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Tarefa escrita de valores I : Observar como a evitação está

restringindo a vida

No final da primeira ou segunda sessão de terapia, costumamos pedir ao cliente que faça uma tarefa escrita fora da sessão, com o objetivo de explorar como seus problemas atuais podem estar interferindo em seus valores pessoais. Essa tarefa escrita segue o modelo da tarefa de processamento emo­ cional criada por James Pennebaker (1997) e adaptada por Kelly Wilson (comunicação pessoal, 2000). Pedimos ao cliente que dedi­ que 20 minutos por dia, durante quatro dias, para explorar suas emoções e pensamentos mais profundos sobre como seus problemas estão interferindo na sua capacidade de agir de acordo com seus valores pessoais. Em cada um dos primeiros três dias, o cliente descreve como seus problemas poderiam es­ tar interferindo em cada uma das três áreas. Descobrimos que incluir perguntas especí­ ficas ajuda o cliente a se empenhar mais no processo. Por exemplo, ele deve considerar como os problemas podem estar impedin­ do que peça aquilo de que precisa em seus

relacionamentos ou pensar nas atividades de cuidados pessoais ou hobbies que faria se não estivesse lutando com seus problemas psicológicos. No quarto dia, o cliente refle­ te sobre as coisas importantes que percebeu ao realizar a tarefa. Essas tarefas podem ser adaptadas individualmente, de acordo com os problemas de cada cliente. O Material 7.2 (p. 179-180) apresenta um exemplo desse tipo de tarefa, que daríamos a uma cliente com TAG. Para apresentar a tarefa podemos dizer algo assim:

Os valores se referem às coisas na vida que são importantes para você, as ma­ neiras de ser que você associa a uma vida significativa e satisfatória. Como conversamos antes, as áreas valori­ zadas podem incluir coisas como re­ lacionamentos familiares ou íntimos, am izades, carreira /instrução, espiri­ tualidade, serviço comunitário, e assim por diante. Os valores refletem o que é importante, mas a nossa luta com nossas emoções, pensamentos e lem­ branças muitas vezes nos distrai desses valores, de modo que podemos perder partes importantes da nossa experiên­ cia e/ou evitar atividades consistentes com nossos valores, para não aumentar nosso estresse.

Continuaremos examinando ques­ tões relacionadas a valores nas próxi­ mas sessões, mas gostaria de sugerir que você tirasse um tempo nessa se­ mana para pensar sobre como as suas dificuldades a afastaram das coisas que você valoriza.

Respostas típicas à tarefa escrita

Sem causar surpresa, os clientes apresen­ tam reações variadas a essa tarefa inicial. Assim, é importante discutir com detalhes as possíveis reações à tarefa que costumam acontecer no curso da semana, e processar suficientemente o exercício na próxima ses­ são de terapia. Alguns clientes ficam espe­ rançosos e se sentem mais capacitados pelo processo. Outros descobrem padrões óbvios

ou sutis de inação em áreas valorizadas. Al­ guns clientes se surpreendem com sua falta de empenho no que parecia ser um estilo de vida consistente com seus valores. Muitos descobrem que o exercício provoca inten­ sos sentimentos de tristeza, pois percebem como perdem tempo com lutas internas e quão distantes se sentem das coisas que realmente importam para eles. Outra res­ posta comum é evitar a tarefa ou dizer que não a realizou por considerá-la difícil ou do­ lorosa demais. Todas essas respostas são va­ lidadas, enquanto exploramos com nossos clientes as possíveis mudanças que podem escolher fazer na terapia.

Inação em esferas valorizadas

Muitos dos clientes com os quais trabalha­ mos atingiram um ponto em que suas ten­ tativas de evitar e controlar pensamentos dolorosos, emoções intensas, sensações fí­ sicas desconfortáveis e lembranças difíceis limitaram significativamente seu repertório comportamental e os afastaram de uma sé­ rie de atividades valorizadas. Essa inação em áreas valorizadas se reflete na primeira tarefa escrita.

Por exemplo, Tony, um veterano de combate com TEPT, inicialmente nos disse que não se empenhava em nenhum com­ portamento consistente com seus valores pessoais. Apesar do desejo de estreitar seus relacionamentos com a esposa, os filhos e a família de origem, ele saíra de casa e fora morar sozinho num pequeno apartamento, onde passava a maior parte do tempo "en­ trincheirado". Embora valorizasse sua cria­ tividade, desistira de sua preciosa guitarra e se recusava a ouvir música. Ele expressou o desejo de ter um estilo de vida saudável, mas fumava três maços de cigarro por dia, abusava de álcool e Valium, e tinha uma péssima alimentação. Em resposta a essa aparente inconsistência entre o que era im­ portante para ele e como se comportava, Tony respondeu que manter sob controle seus sintomas de TEPT era um trabalho de tempo integral, que lhe deixava pouco tem­ po para viver.

A Prática daTerapia Cognitivo-comportamental Baseada em Mindfulness e Aceitação 167

Kate, uma cliente com fobia social, des­ creveu a maneira mais sutil, mas insidiosa, pela qual seu desejo de evitar avaliações a afastara de atividades valorizadas. Ela re­ cusara algumas promoções no trabalho que exigiriam que fizesse apresentações formais e lançamentos de vendas e a colocariam numa posição de escrutínio. Frequente­ mente inventava desculpas (p. ex., esta­ va com trabalho demais, começando uma dieta) para evitar almoçar com os colegas, porque temia que seus pensamentos auto- avaliadores interferissem na sua capacida­ de de manter uma conversação. Durante a avaliação inicial, Kate se descreveu como uma pessoa tranquila, que não precisava de muitos desafios na vida e preferia estar sozinha, e avaliou como pouco importantes várias áreas de vida valorizadas. Todavia, na primeira tarefa escrita, revelou perceber que seu medo e ansiedade a estavam impe­ dindo de assumir riscos e ser a pessoa que queria ser.

Ação pouco consciente em esferas valorizadas

Outros clientes com os quais trabalhamos pareciam estar se comportando consisten­ temente com seus valores, mas um exame mais profundo deixou claro que eles não conseguiam participar verdadeiramente dessas atividades e ter prazer com elas. Por exemplo, Mareia, uma cliente que trata­ mos por bulimia, tinha um relacionamento amoroso duradouro, trabalhava numa área significativa para ela e tinha dois filhos. Parecia ter tudo, e seus conhecidos a viam como alguém que "dava conta de tudo". Seu perfil no VLQ sugeria que ela estava vivendo de acordo com seus valores, e a de- sejabilidade social não parecia ser um fator significativo em seu estilo de resposta. Mas, durante a primeira tarefa escrita, ela descre­ veu pungentemente como se sentia uma es­ pectadora da própria vida, como se apenas simulasse viver. Embora tivesse escolhido uma profissão consistente com seu desejo de ser desafiada no trabalho, disse que sen­ timentos de culpa e pensamentos sobre os

filhos estarem "negligenciados" na creche solapavam sua capacidade de estar psico­ logicamente presente no trabalho. À noite, quando estava em casa com as crianças, brincava com elas zelosamente, mas rumi­ nando sobre coisas acontecidas no trabalho e se preocupando com o próximo projeto que a aguardava.

Perda do senso de escolha e propósito

A o preencher a primeira tarefa escrita, al­

guns de nossos clientes relatam ter perdido o senso de escolher direções valorizadas. Em outras palavras, a vida parece cheia de coisas que eles "tem de" ou "deveriam " fazer. Nossa cliente Lei, estudante de His­ tória, disse que se sentia desconectada dos valores que inicialmente a dirigiram para a faculdade: o interesse por se desafiar in­ telectualmente e o desejo de trabalhar para melhorar a vida das pessoas. Ela se concen­ trara cada vez mais no objetivo de obter seu doutorado, e começara a ver suas atividades cotidianas (como ler, escrever e pesquisar) como arcos que precisava atravessar pulan­ do para chegar onde queria. Sentia que as exigências do curso estavam controlando a sua vida e já não experienciava mais o valor inerente de seu trabalho.

Relutância/incapacidade de realizar a tarefa

Se um cliente não realiza essa tarefa (ou qualquer outra), a nossa primeira resposta é explorar a função e efetividade desse com­ portamento. Nós o vemos como uma res­ posta comportamental que pode nos ajudar a compreender melhor os nossos clientes e aprofundar o relacionamento terapêutico. Os clientes não fazem as tarefas dos valores por várias razões, e as examinamos com eles para ver quais, se alguma, são relevantes. Por exemplo, às vezes eles não entendem as instruções e f ou como esse exercício será proveitoso. Essa é uma informação impor­ tante, que o terapeuta pode usar para expli­ car melhor as razões da tarefa. Por exemplo, Maurice nos foi encaminhado pelo tribunal para tratamento após ser preso por exibicio-

nismo. Embora sempre concordasse em fa­ zer as tarefas, semana após semana ele dizia que tinha esquecido. Quando a terapeuta disse a Maurice que gostaria de entender como ela poderia ajudá-lo a atingir os obje­ tivos da terapia quando ele não fazia a tare­ fa, ele admitiu que não via nenhum vínculo entre explorar seus valores e mudar seus hábitos sexuais, mas que não falara nada para a terapeuta porque o tribunal ordenara que se submetesse ao tratamento.

Uma preocupação muito real é encon­ trar tempo para fazer a tarefa. Não subes­ timamos a quantidade de tempo e esforço necessária para se fazer uma mudança radical e passar, de uma vida impulsiona­ da pela evitação, para outra motivada por valores. Aproveitando alguns métodos de entrevista motivacional consistentes com a aceitação (Miller e Rollnick, 2002), muitas vezes dedicamos um tempo na sessão para conversar com o cliente sobre mudanças. Em outras palavras, perguntamos por que ele quer mudar e o exortamos a se conec­ tar com a dor real da estagnação e inação. Medo e evitação são fortes motivadores de não adesão ao tratamento; em resposta, in­ centivamos o cliente a aplicar os métodos discutidos neste livro (p. ex., função das emoções, mindfulness, limites de controle/ evitação). O cliente que tem dificuldade de autoconsciência ou está cronicamente des- conectado de seu senso de self talvez não consiga articular seus valores, mas a prá­ tica de mindfulness pode facilitar o esclare­ cimento dos valores ao ajudá-lo a escolher direções valorizadas refletidamente, em vez de reativamente (Shapiro et al., 2006). Alguns clientes têm medo de se comprome­ ter com um conjunto de valores. Conforme discutiremos com mais detalhe no Capítulo 8, os valores podem mudar e evoluir com o passar do tempo, particularmente quando o indivíduo aumenta sua autoconsciência e disposição a experienciar a gama com­ pleta de emoções. Portanto, incentivamos os clientes a verem a valorização como um processo, cujo conteúdo pode mudar em função do crescimento.

A R T IC U L A N D O E

ESCLARECENDO OS

PRÓPRIOSVALORES

Depois que a avaliação inicial e a primeira tarefa escrita foram concluídas e o cliente considerou a importância e consistência de comportamentos valorizados e está mais consciente de como suas dificuldades psico­ lógicas interferiram na busca de atividades valorizadas, nós o incentivamos a trabalhar para articular um conjunto de valores pes­ soalmente relevantes.