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Até o momento, nenhum estudo publicado examinou empiricamente o processo da mu­ dança nas TCBAs, de modo que não existe nenhuma base empírica específica para ava­ liarmos o progresso do tratamento de uma perspectiva da TCBA. Entretanto, dados dis­ poníveis das TCCs ressaltam a complexidade do processo de mudança. Pesquisas recentes destacaram padrões não lineares, dinâmicos e variáveis de mudança e desenvolvimento na psicoterapia (ver Hayes, Laurenceau e co­ laboradores, 2007, para uma revisão). Hayes e colaboradores (2007) sugerem que a mu­ dança na psicoterapia pode seguir um mo­ delo não linear, dinâmico, porque os clientes estão passando de um sistema fixo e estável, em que os comportamentos problemáticos são habituais e previsíveis, para um novo padrão (idealmente) em que novos compor­ tamentos e respostas se tomarão habituais e previsíveis. Esse tipo de mudança envolve primeiro uma desestabilização do sistema inicial antes que o indivíduo possa se estabi­ lizar no novo sistema, de modo que ele pode experienciar um período em que seu com­ portamento e respostas são mais variáveis e imprevisíveis, podendo haver inclusive uma piora nos sintomas ou comportamentos, an­ tes que o novo sistema possa se estabilizar e se tomar previsível novamente. Estudos estão começando a fornecer evidências de que um aumento temporário nos sintomas (Hayes, Feldman et al., 2007) e um progres­ so descontínuo no tratamento (Stultz, Lutz, Leach, Lucock e Barkham, 2007) podem pre­ dizer resultados positivos, pelo menos para alguns clientes.

Clinicamente, explicamos aos clien­ tes esse tipo de processo dando o exemplo de tentar mudar a mão que usamos para abrir portas (um exemplo que Tom Borko- vec usa frequentemente com terapeutas e clientes). Se sempre usamos a mão direita e decidimos tentar mudar para a esquerda, o processo de mudança provavelmente será mais ou menos assim: primeiro, continua­ remos usando a mão direita, mas depois de passar pela porta lembraremos que íamos tentar algo diferente e prometemos lembrar isso da próxima vez. Essa parte do proces­ so pode se repetir por um bom tempo! En­ tão, aproximamo-nos das portas prestando muita atenção à mão que vamos usar e nos forçamos a usar a esquerda. Provavelmen­ te, passaremos um tempo nos atrapalhan­ do nas portas, demorando um pouco para abri-las, porque sabemos que não queremos seguir nossos instintos estabelecidos e ainda não temos novos instintos para seguir. Nes­ se momento, as coisas podem parecer caóti­ cas e ineficientes. Com o tempo, passamos a usar a mão esquerda regularmente, talvez sem sequer prestar atenção. Gradualmente, se formos consistentes, isso se tornará um novo hábito e seremos capazes novamente de abrir portas com facilidade, embora, às vezes, em momentos de estresse ou sofri­ mento, possamos reverter ao hábito ante­ rior superaprendido. O nosso caminho para essa mudança não seria linear. A metáfora do "caminho subindo a montanha", da TAC (apresentada no Capítulo 5), que descreve como as trilhas que sobem montanhas têm partes em zigue-zague, e às vezes parece que estamos recuando em vez de avançar, também ilustra a mudança não linear.

Fica ainda mais difícil avaliar o proces­ so de mudança nas TCBAs, porque a ênfase está em alterar o relacionamento do cliente com suas experiências internas, não as ex­ periências em si. Mais uma vez, os sintomas podem aumentar por um tempo, enquanto o cliente pratica se abrir para a tristeza ou o medo (exatamente como a ansiedade tam­ bém aumenta nos tratamentos baseados na exposição), e esse aumento poderia ser

um sinal de melhora, não de declínio. Para alguns clientes, praticar mindfulness e se concentrar na respiração ou nas sensações corporais provoca, de início, uma notável redução dos sintomas. Mais tarde, quando a pessoa praticar mindfulness em áreas mais desafiadoras ou começar a se empenhar em comportamentos consistentes com seus va­ lores, sua angústia pode aumentar, assim como os sintomas.1 Portanto, é importante escolher medidas que sejam sensíveis às mudanças que esperamos ver ao longo do tratamento. Também seria proveitoso fazer previsões específicas com o cliente a res­ peito dos padrões de progresso que podem acontecer no tratamento.

Até que mais pesquisas estejam dispo­ níveis para nos ajudar a determinar se o atual status do cliente prediz uma trajetória positiva ou negativa, temos de prestar aten­ ção aos seguintes fatores quando avaliamos o progresso de nossos clientes.

Envolvimento no tratam ento

A nossa primeira preocupação é se o cliente está se envolvendo no tratamento. Prestamos muita atenção para saber se ele está usando o automonitoramento, praticando mindfulness e se dedicando a ações valorizadas depois que cada elemento é introduzido. Quando a pessoa não está se envolvendo no tratamen­ to, examinamos com ela o que poderia estar atrapalhando, tratamos desses obstáculos externos e internos (conforme descrito nos Capítulos 5, 6 e 7, seguindo os princípios da ação valorizada descritos no Capítulo 8) e avaliamos o impacto dessas alterações. Du­ rante todo esse trabalho, mantemos um foco na nossa conceitualização, para poder esco­ lher métodos alternativos que também cum­ pram a função pretendida.

Às vezes, a dificuldade do cliente de se envolver no tratamento impossibilita o avanço de qualquer outro aspecto da tera­ pia. Nesses casos, o tratamento passa ime­ diatamente para a ação valorizada, mes­ mo que ainda não tenhamos apresentado outros elementos. Jade buscou tratamento devido à ansiedade e preocupações exces­

sivas e crônicas, que estavam interferindo tanto em sua vida que atualmente se en­ contrava desempregada. Ela se atrasou 30 a 40 minutos para as três primeiras sessões. Quando o terapeuta perguntou o que esta­ va impedindo que ela fosse pontual, Jade respondeu citando uma série de obstáculos aparentemente externos (ela tivera de res­ ponder a vários telefonemas, tinha cartas de solicitação de emprego a enviar, encontrara uma vizinha quando estava saindo para ir à sessão, o trânsito estava inesperadamente engarrafado, etc.), mas seu desconforto por deixar algo inacabado ou sair de situações sociais era evidente. Então, ao apresentar o modelo de tratamento, o terapeuta usou como exemplo esse contexto específico. Ele salientou como a ansiedade e a preocupação a levavam a realizar uma série de ações (fi­ car trabalhando nas solicitações de empre­ go, parar para conversar com a vizinha) que não estavam de acordo com seu valor decla­ rado de tratar da ansiedade que sentia estar interrompendo a sua vida. Embora cada es­ colha fizesse perfeito sentido no momento, dado o nível de ansiedade que experiencia- va e seu alívio depois de prestar atenção a essas situações, o efeito a longo prazo era ela não conseguir se empenhar na terapia que tanto desejava fazer para melhorar sua vida. O terapeuta perguntou à Jade se ela estaria disposta a se comprometer em parar de fazer o que quer que estivesse fazendo e sair cedo de casa para ir à sessão, mesmo que isso a angustiasse, de modo a agir de acordo com seu valor declarado. Ele tomou o cuidado de validar claramente a angústia de Jade e a dificuldade de fazer essa mudan­ ça tão radical logo no início do tratamento. Essa abordagem ajudou Jade a ser pontual e participar das sessões, para poder examinar como a sua vida era insatisfatória quando guiada unicamente pela tentativa (malsu­ cedida) de aliviar a ansiedade, e também lhe proporcionou a experiência de escolher uma ação, apesar de seu estado interno. Com isso, ela conseguiu compreender me­ lhor os conceitos da TCBA que o terapeuta lhe apresentou posteriormente.

A Prática daTerapía Cognitivo-comportamental Baseada em Mindfulness e Aceitação 2 0 1

Algumas evidências de movimento

Em termos do monitoramento de sintomas e mudanças comportamentais, a nossa ex­ periência sugere que o mais importante é o cliente experienciar algum tipo de mudança com o passar do tempo. Não esperamos mu­ danças antes de a pessoa praticar por pelo menos duas ou três semanas, embora ela possa experienciar algum tipo de mudança inicial só por começar a perceber suas expe­ riências internas. Nesse momento, alguns clientes percebem um decréscimo nos sinto­ mas, enquanto outros notam um aumento; ambos podem ser indicadores de melhora posterior. Aqueles que haviam restringido significativamente a vida podem experien­ ciar maior desconforto com esse maior en­ volvimento. Contudo, esse é um indicador de progresso. Por outro lado, aqueles que se sentiam continuamente angustiados po­ dem achar que a angústia diminuiu quando começaram a cultivar mindfulness. Da mes­ ma forma, alguns clientes começam a fazer mudanças comportamentais imediatamen­ te, enquanto outros, apesar de aumenta­ rem muito a sua percepção, continuam se sentindo um pouco empacados em termos comportamentais. Esses talvez só comecem a mudar seu comportamento depois de cul­ tivar mais mindfulness em sua vida.

Baseadas nessas observações, preferi­ mos dar aos clientes várias semanas de prá­ tica e aplicação dos princípios da terapia e ficamos atentas ao curso de seus sintomas, ao relacionamento com os sintomas e às suas respostas comportamentais. À medida que estas estejam em algum tipo de fluxo consistente com a nossa conceitualização (p. ex., a angústia aumentada poderia coincidir com o maior empenho comportamental se a falta de ação era um modo de evitação ex- periencial), consideramos essas mudanças uma evidência do efeito terapêutico. Se, de­ pois de várias semanas, não houver nenhu­ ma evidência de movimento nos sintomas, no relacionamento com os sintomas ou nas respostas comportamentais, reavaliamos a nossa conceitualização comportamental e criamos hipóteses alternativas para os sin­

tomas apresentados, tentando compreender o que está mantendo essas respostas.

Por exemplo, Edgar procurou tratamen­ to por disforia crônica e isolamento social. Apesar de uma sólida formação profissio­ nal, ele tinha uma história de pular de em­ prego em emprego. Quando questionado sobre seus atuais relacionamentos, indicou que desempenhava um papel passivo na maioria deles, geralmente atendendo às ne­ cessidades dos outros em vez das suas. Ed­ gar relatou ficar muito ansioso com a ideia de partilhar suas opiniões com os amigos, a parceira ou os colegas. Ele também teve dificuldade para completar a tarefa escri­ ta sobre valores, afirmando que não sabia bem o que era importante para ele. Edgar e a terapeuta desenvolveram juntos uma conceitualização, ligando a dificuldade de expressar preferências pessoais e o hábito de agradar aos outros e não a si mesmo a seu histórico desenvolvimental com pais afetivamente intensos e exigentes, aos quais ele aprendera a agradar. A terapeuta criou um plano de tratamento destinado a ajudar Edgar a cultivar uma postura de mindfulness em relação às suas experiências, enfatizan­ do as tarefas de exploração de valores para que ele pudesse entender melhor os pró­ prios desejos, e encorajando-o a praticar a expressão de suas necessidades e preferên­ cias em vários contextos. Embora Edgar se empenhasse em atividades relacionadas à terapia, não sentia a mudança prevista de humor ou satisfação com a vida. A terapeu­ ta sugeriu, especificamente, que Edgar apli­ casse suas habilidades de mindfulness du­ rante situações interpessoais, monitorando cuidadosamente suas experiências internas, para que essas informações pudessem ser usadas para modificar a conceitualização e o plano de tratamento, se fosse necessário.

O cuidadoso monitoramento de Edgar revelou algumas informações adicionais. Com base na conceitualização inicial, a te­ rapeuta previu que ele se sentiria ansioso quando expressava suas necessidades, por medo de não agradar aos outros, e que uma resposta positiva das pessoas teria conse-

quências positivas para ele. Em vez disso, quando recebia uma resposta de aceitação ou validação de alguém, sua ansiedade es­ calava no momento (o que era esperado) e se mantinha por vários dias (o que não era esperado), sendo com frequência acompa­ nhada por sentimentos de tristeza, e até de raiva. Por exemplo, Edgar conversou com seu chefe temporário, Frank, sobre estar insatisfeito com suas atuais responsabili­ dades. Frank respondeu positivamente e ofereceu a Edgar um cargo mais desafiador que poderia se tornar permanente. Edgar percebeu que primeiro se sentiu emociona­ do e contente, mas um monitoramento mais atento revelou que ele também sentia raiva e medo. Uma resposta mista semelhante surgiu quando a parceira respondeu posi­ tivamente à sugestão dele de ficarem mais tempo juntos no fim de semana. Além disso, Edgar notou que às vezes expressava suas necessidades de modo um pouco agressivo. Por exemplo, quando um grupo de cole­ gas o convidou para almoçar, ele lhes disse abruptamente que tinha muito trabalho a fazer. Esse padrão de resposta sugeriu que a conceitualização inicial estava incompleta. Edgar percebeu que usava a sua passividade como um meio de se distanciar dos outros. Assim, se a sua asserção trazia elogios ou proximidade, ele ficava mais angustiado e começava a evitar a proximidade de outras maneiras. E, às vezes, também usava esse novo hábito de expressar suas necessidades para se distanciar dos outros. Edgar e a tera­ peuta concluíram que ele temia e não queria ficar vulnerável em seus relacionamentos. Ao expressar preferências sem se abrir para a sua vulnerabilidade, ele continuava em­ pacado em seu padrão de evitação.

Com base nessa conceitualização leve­ mente alterada, foi criado um novo plano de tratamento. Edgar realizou várias tarefas de valores para explorar seus pensamentos e sentimentos em relação a se conectar pro­ fundamente com as pessoas. Ele examinou sua relutância em aprofundar a conexão com os outros e praticou aceitação e mindfulness de suas respostas, tanto na sessão quanto

fora dela (p. ex., usando o exercício de espa­ ço para respirar e aceitar mais serenamente a dor e o sofrimento, descrito nas páginas 143-144). Em resultado dessa prática, ele es­ colheu reforçar seu compromisso de buscar e manter relacionamentos íntimos, com uma ênfase em acolher, em vez de evitar, a vulne­ rabilidade interpessoal. Essa escolha levou a uma maior flutuação de humor (com alguns aumentos temporários na tristeza, seguidos por significativos decréscimos), o que suge­ riu que ele e a terapeuta tinham tocado num ponto importante. Embora a forma passiva de Edgar se relacionar com as pessoas pro­ vavelmente tivesse uma função de evitação experiencial, o seu primeiro movimento para se relacionar de modo mais ativo ainda evitava seus profundos sentimentos de vul­ nerabilidade, o que mantinha os sintomas. Reconhecer isso ajudou a terapia a mudar para uma ênfase na sua vulnerabilidade, para que pudesse haver progresso.

Ao avaliar mudanças comportamentais, temos o cuidado de não supor que sabemos qual será o resultado comportamental óti­ mo para o cliente. Em vez disso, prestamos atenção ao efeito que a mudança comporta­ mental tem sobre ele. Ações adaptativas de­ vem levar a um maior senso de flexibilida­ de, escolha e ação, enquanto ações reativas, evitantes ou prejudiciais resultarão num maior senso de imobilidade. Para que essa distinção fique clara, às vezes a pessoa pre­ cisa passar primeiro por esse processo.

M atilda procurou tratamento depois de uma desavença com um grande amigo. Ela sentia que o amigo não tivera nenhu­ ma consideração com ela, a magoara, e não reconhecia seu papel no sofrimento dela. Esse evento estava ligado a experiências passadas com seu pai, e provocara inten­ sos sentimentos de abandono, raiva e de­ cepção. O amigo participava ativamente de uma comunidade da qual ela também fazia parte, e ela achava que tinha de sair dessa comunidade para evitar a dor que sentia quando o via. No decorrer do tratamento, Matilda escolheu várias ações diferentes. Primeiro, decidiu sair da comunidade.