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81 2.3.3 As sexualidades e seus reflexos corporais nas várias fases da vida humana: algumas

2.1 O CONCEITO DE SEXUALIDADES HUMANAS E SUA RELAÇÃO COM A SISTEMÁTICA JURÍDICA

2.2.1 A sexualidade na pré-história

A sexualidade, no tempo dos humanos ainda não classificados como homo sapiens sapiens, tinha uma função primordial de sobrevivência da espécie - a união dos grupos fazia-os mais fortes na coleta de alimentos e no combate com vicissitudes. Ou seja, na luta com outras espécies de animais ou outros grupos humanos - e a própria natureza - água, fogo, neve - o maior número de integrantes era algo positivo. A seleção natural da espécie é, dessarte, calcada na geração da prole. Os seres humanos dos tempos atuais são filhos geracionais das espécimes mais esquecidas ao longo do tempo.

No entanto, o entendimento não é restrito, unicamente, à sobrevivência da espécie. O macho mais forte fisicamente, inteligente, arguto consegue fecundar o maior número de fêmeas possível, legando os seus genes para outros seres, dando, assim continuidade genética dos seus aspectos positivos. O século XIX, através de Charles Darwin (2003, p. 93), no livro A origem das espécies, e sua teoria a respeito da evolução dos seres vivos, expressa tal empreitada com o termo mais capaz expondo que a seleção natural nada mais é que uma seleção sexual das espécies.

Assim, a sexualidade dos seres vivos é que seleciona os mais capazes a legar à prole os próprios genes. Através do sexo com outros e a geração de filhos, seres vivos mostram que são mais capazes que outros. Assim, Charles Darwin (2003, p. 102), na obra A origem das espécies, elucida da seguinte maneira: ―Esta forma de seleção não depende da luta pela existência com outros seres organizados, ou com as condições ambientes, mas da luta entre os indivíduos de um sexo, ordinariamente os machos, para assegurar a posse do outro sexo.‖ (Grifos nossos)

Além disso, na pré-história da humanidade, os seres humanos ainda não tinham conhecimento que era o macho26 da espécie quem fecundava a fêmea. Neste sentido, a fêmea27 era

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Existem inúmeros registros arqueológicos a respeito da sexualidade desde tempos vetustos. Segundo Lúcia Pinho (2009, p. 01), no texto História da sexualidade feminina, tem-se que: ―Os registros sobre a sexualidade humana são pré-históricos.‖

26 Neste sentido, Katia Krepsky Valladares (2002, p. 19), na Dissertação de Mestrado intitulada Sexualidade: Professor que cala...nem sempre consente, assevera: ―De acordo com a obra de Tannahil (1983), a família pré-histórica se centralizava na mulher pois o relacionamento maternal era o único distintamente demarcado. O papel do homem

tida como sagrada pois ainda não se sabia da necessidade dos machos para que houvesse o surgimento de uma nova criança - acreditava-se que eram os deuses quem fecundavam28 as fêmeas. Dessa maneira, até esse período, o sistema humano era matriarcalizado,29 tendo a fêmea humana liderança no grupo.

Nota-se a importância das mulheres em relação aos grupos nos quais as ligações familiares davam-se coletivamente. Os homens faziam sexo com as mulheres livremente, não havia, ainda, o casamento monogâmico. Dessa maneira, somente se tinha convicção das mães e não dos pais das crianças. Portanto, os agrupamentos estabeleciam uma ascendência pautada nas mulheres30 – linhagem matrilinear.

Quando os homens descobriram que eram eles quem fecundavam31 a fêmea, e que estas dependiam deles para gerar um novo bebê, houve, por reflexo, o início do patriarcalismo falocêntrico, a posse da fêmea para si mesmo ou para o grupo e as lutas de poder no afã de fecundar o maior número de mulheres possível. O patriarcado,32 neste sentido, é o sistema pelo qual os homens dominam as mulheres e impõem valores e comportamentos.

na procriação só foi descoberto posteriormente, no estágio em que as civilizações passam a viver de forma sedentária.‖

27 Portanto, Lúcia Pinho (2009, p. 03), no texto História da sexualidade feminina, assim aduz: ―A mulher é considerada

por eles como um ser sagrado, uma vez que o papel de gerar outros seres cabe a elas.‖ e ―A representação ancestral do

feminino como origem do mundo não configurou apenas os mitos de criação posteriores, mas em todas as

civilizações, como está na raiz das figuras mitológicas de Isis, Afrodite, Vênus, Isthar e Baalar.‖ (Grifos nossos)

28 Neste sentido, Lúcia Pinho (2009, p. 04), no texto História da sexualidade feminina.

29 Há, na atualidade, seres vivos vivendo em regime matriarcal. Anchyses Jobim Lopes, no texto O primata perverso polimorfo (p. 03) assim afirma: ―Os bonobos, ao contrário, possuem uma dieta predominantemente de frutas, são igualitários, não violentos e matriarcais.‖ (Grifo nosso) Falando a respeito do matriarcado na atualidade, Terezinha Bernardo (1989, p. 79), no artigo O lugar da mulher no candomblé, afirma ser a religião de origem afro-brasileira matriarcal, da seguinte maneira: ―A medida que as uniões entre homem e mulher quase sempre são temporárias e os filhos ficam sempre junto à mãe, podemos indicar a presença da família matrifocal no dizer de Duhran e a constituição de matriarcado com a presença temporária dos homens.‖ (Grifo nosso)

30 Friedrich Engels (1964, p. 36), no livro A origem da família, da propriedade privada e do Estado, ensina: ―É claro,

portanto, que em toda parte onde existe o matrimônio por grupos a descendência só pode ser estabelecida do lado

materno, e, por conseguinte, apenas se reconhece a linhagem feminina.‖ (Grifos nossos) 31

Rose Muraro (1998, p. 07), no texto Breve introdução histórica, ensina: ―É no correr do neolítico que, em algum momento, o homem começa a dominar a sua função biológica reprodutora, e, podendo controlá-la, pode também controlar a sexualidade feminina.‖

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Guerda Lerner (1990, p. 311), no livro A criação do patriarcado, define: ―O patriarcado é uma criação histórica feita por homens e mulheres, em um processo que levou cerca de 2.500 anos para ser concluído. A primeira forma de patriarcado surgiu no Estado arcaico. A unidade básica de organização foi a família patriarcal, que expressava e gerava constantemente suas normas e valores.‖ No original está da seguinte maneira: ―El patriarcado es una creación histórica elaborada por hombres y mujeres en un proceso que tardó casi 2.500 años en completarse. La primera forma del patriarcado apareció en el estado arcaico. La unidad básica de su organización era la familia patriarcal, que expresaba y generaba constantemente sus normas y valores.‖ Para Renato Silveira (2008, p. 66), no livro Crimes sexuais,versando a respeito do conceito de feminismo, assevera: ―Procurado e almejando a quebra da estrutura consagrada do

patriarcado, o feminismo visa, em suma, à igualdade dos direitos, já que as mulheres são vistas como reais perdedoras

do jogo social.‖ (Grifo nosso) Marina Pikman (2013, p. 20), no artigo Feminino, femininismo e o lugar da mulher no mundo, assim define: ―O feminismo explicita a dominação masculina sobre o corpo, mente e trabalho das mulheres e as feministas lutam por uma sociedade onde essa dominação seja superada e as mulheres possam exercer livre e plenamente todos os aspectos de sua humanidade.‖ Joan Scott (1989, p. 14), no escrito Gênero: uma categoria útil para análise histórica, assim indica: ―O produto do sistema dominante ocidental é uma divisão nítida entre masculino e feminino.‖

O período no qual os machos-homens descobriram que poderiam fecundar as fêmeas- mulheres dá a eles o poder de, utilizando a força física, alcançar mulheres de outras localidades para poder gerar proles vigorosas e saudáveis capazes de agregar os grupos em característica físicas comuns, tais como a cor da pele e textura dos cabelos. Alguns sítios arqueológicos mostram figuras de pênis33 como totens nos quais se acreditava em alguma divindade fálica, representativa da pujança dos homens perante as mulheres. Hebert Coutinho e Fabiano Gontijo (2009, p. 04), no texto chamado Patrimônio, arqueologia e sexualidade, expressam que: ―A presença do pênis em algumas representações antropomorfas sugere uma analogia à força.‖

Dessa forma, homens e mulheres somente foram diferenciados quando a fase nômade34se transformou em fase sedentária, na qual a agricultura foi açulada.35 Neste período de caçada de grandes animais, as mulheres, por contas das gravidezes, permaneciam com a prole nas cavernas – grutas - , nas quais os seres humanos se homiziavam, cuidando do local e das crianças. O comportamento naturalizou a permanência das mulheres no lar e a saída dos homens para a caça.

Os homens passaram a utilizar a força para mandar, conseguir outras mulheres para poder gerar proles e cuidar para que nenhum outro homem fecundasse as suas mulheres. Importante frisar neste período a ausência do conceito atual de privacidade, intimidade e segredo36 sexual pois todos dormiam nos mesmo lugares, em campo aberto, ou mesmo nas cavernas, grutas37 ou abaixo de árvores, juntos – em razão de necessidade protetiva - , sem nenhuma divisão espacial minuciosa.

Neste período surge o pacto sexual, do qual Carole Patman (1993, passim), no livro O contrato sexual, elucida. A ligação homem-mulher torna-se um contrato sexual do qual o homem enuncia uma oferta de proteção e a mulher tem de se submeter sexualmente, cuidar da casa e da prole refletindo a estrutura patriarcal da qual somente o homem se beneficia. O casamento,38 nestes

33 Conforme William Naphy (2006, p. 207), na obra Born to be gay: ―O culto do falo (lingam; o pênis masculino erecto)

é uma componente importante da religião hindu.‖ No Japão, anualmente, comemora-se a fertilidade, através de uma enorme festa na qual um pênis gigante é levado por centenas de pessoas pela cidade de Kawasaki – pintado em cores diversas. A festa, segundo a reportagem à BBC de Ewerthon Tobace, intitulada Festival de culto ao pênis atrai multidão no Japão, datada de 02 de abril de 2012, chama-se Kanamara matsuri, ou Festival do falo de aço. 34

A sociedade de caçadores-coletores humanos já expressava, através de pinturas rupestres, como as encontradas no estado do Piauí, no Brasil, a vivência da sexualidade, conforme se pode conferir no texto de Hebert Coutinho e Fabiano Gontijo (2009, p. 02-03), intitulado Patrimônio, arqueologia e sexualidade, da seguinte forma: ―Pode-se observar que, assim como a caça, a árvore e a mulher, o sexo assumiu uma posição importante na representação gráfica desses povos, pois estão vinculadas às necessidades vitais para essa população de caçadores-coletores, constituindo, assim, um objeto de querer.‖ (Grifos nossos)

35 Conforme Katia Krepsky Valladares (2002, p. 18), na Dissertação de Mestrado intitulada Sexualidade: Professor que cala...nem sempre consente: ―Com os grupos permanecendo mais tempo num mesmo lugar, surgiram as primeiras sociedades sedentárias e com isso o desenvolvimento da linguagem e a diferenciação nos papéis sociais e sexuais.‖

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Os temas serão desenvolvidos em capítulos posteriores da tese.

37 Segundo Angela Favaretto e Louise Logsdon (p. 05), no texto A linguagem dos materiais na história da arquitetura,

falando a respeito dos materiais utilizados pelos seres humanos nos projetos arquitetônicos da pré-história esclarecem a respeito da seguinte maneira: ―Glacial: pelo clima rigoroso necessitava de abrigo: vale das grutas e anfractuosidades naturais decorando as paredes com pinturas em ocre e preto.‖

termos, é um contrato do qual a mulher é oprimida através da violência do homem perante a mulher.

Quando os seres humanos tornaram-se sedentários passaram a residir em locais diversos,39 porém, ainda amplos e gerais. Não havia as divisões das casas em quartos nem tampouco existia a noção de alguém fazer algo de uma forma completamente privada. As atividades sexuais não eram tidas como privadas nem tampouco ocorria a interconexão entre a sexualidade e a moralidade.

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