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Críticas à utilização da categoria vulnerabilidade quanto às sexualidades humanas Importante indicar algumas críticas a respeito de a possibilidade de utilização da categoria

81 2.3.3 As sexualidades e seus reflexos corporais nas várias fases da vida humana: algumas

3 A NOMENCLATURA JURÍDICA A RESPEITO DAS SEXUALIDADES HUMANAS NA ATUALIDADE

3.5 REFLEXOS PENAIS DA IDENTIDADE DE GÊNERO HUMANA: A QUEBRA DO PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE NA UTILIZAÇÃO DO TERMO ―MULHER‖ NA

3.5.3 Críticas à utilização da categoria vulnerabilidade quanto às sexualidades humanas Importante indicar algumas críticas a respeito de a possibilidade de utilização da categoria

vulnerabilidade. Uma primeira crítica está calcada na posição vitimizante dos grupos perante um possível opressor. Havendo uma vitimização das mulheres, por exemplo, perante um possível algoz se perguntaria quem é o carrasco. Possivelmente, a resposta seria o homem - ou, no plural, os homens. No entanto, mesmo havendo a pronta resposta, percebe-se a manutenção da sistemática patriarcal por homens e mulheres ao longo da história da humanidade com reflexos sociais e, especificamente, jurídicos.

Dessa forma, o não encontro, facilmente, dos opressores poderia levar a crer na fragilização do conceito de vítima, deixando o termo vazio de sentido jurídico e social. Poder-se-ia perguntar como uma mulher poderia ser vítima de outra mulher em um regime patriarcal, por exemplo. Ocorre que o Direito deve render loas à igualdade, como um postulado aplicativo de todas as normas jurídicas em qualquer âmbito. Dessarte, a busca da concreção fática da igualdade deve ser sempre um mote de todo aplicador crítico do Direito.

Pode acontecer, por hipótese, que haja um litígio jurídico entre dois membros de grupos nos quais haja legislação específica protetiva. Assim, uma mulher, de trinta anos de idade, por exemplo, ao entrar em luta corporal com seu marido de sessenta e cinco anos de idade fará uma

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O extrato do texto citado é o seguinte: ―Assim sendo, o aspecto fundamental da afirmação da vulnerabilidade como princípio ético é o de formular uma obrigação de ação moral.‖

dúvida aplicativa das normas jurídicas brasileiras. Neste caso em comento há uma dificuldade jurídica primordial pois haverá dúvida de qual norma deve ser aplicada quando há dois comandos capazes de proteger ambos os lados, quais sejam, a Lei Maria da Penha e o Estatuto do Idoso.

Por conta somente das categorias elencadas, não se dá motivo a uma escolha técnica- racional pois a simples elucidação de quem é quem não resolve - nem mesmo se inicia a resolução - de qual norma deve ser aplicada e o porquê. Elucidando o quanto dito, Heleieth Saffioti (2000, p. 72), no texto Quem tem medo dos esquemas patriarcais do pensamento?, indica: “A sociedade não comporta uma única contradição. Há três fundamentais, que devem ser consideradas: a de gênero, a de raça/etnia e a de classe.‖ Dessa forma, é preciso pensar em conjunto para se aferir maior dose de confiabilidade decisional.

Um grupo está circunscrito às mulheres e o outro coletivo referente aos idosos, cada um com características próprias e restrições respectivas. Não se poderá cindir o processo por conta de ser o mesmo fato a ser julgado. Como escolher – logicamente e com calque na ética da busca da igualização entre os seres humanos - qual a norma a ser aplicada334 somente com base nas categorias acima ventiladas?

A resposta está na verificação de quem, no caso concreto em questão, é mais vulnerável – vulnerado,335 está em estado de vulnerabilização - e precisa ser protegido. Assim, se o idoso não se locomove com rapidez, mostra-se sem poder trabalhar e tem outras debilidades e deficiências, mostra-se, no caso específico, mais vulnerável frente à mulher - mesmo havendo sabedoria de sua situação de mulher em uma sociedade patriarcal, machista, sexista e opressora.

Por outro lado, pode-se aduzir uma visão sex-blind336 do conceito de vulnerabilidade em

334 Deve-se levar em consideração a existência de normas processuais com capacidade de definir qual o foro competente

sem arrimar-se na discussão aqui esposada. Por outro lado, a própria norma poderá indicar a sua aplicação quando houver conflito aparente de normas.

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Miguel Kottow (2012, p. 28), em um viés bioético, no escrito Vulnerabilidade entre direitos humanos e bioética (Tradução nossa), em língua de origem Vulnerabilidad entre derechos humanos y bioética, define o conceito, fazendo uma diferenciação com pessoas vulneradas, da seguinte forma: ―No entanto, para fazer valer essas diferenciações, seria preferível reservar a vulnerabilidade como atributo antropológico geral e reconhecer como vulneradas ou feridas as pessoas que, tendo perdido sua integridade, já não são frágeis e potencialmente lesáveis, senão de fato e concretamente enfraquecidas.‖ No original: ―No obstante, para hacer valer estas diferenciaciones, sería preferible reservar la vulnerabilidad como atributo antropológico general y reconocer como vulneradas o mulcadas a las personas que, habiendo perdido su integridad, ya no son frágiles y potencialmente dañables, sino de hecho y concretamente desmedradas.‖ Miguel Kottow (2011, p. 92), no artigo Anotações sobre a vulnerabilidade (Tradução nossa), em espanhol Anotaciones sobre vulnerabilidade, assim define a respeito da diferença aduzida: ―Portanto, vulnerável implica a capacidade ou potencialidade de ser afetado por uma ação vulneradora. Uma vez produzida a vulneração, o afetado deixa de ser vulnerável e se converte em vulnerado, danificado, feridos ou, "mulcado" [neologismo derivado de mulco = danificado] (Kottow, 2007).‖ (Tradução nossa) No original está assim grafado: ―Por consiguiente, vulnerable implica la capacidad o potencialidad de ser afectado por una acción que vulnera. Una vez producida la vulneración, el afectado deja de ser vulnerable y se convierte en vulnerado, dañado, herido o, ―mulcado‖ [neologismo derivado de mulco =dañado] (Kottow, 2007).‖

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Interessante reflexão a respeito da categorização sex-blind ocorre em Heleieth Saffioti (2009, p. 03), no texto Ontogênese e filogênese do gênero: ordem patriarcal de gênero e a violência masculina contra as mulheres.

relação, justamente, às sexualidades. Por esta crítica, não haverá reconhecimento ou visibilização dos movimentos protetivos das pessoas com fulcro nas sexualidades quando se muda o foco para a questão da vulnerabilidade. Assim, por este pensamento, seria importante que a sociedade conhecesse e divulgasse todas as formas existentes da criativa paleta de cores contidas nas sexualidades.

A crítica é vertical e alcança a profundeza de toda a discussão disposta nas presentes linhas. Realmente, não se pergunta das sexualidades quando se tenta encontrar o estado de vulnerabilização humana, por alguma razão. O magistrado que busca saber quem é o mais vulnerável não discutirá – necessariamente - a respeito do conceito de gênero. Por este pensamento, a construção das categorias sexuais e a sua visibilidade social estarão diminuídas pela aplicação do conceito de vulneração.

No entanto, importante frisar, não há um cotejo real entre conceitos categoriais da sexualidades quando da aplicação de uma dada norma, mesmo que se refira, especificamente, a algum aspecto das sexualidades. Dessa maneira, a lei Maria da Penha é aplicada na proteção às mulheres diante dos homens e não há uma discussão do conceito de mulheres quando da aplicação, apesar de ser levado em consideração. Não se sabe se as trans estão ou não abrangidas pela norma por conta disso.

Por outro lado, proteger a criatividade das categorias das sexualidades, através da criação de normas diversas, além de muito difícil - quiçá impossível, por todos os motivos já demonstrados – fixa bases sólidas na mantença da proteção da categoria de forma isolada – sem considerar as possibilidades fluidas de interpenetração categorial das vulnerações. Dessa maneira, o conceito de vulnerabilidade poderá ensejar uma versatilidade aplicativa na proteção aos indivíduos, mesmo tendo doses enormes de perspectiva sex-blind ou gender-blind.

O trabalho de visibilidade337 social das categorias sexuais não deve ser confundido com o reconhecimento do ordenamento jurídico da existência e necessidade de proteção normativa da categoria. Segundo Leandro Colling (2007, p. 221), no texto Personagens homossexuais nas telenovelas da rede globo, falando a respeito da visibilidade dos gays nas telenovelas da Rede

337 Segundo Virginia Vargas Valente (2000, p. 188), no texto Uma reflexão feminista da cidadania (Tradução nossa),

em espanhol Uma reflexion feminista de la cidadanía, o reconhecimento dos direitos deve ser o primeiro passo – mas, não o único - na busca por uma densificação do princípio da igualdade entre os seres humanos, senão se veja: ―Isso implicaria pressionar e negociar não só pelo reconhecimento da titularidade dos direitos, mas também para que gozem de garantias através de mecanismos, estruturas e instituições de poder que os respaldem.‖ (Grifos nossos e tradução nossa) Em língua espanhola: ―Ello implicaría presionar y negociar no solo por el reconocimiento de la titularidad de los derechos, sino porque gocen de garantías a través de mecanismos, estructuras e instituciones de poder que los respalden.‖ Conforme Leticia Sabsay (2014, p. 40), em entrevista intitulada Des-heterossexualizar a cidadania é ainda um frente de batalha, oferecida a Andrea Lacombe e Emma Song, a invisibilidade dos quereres dos mais vulnerados é insofismável: ―As agendas dos grupos mais vulneráveis ou daqueles que desafiam questões mais profundas, relativas à moralidade sexual, são sempre deixadas para depois.‖

Globo de Televisão, o movimento social é fundamental para a visibilização da categoria sexual dos gays e das lésbicas: ―Ou seja, esta visibilidade alcançada também pode ser considerada fruto de um trabalho incessante dos movimentos gays e lésbicos espalhados pelo mundo, que romperam a barreira dos guetos e da invisibilidade e passaram a exigir mais respeito e seriedade.‖ (Grifos nossos)

O reconhecimento social dos mais vulnerados deve ser mencionado e replicado por todos os atores sociais para que haja base sólida de fundamentação da proteção a ser empreendida diuturnamente. Neste sentido, é salutar a preocupação da deputada Laura Carneiro, através do projeto de lei n. 379/2003, que institui o dia 28 de junho como o Dia Nacional do Orgulho Gay e da Consciência Homossexual, da deputada Fátima Bezerra, diante do projeto de lei n. 81/2007, o qual aduz o dia 17 de maio como o Dia Nacional de Combate à Homofobia e da deputada Cida Diogo, conforme o projeto de lei n. 2.000/2007, no qual elenca o dia 29 de agosto como o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica.

Não há nenhuma dúvida da vulneração das categorias gays e lésbicas. Conforme Thierry Delessert e Michaël Voegtli (2012, p. 122), no opúsculo Homossexualidades masculinas na Suíça (Tradução nossa), em francês Homosexualités masculines en suisse, versando a respeito da invisibilidade e vulnerabilidade das pessoas humanas por razão das sexualidades: ―Gays e lésbicas são assim juntados às pessoas bissexuais, invisíveis há muito tempo na preocupação da luta, da mesma maneira de outras formas de diversidade sexuais: as (os) travestis, transgêneros, as (os) transexuais, intersexos.‖ (Grifo nosso e tradução nossa)338

Confessadamente, a invisibilidade da categoria gênero pode, em realidade, ser açulada pela presença e aplicação da categoria vulnerabilidade em âmbito jurídico. O reconhecimento social é necessário, sem dúvida, para basear a categoria de gênero e todas as categorias - ou subcategorias - reflexas, já aduzidas no presente escrito. A categoria gênero não pode ou deve ficar invisível, enterrada em guetos ou locais determinados.

Mas, a dificuldade normativa é patente, conforme demonstrado com a resolução n. 01, conjunta do CNPCP do CNCD/LGBT, já falada algures. Conceitos de categorias sexuais – ultrapassados e discutíveis - são introduzidos na ambiência jurídica e serão utilizados na defesa dos mais vulnerados. Entretanto, haverá – como há nas discussões acadêmicas a respeito das categorias sexuais – dúvidas que não serão respondidas e poderão gerar dor e sofrimento para pessoas humanas já sobejamente vulneradas e não incluídas nas listas respectivas de quem deve ser

338 O original foi impresso da seguinte maneira: ―Aux gays et lesbiennes se sont ainsi joints les personnes bisexuelle,

longtemps invisibles au sein de la lutte, de même que d´autres formes de la diversité sexuelle: travesti (e)s, transgenres, transexuel (le)s, intersexes.‖

protegido.

Finalmente, a presença de múltiplas categorias e a dificuldade – perfeitamente cabível – de diferençações entre as categorias gera dificuldades insofismáveis ao concretor do Direito na defesa dos indivíduos contidos nas categorias ventiladas. Por isso, o chamado Eixo comum de equivalência, conforme Laclau e Mouffe, apud Stuart Hall (2005, p. 86), no livro A identidade cultural na pós-modernidade, finda por unificar aquilo que está diferente, diverso, antagônico. A vulnerabilidade, assim, de alguma forma - ao menos discursivamente - , une todas as categorias em um mesmo lamiré. Deve, portanto ser utilizada conjuntamente na indicação da carência de intervenção estatal para proteger aos mais necessitados.

4 OS DIREITOS DE PERSONALIDADE E AS SEXUALIDADES HUMANAS NO MUNDO

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