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O conceito de transexualidade elaborado na atualidade

81 2.3.3 As sexualidades e seus reflexos corporais nas várias fases da vida humana: algumas

3 A NOMENCLATURA JURÍDICA A RESPEITO DAS SEXUALIDADES HUMANAS NA ATUALIDADE

3.3 O CONCEITO DE TRANSEXUALIDADE E SUA RELAÇÃO COM O DIREITO

3.3.1 O conceito de transexualidade elaborado na atualidade

A palavra transexualismo, com o sufixo ismo deve ser extirpada do discurso a respeito das sexualidades. Isto porque o sufixo citado é usado, padronizadamente, em referência às doenças. A transexualidade circunscreve-se, como uma parte da sexualidade, a todos os matizes a respeito do transexual. No entanto, a palavra transexualismo denota, especificamente, uma doença da pessoa transexual.

Todavia, ainda nos dias atuais, por completa ignorância no assunto, os chamados construtores do Direito insistem em utilizar termos equivocados, eivados de vícios, mazelas, máculas e nódoas, capazes de conspurcar os conceitos de maneira inabalável gerando miasmas modificadores dos pensamentos e raciocínios.

Todos os seres humanos podem findar doentes em/na vida. Não é uma constante perene a vida saudável. Afinal de contas, respirar e viver em uma cidade poluída de metais pesados oriundos da queima de combustíveis fósseis, consumir água e comida contaminadas, dinamizar a própria vida em um ritmo alucinante acabam gerando inúmeras doenças, como alergias diversas, obesidade e pressão alta. Mas, as possibilidades fenomênicas em derredor da própria sexualidade - escolha do parceiro sexual, atividades sexuais, identificação de gênero, como exemplos - não são patológicas, a não ser quando causam mazelas aos indivíduos.

Ou seja, algum aspecto da sexualidade somente será uma doença quando enfraquecer a pessoa e a sociedade, nunca quando as fortalecer - fisicamente, mentalmente, socialmente e espiritualmente - , levando-se em consideração o conceito de saúde para a OMS, a ser mostrado a posteriori, já ultrapassado pelos novos estudos a respeito da saúde humana. Porém, utilizado como mínimo para entendimento da impossibilidade de identificar a transexualidade como uma patologia faz mister repisar o conceito para uma primeva explicitação.

Dessarte, se deve utilizar o termo transexualidade, por razão da inexistência de qualquer espécie de doença ao redor da temática. Segundo a OMS, a saúde é o: ―pleno bem estar físico, mental, social e espiritual.‖240 Dessa forma, a transexualidade não é um desajuste do sexo, mas sim um querer identitário diferente do sexo biológico atribuído no nascimento – sexo de partida. Perfeitamente adaptável aos indivíduos viventes em sociedade, pois não gera déficit em nenhum dos aspectos abordados no conceito citado, a quem quer que seja. Por outro lado, os desequilíbrios e desarmonias são similares aos vividos por cada ser humano na busca da própria identidade. Ao revés, ter-se-ia de admitir que a adolescência é uma doença, porquanto gera inúmeros problemas a todas as pessoas, muita vez.

Assim, ainda alinhavando a respeito de palavras, o termo adequado aos atos de adaptação do corpo à identidade de gênero pretendido não pode ser mudança de sexo. Isto porque não há somente dois sexos, como se apreende invisivelmente desde a mais tenra infância da socialização humana - sem dúvida, o pior dos controles sociais acontece difusamente.

O macho/masculino e a fêmea/feminino são uma tradição equivocada. O macho e a fêmea, normalmente, são restritos ao biológico241 enquanto o masculino e feminino são circunscritos ao social. Não há, na atualidade, por que atribuir peso a maior no tangente ao biológico do que ao cultural. Dessa forma, uma pessoa, mesmo nascida sob o epíteto de um determinado sexo biológico, caso tenha uma identidade de gênero diversa deve, necessariamente, ser tratada como bem lhe aprover através da construção em/na vida/viver.

Maria Cristina Poli (p. 286), no texto A medusa e o gozo, indica acertadamente:

O que significa reconhecer nesta tradição uma forma de organização do universo representacional, centralizado em um único significante ordenador, a partir do qual se estabelecem pares opositivos. Bem e mal, branco e preto, positivo e negativo, masculino e feminino, etc. são formas derivadas de uma cultura estabelecida sobre o princípio monoteísta: um deus, um nome, um lugar pleno ou vazio — formas equivalentes nesse contexto — de onde derivam todas as significações, a partir de

240

A OMS assim expressa a respeito do conceito: "A Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de doenças ou enfermidades." A citação é do Preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde, que foi adotada pela Conferência Internacional de Saúde, realizada em Nova Iorque, de 19 de junho a 22 de julho de 1946, assinado em 22 de julho de 1946, pelos representantes de 61 Estados (Registros Oficiais da Organização Mundial de Saúde, n. 02, p. 100), e entrou em vigor em 07 de abril de 1948. A definição não foi alterada desde 1948.‖ (Tradução nossa) Em espanhol: "‗La salud es un estado de completo bienestar físico, mental y social, y no solamente la ausencia de afecciones o enfermedades.‘ La cita procede del Preámbulo de la Constitución de la Organización Mundial de la Salud, que fue adoptada por la Conferencia Sanitaria Internacional, celebrada en Nueva York del 19 de junio al 22 de julio de 1946, firmada el 22 de julio de 1946 por los representantes de 61 Estados (Official Records of the World Health Organization, Nº 2, p. 100), y entró en vigor el 7 de abril de 1948. La definición no ha sido modificada desde 1948.‖ Disponível em: <http://www.who.int/suggestions/faq/es/>. Acesso em: 18 fev. 2015.

241 Conforme elenca Paulo Bezerra (2012, p. 376-377), no texto Direitos humanos e relações de gênero, da seguinte

maneira: ―Nesse passo, macho e fêmea são realidades naturais, enquanto que homem e mulher são conceitos culturais.‖

onde se determina o valor de todas as coisas.

Nesse ínterim, o macho e a fêmea acabam sendo posicionamentos biologizados. Ter pênis e vagina findam por definir - em caráter fixo - na sistemática jurídica, a opção registral por alcunhar uma pessoa de homem ou mulher - e esperar dessa pessoa a correspondência de masculino/homem e feminino/mulher. Pouco importa, dessa maneira, a identidade de gênero perante a vida e o viver na qual o ser humano se circunscreve, após o nascimento.

Desta forma, importante indicar a impossibilidade, na atualidade do viver pós-moderno, de uma definição inabalável das sexualidades - como um estado perene e imutável. Dessarte, os seres humanos podem mudar o próprio estado sexual - porque identidade de gênero a ser construída242 e desenvolvida da própria identidade humana - direito fundamental de todo ser humano a ser quem se é e habitar o próprio corpo - diante da vida e do viver.

O Direito - em todo o planeta - deve organizar as novas mudanças, em derredor das sexualidades, no azo de entender e aplicar as melhores normatizações capazes de densificar os princípios basilares de uma sociedade global diferente, plural e democrática. O Direito brasileiro deve, como imperativo de suas próprias funções pacificadoras, ser emancipador das dores, sofrimentos e angústias existenciais, segundo a CF. A identidade de gênero deve ser primordial na escolha do próprio estado sexual registral.

A atualidade das pesquisas leva a crer não existirem somente o homem e mulher como basilares das escolhas humanas, apesar da sistemática jurídica brasileira somente possuir o binarismo homem-mulher como escolha possível243 quando do nascimento da pessoa - não há uma terceira opção a ser feita no Brasil. Assim como, não existe somente o feminino ou masculino - como definição de gênero - , mas uma paleta infinda de cores possíveis.

Dessarte, na atualidade, pode-se conceituar a transexualidade como a afirmação da própria identidade de gênero não correspondente ao dito sexo biológico determinado quando do nascimento244 - sexo de partida. Isto porque, na seara jurídica brasileira, somente existem dois sexos

242 Dessa forma, o autor do presente trabalho acadêmico se filia às teorias construtivistas das sexualidades. 243 Portanto, quando há dúvida a respeito, quase sempre o médico é instado a escolher o sexo biológico do rebento.

Ratificando, dessa maneira, o discurso biomédico como legitimado na escolha das próprias subjetividades humanas vindouras. A equipe multisciplinar funciona, neste contexto, como ―o médico‖.

244 O conceito aqui esposado de transexualidade não é correto porque não existe somente homem e mulher - naturalmente falando - senão o dito homem cultural e a dita mulher cultural. Logo, não existem invertidos ou desviantes. Não existe feminino e masculino, senão marcados pela cultura. Miriam Ventura (2010, p. 14), no livro A transexualidade no tribunal, indica que: ―O transexualismo é considerado, neste livro, um tipo de dispositivo da sexualidade.‖ Dessa forma, não se tem como conceituar transexualidade sem cair nas amarras de um falso conceito de homem e mulher por conta da questão normativa e naturalizadora. Neste sentido, Marcos Benedetti (2005, p. 26), no livro Toda feita, ventila a questão da seguinte forma: ―A noção de que o fenômeno da transformação de gênero se resumiria à fórmula ‗ alma/mente de mulher em corpo de homem‘ é ainda corrente em boa parte da produção teórica sobre o assunto, especialmente no âmbito das ciências médicas e psicológicas.‖ No entanto, para um entendimento

registrais. Dessa forma, a pessoa transexual tem identidade de gênero tida como diversa do sexo biológico determinado quando do nascimento e a afirma como fundamental para a área jurídica, requerendo ajuste do quanto vivido.

Tiago Duque (2011, p. 37), na obra Montagens e desmontagens, versa a respeito do conceito de transexual sem a noção de patologia, senão se veja: ―Reconheço transexual como o sujeito que reivindica o reconhecimento do gênero com o qual se identifica, não do gênero que lhe foi atribuído.‖ Assim sendo, não há um sexo ou gênero a ser determinado por conta do nascimento com um corpo específico, a não ser com a pecha de provisoriedade no espeque protetivo.

Neste sentido, Judith Butler (2008, p. 40), na obra Problemas de gênero, marca a questão do binarismo histórico claudicante assim: ―Essa aparência se realiza mediante um truque performativo da linguagem e/ou discurso, que oculta o fato de que ‗ser‘ um sexo ou um gênero é fundamentalmente impossível.‖ Assim, todos os sexos e gêneros são separados em lados estanques artificialmente pois há mesclas várias.

Mas, aceitar a extinção de uma tradição milenar na vida dos seres humanos - binarismo sexual - é de dificílima monta. Por isso, oficialmente nos documentos médicos, conforme indica Miriam Ventura (2010, p. 77), na obra A transexualidade no tribunal, a transexualidade é uma doença. Afinal, a autoridade científica está presente no conceito de transexualidade. Assim, documentos internacionais carregam os tons a respeito da patologia das identidades trans.245

Dessa forma, a transexualidade246 deve ser tida, pela sistemática jurídica, como uma identidade de gênero perfeitamente capaz de ser protegida quando assim houver necessidade. Mesmo por que a Pós-modernidade aborda a questão identitária de maneira bem diversa dos tempos passados. A atualidade dá à corporeidade uma quase ilimitação modificativa. Assim, a chamada identidade humana, na chamada Pós-modernidade é, conforme os dizeres de Stuart Hall (2005, p. 13), no seu livro A identidade cultural na pós-modernidade, construída de maneira diversa dos tempos de antanho, pois, segundo o autor: ―É definida historicamente, e não biologicamente.‖

Neste ínterim, importante estudar a respeito do discurso de patologização da transexualidade no Direito brasileiro para o entendimento de como o discurso atual vulnerabiliza, ainda mais, os indivíduos por razão da pretensão de viver a própria identidade de gênero diferente ao quanto imposto em tenra idade por controles externos aos próprios quereres.

inicial, na área jurígena, por necessidade de organizar os seres humanos nas inúmeras relações sociais, o conceito a ser construído deve partir do entendido acima. No entanto, caso a pessoa seja tida como um intersexual o conceito, acima citado, perde sentido pois não haverá transição alguma.

245 Trans são todos os seres humanos desafiadores do binarismo sexual enraizado na sociedade que pretendem migrar

daquilo que lhes foi imposto para um posicionamento querido diante da própria identidade de gênero.

246 Luiz Alberto Araujo (2000, p. XIII), no seu A proteção constitucional do transexual, faz coro do respeito a ser

fincado em relação aos seres humanos tidos como transexuais. Dessa forma, afirma: ―Nosso estudo pretende, portanto, ser um libelo democrático em defesa de minorias, no caso, os transexuais.‖

No entanto, antes de indicar o porquê da patologização da transexualidade no discurso jurídico, faz mister indicar algumas alternativas aos binarismos elencados no corpo do presente texto. Conforme se verá na próxima seção, há inúmeras tonalidades a respeito das sexualidades bem diferentes às encontradas na civilização ocidental atual. Explicite-se que, por motivo metodológico, se seguirá versando a respeito do quanto já aduzido a respeito do sexo biológico, orientação sexual e gênero – identidade e expressão - , mesmo não havendo uma correspondência exata em muitas localidades.

Entretanto, apenas se inferirá a respeito das elencações demonstrativas como pessoas transgêneras stricto sensu. Assim, não se fará a classificação dos exemplos citados no tangente a fazerem parte das conceituações de transexualidade ou travestilidade pois conceitos ocidentalizados e historicizados não devem servir como matriz definitória para pluralidades de vivências e performances a respeito das sexualidades de maneira padronizada mundialmente.

3.3.2 Exemplos de localidades nas quais há uma organização social e/ou jurídica violadora do

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