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A categoria vulnerabilidade como curinga aplicativo jurídico ao redor das categorias sociais sexuais

81 2.3.3 As sexualidades e seus reflexos corporais nas várias fases da vida humana: algumas

3 A NOMENCLATURA JURÍDICA A RESPEITO DAS SEXUALIDADES HUMANAS NA ATUALIDADE

3.5 REFLEXOS PENAIS DA IDENTIDADE DE GÊNERO HUMANA: A QUEBRA DO PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE NA UTILIZAÇÃO DO TERMO ―MULHER‖ NA

3.5.2 A categoria vulnerabilidade como curinga aplicativo jurídico ao redor das categorias sociais sexuais

Todas as categorias supraestudadas são complexas e exigentes de minúcias interpretativas várias. O Direito carece de maior dose de elucidação porquanto precisa generalizar algumas classificações e finda por não ser plenamente correto na proteção a ser implementada. Dessarte, há titubeio na concreção da norma trabalhista da quantidade de dias referentes ao direito de o ser humano cuidar do filho recém-nascido sem a presença da mãe. Ou seja, ainda há dúvida a respeito da possibilidade de um pai ter direito a uma licença-maternidade.329

Na faina de responder à questão acima formulada, a categoria vulnerabilidade foi alçada juridicamente para açambarcar todos os seres humanos necessitados de proteção normativa por razão das vicissitudes da socialização. No entanto, apesar do guarda-chuva da vulnerabilidade ser o mote principal, pois, conforme o princípio da inércia, o judiciário não poderá resolver - ou tentar resolver - demandas criadas/buscadas por si mesmo, carece-se de melhor elucidação conceitual.

Maria do Céu Patrão Neves (2006, p. 158), no texto Sentidos da vulnerabilidade: característica, condição, princípio, assim assevera: ―Vulnerabilidade é uma palavra de origem latina, derivando de vulnus (eris), que significa ‗ferida‘. Assim sendo, a vulnerabilidade é irredutivelmente definida como susceptibilidade de se ser ferido.‖ Pessoas, assim, são feridas por construir a própria sexualidade de uma maneira transgressora das imposições sociais tradicionais.

Na busca de uma melhor fundamentação restritora encontra-se a questão da liberdade da própria sexualidade. Se na atualidade brasileira já se pode casar, mesmo tendo o chamado mesmo sexo, ainda se é deveras difícil mudar o sexo biológico registrado no nascimento. Dessa forma, o indivíduo que resolve ser livre das amarras de uma etiqueta imposta a respeito do próprio sexo biológico acaba por se vulnerabilizar em demasia por conta dos inúmeros obstáculos jurídico-

328 Segundo a Confederação Brasileira de Canastra (CBC), há dois tipos de cartas curinga, da seguinte maneira:

―Curingão – Serve para utilização em qualquer sequência, trinca de ases, canastra e trancar lixo; Curinguinha– Do mesmo naipe serve para utilização em qualquer sequência, trinca de ases, canastra suja e trancar lixo;‖ Os curingas são cartas que podem ser utilizadas como se fossem outras. Assim, a categoria da vulnerabilidade, conforme esposado no presente trabalho acadêmico, serve como um curinga a substituir e agregar categorias possivelmente litigiosas ou desencontradas.

329

Neste sentido, ainda hoje gera notícia quando um casal de homens consegue, administrativamente, sem rusgas judiciais, ter a aplicação do prazo da licença maternidade e a raridade de a dupla paternidade legal. Como aconteceu na notícia de Letícia Lins (2014), intitulada Casal homoafetivo em Recife consegue licença maternidade de 6 meses, cuja história narrada dos pernambucanos Mailton Alves Albuquerque e Wilson Alves Albuquerque, indica ter sido a primeira vez, in terras brasilis, que um casal homoafetivo consegiu ter a dupla paternidade reconhecida legalmente. Claudia Wallin (2014, p. 293), na obra Um país sem excelências e mordomias, falando a respeito do assunto na Suécia, versa da seguinte maneira: ―Na década de 1970, a Suécia foi o primeiro país a transformar a licença-

maternidade em uma licença parental, para a mãe e o pai da criança. Hoje, os pais reivindicam cerca de 20% de todas as licenças parentais, mas este número vem aumentando. Segundo as estatísticas, os homens suecos se afastam em média noventa e três dias do trabalho para ficar em casa com o bebê.‖

sociais.

A tessitura de uma norma, em uma democracia capitalista terceiro mundista, é cheia de reveses atrozes. Além da enorme incapacidade técnica e anseios mefíticos pensados como inerentes a alguns membros do legislativo brasileiro da atualidade do primeiro quartel do século XXI, há, em realidade, dificuldades próprias da escolha dos bens jurídicos a serem tutelados e quais grupos/humanos serão abrangidos pela dita norma - abstratamente e concretamente.

Dessa maneira, adolescentes, ciganos, crianças, idosos, índios, jovens, mulheres e outros grupos podem pleitear uma norma protetiva - reguladora e administradora - das suas vivências cotidianas por razões completamente diversas. Cada coletivo necessitará de filigranas normativas específicas, inerentes às peculiaridades das vulnerabilidades encontradas no viver social.

Os índios e ciganos, por exemplo, podem crer nas diferenças culturais como o mote fundamental para a criação de comandos normativos estatais para a proteção do próprio grupo. O conceito de pluralismo jurídico já indica a possibilidade de haver Direito legal dentro dos coletivos citados. Porém, faz mister a importância do Estado brasileiro criar as normas, abrangedoras de todos os membros do grupo no intento protetivo. O Estado deve, também, ser capaz de cuidar das pessoas vulnerabilizadoras de fora dos agrupamentos vulnerados para mantê-las afastadas – seguramente - ou mesmo impedi-las de repetir o comportamento vulnerabilizador frente aos vulnerabilizados.

Além de tudo, somente o Estado possui força estruturante burocrática suficiente para aplicar uma norma a alguém de fora do coletivo cuja força social para burlar, corromper e vulnerabilizar os grupos sociais citados mostrou-se imperiosa. Assim, as mulheres devem ser protegidas pelo Estado diante dos homens por que estes vulneram a relação. Os nordestinos, nos estados fora do nordeste, devem ser protegidos dos grupos neonazistas330 por que estes vulneram o contato e utilizam de violência na defesa das próprias idéias, causando desequilíbrio relacional.

Diante das complexidades atuais do mundo, nas quais os indivíduos se condensam em torno de minúcias culturais incapazes de serem ventiladas em sede normativa, a não ser por categorias próprias, é preciso cunhar uma categoria abrangedora das necessidades humanas, mesmo na ausência de comandos específicos e nominados. Assim, alguém que nasce no norte do estado de Minas Gerais tem as mesmas necessidades climáticas de quem vive no sudoeste do estado da Bahia, mesmo estando em estados-membros diversos e regiões políticas diferentes, respectivamente Minas

330 Segundo Enézio Silva Júnior (2011, p. 102), no escrito Diversidade sexual e suas nomenclaturas, os nazistas

perseguiram os homossexuais utilizando do aparelho estatal penal. Assim afirma: ―Em 1933, por exemplo, o Parlamento Alemão, o Reichstag, aprovou alterações no Código Penal alemão, introduzindo a tipificação da homossexualidade como crime contra o Estado – barbarismo histórico-legislativo já modificado e admitido pela Alemanha no ano de 2000.‖

Gerais e Bahia; sudeste e nordeste. A separação das pessoas em relação aos estados-membros não deve ser superior às necessidades oriundas do mesmo clima vivido.

Assim sendo, o Estado não exerce sua função garantística quando separa, por razão da região política ou por conta do estado-membro, pessoas em mesma situação fática de sofrimento por azo de separações não abrangedoras de mesmas necessidades. Dessarte, a categoria mulher é, na atualidade, protegida pela chamada Lei Maria da Penha, no Brasil. No entanto, dentro da categoria mulher há dificuldades conceituais pois não se sabe – muito se discute - , ainda, se as transgêneras devem ser abrangidas ou não pela norma citada. Por outro lado, uma mulher brasileira branca da classe inferior não se sente - e, em realidade, não é - protegida pelo Estado da mesma maneira que uma mulher branca da classe social máxima. Dessa forma, são juntadas pela categoria mulher e separadas pelo marcador da classe social.

Caso sejam mulheres, brancas, da mesma classe social podem ser separadas por uma origem incomum - filhas de imigrantes, por exemplo - ou por uma característica corporal qualquer - presença de dificuldades locomotoras, ex exempli gratia. Mulheres brancas podem se dividir em lésbicas e heterossexuais, por exemplo. Mulheres brancas lésbicas podem se dividir em feministas e não feministas, finalmente. Dessa forma, as divisões (des) agregadoras podem replicar ad infinitum.

Destarte, por conta das identidades diversas, cada ser humano é único e quando é agrupado sempre terá algo de diferente de outras pessoas com capacidade de ser extirpado do grupo por motivos ideológicos. Neste sentido, as mulheres se unem por serem mulheres, porém as mulheres negras precisam de normas combinadas ou normas próprias pelas especificidades existentes em diferença às mulheres brancas - estas, menos vulnerabilizadas em âmbito social em relação àquelas.

O Estado, assim, deve fazer as combinações e adaptações sempre calcado em uma categoria unidora de todas as outras, para que não haja necessidade de criação de normas e subnormas específicas a todo momento pois sempre haverá uma nova classificação a ser pensada em âmbito social. Quando uma nova taxonomia surgir, a vulnerabilidade deve servir como norte organizador da importância de atuação estatal no processo infindável de igualização dos diferentes.

O presente trabalho defende a categoria vulnerabilidade como possuidora de todas as características possíveis de aplicação de uma norma já existente melifluamente. A vulnerabilidade, como categoria regente da normatização e aplicação do Direito estatal, resolve, com perfeição, os problemas encontrados na aplicação e regulamentação das normas de classificações diversas. Crianças, jovens, negros, mulheres e demais grupos são concordes e uníssonos em afirmar a opressão vivida no cotidiano. As mulheres, ad exemplum, estão sendo subjugadas,331 de diversas

331

Neste sentido, Gerda Lerner (1990, p. 317), no livro A criação do patriarcado (Tradução nossa), em espanhol La creación del patriarcado, expressa uma das facetas do porquê da opressão das mulheres na sociedade da seguinte

maneiras, há muito na história da humanidade.

No entanto, caso se elenque a categoria mulher para estudo e normatização legal, se notará, de diversas formas, que a classe social poderá separá-las de maneira antitética, como já versado. Assim, mulheres ricas têm quereres bem diversos das mulheres pobres. Mulheres negras têm suas próprias peculiaridades sociais, necessárias de empenho e dedicação, por parte do construtor do Direito, em referência às mulheres brancas.332

A categoria negro, em mesmo sentido, elenca subcategorias capazes de separar o grupo em desejos diferentes perante si mesmo e a sociedade. Um negro – pessoa de pele escura - nordestino vive uma vida completamente diversa de um negro – pessoa com a mesma tonalidade de pele que o nordestino - adotivo, filho de brancos escandinavos, criado na Europa com educação formal esmerada. As vidas são, plenamente, diversas, apesar de muitas identidades comuns. Talvez a possibilidade de diálogo sem dissonância esteja, justamente, na cor da pele e origem ancestral.

Uma terceira categoria possível de proteção por parte do Estado é a homossexualidade. Neste comenos, o homossexual homem é bem diferente da homossexual mulher. As peculiaridades de ambos são bem diversas para serem abrangidos no mesmo guarda-chuva categórico e não lograr algum reflexo pernicioso. Em mesmo sentido, homossexuais homens brancos, negros, pobres, ricos. Portanto, as categorias são imensas e tão diversas, por razão das identidades humanas, que seria impróprio tentar criar uma legislação para cada uma, apesar de ser, a princípio, algo benéfico no cuidado protetivo do grupo oprimido. A humanidade, a cada momento, inventa novas categorias gerando uma paleta infindável de tonalidades possíveis. Além das criações do mercado capitalista para vender produtos, conforme já visto em seção precedente. No entanto, a vulnerabilidade atravessa horizontalmente todas as categorias e subcategorias sem necessitar do conceito exato discutido no campo acadêmico.

Dessa forma, bastará comprovar a vulnerabilidade - vulneração, estado de vulnerados -

maneira: ―As mulheres têm participado durante milênios nos processo de sua própria subordinação porque elas são moldadas psicologicamente para que interiorizem a idéia de sua própria inferioridade.‖ (Tradução nossa) No original está assim marcado: ―Las mujeres han participado durante milenios em el processo de su propia subordinación porque se las há moldado psicologicamente para que interioricen la idea de su propia inferioridade.‖ Por claro, as mulheres são plenamente capazes de vencer a imposta vulnerabilização sem precisar perder a identidade comum. No entender de Mary Dietz (1994, p. 19), no texto Cidadania com cara feminista (Tradução nossa), em espanhol Ciudadanía con cara feminista, a luta das mulheres deve se dar através da luta política: ―Estamos descobrindo que as mulheres tem sido e seguem sendo capazes de politizar-se a si mesmas, sem perder a alma.‖ Em língua espanhola: ―Estamos descubriendo que las mujeres han sido y siguen siendo capaces de politizarse a sí mismas, sin perder el alma.‖

332 Don Kulick (2008, p. 243), na obra Travesti, assim versa a respeito do assunto ventilado: ―[...] uma mãe negra pobre,

uma mulata prostituta e uma mulher branca e empresária rica variam radicalmente, embora todas partilhem do mesmo gênero;‖ Djalma Thürler (2011, p. 05), no artigo A desguetificação da cultura guei, assim indica: ―Seguindo esse raciocínio, o grupo cultural formado por lésbicas, gueis, bissexuais, travestis e transexuais, identificados comumente através da sigla LGBT procura traçar linhas que desenhem suas peculiaridades identitárias, mas, sem perder de vista que, cada grupo, dentro dessa sopa de letrinhas, possui ainda suas próprias características.‖ (Grifos nossos)

para que o Estado tenha a obrigação lógica e ética de proteger, através das instâncias formais, o grupo focado no ensejo de reequilibrar, através de a normatização, dentro dos limites possíveis, a relação social desequilibrada encontrada entre opressores e oprimidos ou a aplicação de norma existente no azo de gerar equilíbrio das relações. Ultrapassa-se, assim, o dizer de Maria do Céu Patrão Neves333 (2006, p. 169), no texto Sentidos da vulnerabilidade: característica, condição, princípio, pois, além de um princípio ético a formular uma obrigação de ação moral, carece-se de atuação através da força jurídica na busca de uma sociedade igualizada.

Assim, levando em consideração a importância da categoria operacional defendida no presente trabalho, o Relatório do desenvolvimento humano 2014 (2014, p. VI), no prefácio de Helen Clark, elucida a respeito de um dos objetivos da ampla pesquisa realizada pelo PNUD em todo o planeta: ―Identifica os grupos de indivíduos ‗estruturalmente vulneráveis‘, que são mais vulneráveis do que outros em razão da sua história ou da desigualdade de tratamento de que são alvo pelo resto da sociedade.‖

3.5.3 Críticas à utilização da categoria vulnerabilidade quanto às sexualidades humanas

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