidades. Países como Alemanha e Argentina já versam – com normas jurídicas - a respeito da possibilidade da inclusão de um terceiro sexo – chamado de intersexual ou mesmo sexo diferente - na paleta de cores da sexualidade normatizada e modificação do sexo biológico, registrado juridicamente, sem a intervenção de instâncias decisórias formalizadas, quer sejam jurídicas ou médicas.

Neste sentido, os estudos do tema na atualidade não mais acreditam em uma sexualidade imóvel, estável, monolítica. A contemporaneidade é mutante, mutável, quebradora de paradigmas87 e de uma perturbação constante de muitas certezas humanas, outrora estáveis. O momento atual indica que não há identidades sexuais normais e anormais, mas sim aspectos múltiplos da sexualidades humanas.

Vive-se, na hodiernidade, um mundo pós-gênero no qual o sexo e o gênero88 passam a ser formações culturais e históricas pois o corpo humano, na atualidade da pós-humanidade,89 pode ser moldado ao talante de quem puder ter acesso às intervenções cirúrgicas da medicina atual, conforme se verá em capítulo adiante da presente tese. Não há mais constância90 do binarismo homem-mulher / homossexual-heterossexual como únicos possíveis. A heteronormatividade91 é discutida como a principal regra de comportamento aceito em âmbito social.

87 Heloisa Barboza (2012, p. 127), no texto Disposição do próprio corpo em face da bioética, assim assevera a respeito

da biotecnociência: ―Abalam-se, em consequência, conceitos jurídicos fundados no que se convencionu denominar ‗ordem natural das coisas‘, os quais se revelam insuficientes diante de situações inéditas.‖

88 As diferenças entre os conceitos de sexo e gênero serão expostas adiante. Joan Scott (1989, p. 19), no artigo Gênero: uma categoria útil para análise histórica, versa a respeito do início da preocupação teórica a respeito do gênero como algo atual: ―As preocupações teóricas relativas ao gênero como categoria de análise só apareceram no final do século XX.‖

89 Chama-se pós-humanidade o período atual no qual aspectos artificiais estão, cada vez, mais inseridos nos corpo

humanos. No sentir de Ieda Tucherman (2009, p. 15), no texto Corpo, fragmentos e ligações, em relação do corpo humano com os seres humanos, há o seguinte: ―[...] o que se experimenta hoje não é ser um corpo, mas ter um corpo que sempre podemos, se não recusar totalmente, aprimorar, seja em relação à aparência que desejamos ter, seja em relação à potencialização das funções que merecem nosso interesse.‖ Segundo Edvaldo Couto (2009, p. 49), no texto Corpos mutantes, a definição é: ―Esse corpo ampliado pelas próteses biotecnológicas intui e desenha a nossa super- humanidade, aquilo que Sibila (2002) chama de homem pós-orgânico e Santaella (2003) de pós-humano.‖ No sentir de Marco Aurélio de Castro Júnior (2013, p. 50), no livro Direito e pós-humanidade, versando a respeito do conceito de ser humano na atualidade: ―Na pós-humanidade, oportunidade em que se cogita o incremento da capacidade

cognoscitiva e intelectual das máquinas e dos homens, a interação biológica e sintética, cibernética e, eventualmente, a superação do humano pela máquina, esse conceito haverá de se alargar para comportar estruturas não humanas.‖

90 A autora Maria das Graças Medeiros (2008, p. 02), no texto Família, gênero e sexualidade, informa o seguinte: ―No

entanto, novas abordagens, hoje identificadas com as correntes pós-modernas, passaram cada vez mais a desconfiar de oposições binárias como natureza/cultura e sexo/gênero. Muitos estudos foram progressivamente desmantelando a idéia que sustentava o lado supostamente natural biológico do par sexo/gênero.‖

91 Entende-se por heteronormatividade, segundo Karina Eid, Felipe Medeiros e Igor Frederico (2013, p. 11), no texto A questão LGBT, o seguinte: ―O termo heteronormatividade é aqui utilizado em sua acepção mais moderna, que designa a concepção de que existe um alinhamento natural entre o sexo biológico, a identidade de gênero, a orientação sexual e o papel de gênero desempenhado, sendo esse alinhamento percebido como a única expressão possível.‖ (Grifos nossos)

O processo de ciborguização dos seres humanos utiliza artificialidades externas variadas, tais como óculos, órteses, próteses; e internas como medicamentos e substâncias modificadoras de comportamentos. Há uma naturalização das artificialidades e não mais assusta a colocação de próteses capilares, de seios e de nádegas. Os seres humanos, assim, mesclam-se com as máquinas tornando-se ciborgues. Há, dessa maneira, a quebra dos destinos traçados pela biologia erigindo a construção cultural/social como mais importante e fundamentalmente definitória das características humanas.

O século XXI inclui nas pautas de discussão a violência sofrida pelas pessoas vulneradas por quaisquer motivos sexuais, mesmo nos lares tidos, historicamente, como ambientes privados. Trazendo à toada um dever de interferência estatal de tudo quanto for protetivo aos seres humanos mais enfraquecidos por qualquer motivo existente.

O mundo privado das sexualidades, no entanto, não desapareceu. As sexualidades humanas devem ter um resquício do qual o Estado não pode se intrometer, quando as escolhas forem pessoais e não intervierem com nenhum dos direitos de terceiros. Assim, os seres humanos, no intróito do terceiro milênio, devem poder escolher livremente qual o sexo/gênero que se identificam, por exemplo.

Desta forma, a transexualidade deve ser ventilada como uma possibilidade de expressão identitária da sexualidade, dentre inúmeras outras possíveis, e não mais como uma doença que precisa de cura. Os direitos de personalidade, portanto, são abrangentes de escolhas ao redor das identidades sexuais. O Direito, neste intento, deve buscar a normatização das identidades no desejo de proteção aos vulnerados e permissão legal de habitar os próprios corpos como bem lhes aprouver.

Assim, o século XXI tem um viés pós-patriarcal92 do qual os discursos são reestruturados e reconstruídos. Os conceitos a respeito das sexualidades são esvaziados e preenchidos com novos entendimentos. Por conta da facilidade comunicacional em tempo real, públicos outrora relegados ao opróbrio, juntam-se em grupos capazes de efetuar pressão suficiente para mudar normas jurídicas, velhas interpretações e mostrar a realidade de angústia, dor e sofrimento vividos no dia a dia pelas pessoas humanas vulneradas.

2.2.7.1 A Pós-humanidade das sexualidades humanas

Em tempos passados, dificilmente alguém poderia vencer o biológico em busca de alternativas ao quanto determinado pelos genes. Frise-se o nome da geração dos nascidos nas

92

Maria das Graças Medeiros (2008, p. 01), no texto Família, gênero e sexualidade, assim aduz: ―Esta nova maneira de elaborar abre uma nova forma de pensar pós-cartesiana e pós-patriarcal.‖

décadas de cinquenta e sessenta do século passado – vulgarmente chamados de baby boomers - por conta do déficit de mortes, por razão da utilização a maior dos remédios em tenra infância. A atualidade carrega maior expectativa de vida para os seres humanos viventes em sociedade.93 A seara biológica, dessarte, está avançada na manutenção do viver humano.

A utilização de novas tecnologias farmacêuticas migrou as atenções para artificialidades capazes de realizar uma longa vida para os seres humanos. Neste intento, além dos medicamentos, as pessoas humanas passaram a utilizar as novas tecnologias gravadas no corpo. Na atualidade, há próteses, órteses e artificialidades bem naturais, incapazes de serem descobertas por um olhar mais arguto.

Desta forma, não se discute a questão da clonagem de um único órgão, criado em laboratório, somente para salvar a vida de uma outra pessoa cujo órgão natural debilitou-se com o tempo de uso desenfreado - como um fígado sobrecarregado pelos excessos da vida cotidiana - ou mesmo já nascido frágil e com péssimo funcionamento – não se chamaria este órgão criado em laboratório, com células tronco, de artificial.

Mas, a questão da clonagem94 inteira de uma pessoa humana gera opiniões controversas na seara bioética, conforme aduz Edvaldo Couto (2009, p. 49), no texto Corpos mutantes. O corpo humano, assim, impõe a necessidade de medidas jurídicas em busca de uma igualdade material, como norma - regra ou princípio - motriz de uma sociedade democrática, plural e calcada na solidariedade humana, como sói encontrar em diversos diplomas, nacionais e internacionais. A jurisdicionalização da situação do corpo-no-mundo deve ser uma medida protetiva e necessária aos mais enfraquecidos na busca de uma relação societária mais justa.

As sexualidades humanas são marcadas no corpo e acabam por vulnerabilizar, muita vez, a estadia humana no viver em sociedade. Não são poucas as vezes em que a notícia é realizada através de eventos nos quais os não seguidores dos padrões heteronormativos são alcançados e violentamente tratados por outras pessoas como bizarros, diferentes e anormais por conta de tradições espantosamente calcadas em fundamentos religiosos. Além disso, há violência estatal estruturante quando permite e negligencia uma intervenção equalizadora - legislativa, por exemplo - nas relações entre desiguais em força - como no caso dos seres humanos transexuais.

Não se aceita mais medidas de igualização, na base da violência, das pessoas quanto à própria sexualidade. O Estado laico deve respeito às novas formas de viver e ser identitariamente

93 Segundo a página da OMS a expectativa de vida do brasileiro, no ano de 2014, pode chegar, em média, a setenta e sete

anos.

94 No Brasil, segundo a Lei n. 11.105/2005, no art. 26, a clonagem humana é crime (Art. 26. Realizar clonagem humana:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa). Cf. o aprofundamento da temática em Maria Auxiliadora Minahim (2005, p. 137-148), no livro Direito penal e biotecnologia.

únicas - mesmo que parcela da sociedade olvide a existência de pessoas vulneradas. Os seres humanos desejam viver em/na sociedade, sem dúvida. No entanto, em uma sociedade aceitadora das enormes diferenças encontradas na seara das sexualidades. Os corpos da atualidade não podem ser indexados aos encontráveis nos séculos passados.

O próprio Estado, quando define o sexo registral das pessoas – com o propósito de organizar a sociedade - acaba por vulnerabilizar, em demasia, pessoas cujas personalidades transicionam entre os sexos e gêneros. Isto porque, desde muito, já se pensa em diversas formas de mudança de entendimento a respeito da sexualidade dita padrão, fugindo-se, assim, da necessidade de indicar - de maneira fixa e imutável, ou mutável de forma difícil, como na atualidade - a própria caracterização pessoal perante aspectos da sexualidade.

O sexo biológico das pessoas, na atualidade, é uma determinação social - faz parte da cultura tradicional transeunte e não de uma determinação corporal estagnada. Cai por terra a questão de identificar o sexo biológico dos seres humanos - em macho/homem ou fêmea/mulher - logo no nascimento. As pessoas humanas não podem ser etiquetadas como machos ou fêmeas, ad eternum, por que é uma construção social em/na vida em sociedade. Assim, admitindo a sexualidade como uma construção social, e não uma plena caracterização de algo previamente formatado pela natureza, o ser humano tem o direito à adaptação dos próprios aspectos da sexualidade diante da vida, com todos os reflexos jurídicos possíveis e cabíveis.

A hodiernidade, como indicou Tiago Duque (2011, p. 26), no livro Montagens e desmontagens, com ―as mudanças na esfera da sexualidade se associam a novas tecnologias corporais e a uma ampliação do debate para além das heterossexualidades.‖ Nesse mesmo sentido, Berenice Bento (2008, p. 14), na obra O que é transexualidade, admite: ―Vincular comportamento ao sexo, gênero à genitália, definindo o feminino pela presença da vagina e o masculino pelo pênis, remonta ao século XIX quando sexo passou a conter a verdade última de nós mesmos (FOUCAULT, 1985, p. 65).‖

Desde sempre, todos os seres humanos possuem o macho/masculino e fêmea/feminino dentro de si95 - até por isso há o conceito de mulheres masculinizadas e homens feminilizados.

95

Perfeitamente ajustável ao quanto dito nesta parte do texto, John Sanford (2006, p. 12), no livro Os parceiros invisíveis, afirma haver masculinidade e feminilidade em todos os seres humanos: ―Anima significa o componente feminino numa personalidade de homem, e o animus designa o componente masculino numa personalidade de mulher.‖ A mitologia da religião de matriz africana afirma a existência de Logum Edé, dividido entre o masculino e o feminino. Assim, conforme Reginaldo Prandi (2001, p. 137), na obra Mitologia dos Orixás: ―O filho ficaria metade do ano nas matas de Oxóssi e a outra metade com Oxum no rio. Com isso, Logum se tornou uma criança de personalidade dupla: cresceu metade homem, metade mulher.‖ Segundo Luiz Mott (2002, p. 152), no texto Por que os homossexuais são os mais odiados dentre todas as minorias, há diversas divindades transexuais no panteão das religiões afro- brasileiras. Confirmando o quanto ditto, William Naphy (2006, p. 202), na obra Born to be gay: ―Oxumaré (Deus da Vida) é masculina durante seis meses do ano e feminina nos outros seis.‖

Nesse sentido, Judith Butler96 indica que o sexo sempre foi o gênero. Miriam Ventura (2010, p. 13), na obra A transexualidade no tribunal, acertadamente, em nota de rodapé, ventila que o gênero é: ―[...] o modo pelo qual a sociedade e a cultura concebem o que é ser homem e mulher.‖ (Grifos nossos) Dessa forma, diferentemente do conceito de gênero, culturalmente construído, o termo sexo acaba sendo, pelo Direito, relegado à uma instância biologizante e restrita, equivocadamente.

A patologização das sexualidades não padronizadas pelas forças sociais operantes serve de argumento corretor - discurso de controle social. Dessa forma, quando há uma fuga do que seria o correto, certo, natural, normal, em âmbito sexual, como exemplo maior pode-se citar a transexualidade, há sempre um quê - imposto pelos donos das forças sociais, políticas e econômicas que desejam a manutenção do status quo – tradição - de doença97 e necessidade de correção, cura, remédio.

A transexualidade é tida, ainda na atualidade, como uma quebra violenta de normatividade/normalidade social vigente. Pergunta-se como alguém, nascido homem/mulher, pode, através de uma cirurgia, tornar-se mulher/homem. No entanto, o presente texto discute o porquê da classificação jurídica inicial da pessoa com pênis - características morfológicas externas - como homem e o ser mulher com vagina quando existem outras características corporais também diferenciadoras que não são levadas em importância para classificar e diferenciar os seres humanos. A pós-humanidade faz o ser humano mesclar-se com máquinas, novos órgãos sintéticos são produzidos, sangue humano artificial, plásticos em lugar de pele e nem por conta de tais mudanças há dubiedade em crer que as pessoas utilizadoras de prótese, por exemplo, não perdem uma gota da humanidade haurida com a vida. Portanto, a humanidade está além do corpo; a corporeidade passa a ser um objeto cultural do ser humano, assim como a sexualidade está bem além da genitália – externa ou interna - , conforme se verá em seções posteriores.

2.2.7.2 Argumentos contrários à liberdade das sexualidades

No intento de impedir o avanço da libertação da sexualidade das amarras biologizantes, como uma tradição fundamentada em religiosidade, o Direito – em um viés mantenedor do status quo - tenta organizar normativamente o quanto dúbio está faticamente. Dessa forma, por exemplo no Brasil, ainda patologiza a transexualidade, por que não possui instância intermediária do sexo registral - ou se é homem ou se é mulher. A intersexualidade humana não é aceita, juridicamente,

96 A autora citada (2008, p. 25), na obra Problemas de gênero, assim define: ―Se o caráter imutável do sexo é contestável,

talvez o próprio construto chamado ‗sexo‘ seja tão culturalmente construído quanto o gênero; a rigor, talvez o sexo sempre tenha sido o gênero, de tal forma que a distinção entre sexo e gênero revela-se absolutamente nenhuma.‖

97

Há uma necessidade urgente da discussão a respeito do discurso patologizador da transexualidade como uma imposição arbitrária do Estado perante as pessoas mais vulnerabilizados a ser feita através da sociedade civil.

como uma possibilidade de vivência corporal.

Assim, de maneira similar, ocorreu a patologização da homossexualidade98 em tempos passados - tendo, até o momento atual, início da segunda década do século XXI, muitas forças sociais concordes com o opinativo da patologia como uma verdade. Pouco se nota a ventilação da possibilidade, em âmbito jurídico, da sexualidade ser plúrima e, portanto, haver a necessidade de organizá-la no sentido de não interferir em demasia e de forma violenta na vida dos seres humanos vulnerados - a não ser para fortalecê-los diante da sociedade patentemente opressora.

Entre os direitos inerentes às pessoas há o direito à própria sexualidade como um direito humano, um direito fundamental e um direito de personalidade. Os direitos humanos levam em consideração cada ser humano como único e repleto de dignidade, apenas por ser uma pessoa humana, conforme aduz Fábio Konder Comparato (2006, passim), no livro A afirmação histórica dos direitos humanos. A manutenção da dignidade da pessoa é defendida através dos direitos humanos e fundamentais – quando positivado.

Por outro lado, os direitos de personalidade podem se definidos, segundo Roxana Borges (2009, p. 20), no livro Direitos de personalidade e autonomia privada, da seguinte maneira: ―Por meio dos direitos de personalidade se protegem a essência da pessoa e suas principais características.‖ Ou seja, protegem-se aspectos internos vivenciais das pessoas humanas, conforme Elimar Szaniawski (2005, p. 70), na obra Direitos de personalidade e sua tutela: ―A proteção que se dá a esses bens primeiros do indivíduo, são denominados de direitos de personalidade.‖ Roxana Borges (2012, p. 152), em texto denominado Conexões entre direitos de personalidade e bioética, assim define: ―Os direitos mais próximos ao valor dignidade como fonte são os direitos da personalidade, um círculo de direitos não exaustivo relacionado às situações existenciais da pessoa.‖

Apesar das inúmeras conceituações a respeito dos direitos de personalidade, conforme indica Leonardo Zanini (2011, p. 93-98), no opúsculo Direito de personalidade, há uma palavra

98

Neste trabalho acadêmico não se vislumbrará a querela existente quanto à patologização da homossexualidade, apesar da descomunal importância no entendimento da temática. O projeto de Decreto Legislativo n. 234/2011, apelidado pela imprensa de Projeto da cura gay, oriundo da Câmara Federal dos Deputados, de autoria do deputado João Campos, visava, segundo a própria ementa, sustar ―a aplicação do parágrafo único do art. 3º. e o art. 4º., da Resolução do Conselho Federal de Psicologia n. 1/99, de 23 de março de 1999, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual.‖ Entre outras considerações, a Resolução n. 01/99 indica que: ―[...] a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão.‖ Os artigos vergastados assim estão escritos: ―Art. 3°. Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas

Outline

Documentos relacionados