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Depois que o cliente começou a desenvol­ ver a capacidade de levar paulatinamente a atenção para suas sensações e sentidos, começamos a expandir sua prática para o desafio de perceber e aceitar pensamentos e sentimentos, de viver essa experiência com curiosidade e compaixão. Como na TDC, vinculamos o mindfulness da emoção à nos­ sa discussão da função da emoção (descrita no capítulo precedente), para que o cliente compreenda a utilidade de perceber e enten­ der, em vez de evitar, as experiências inter­

nas. Frequentemente, usamos um exercício que permite que o cliente recorde um even­ to emocional recente e pratique uma cons­ ciência expansiva de suas respostas emocio­ nais a esse evento. Inicialmente, fazemos o cliente escolher uma experiência modera­ damente perturbadora, para maximizar a probabilidade de ele continuar consciente das suas emoções durante todo o exercício. Depois de uma prática continuada, começa­ mos a fazer o exercício com eventos extre­ mamente emocionais, muito recentes, e o incentivamos a praticar sozinho sempre que algo assim ocorrer na sua vida.

A terapeuta e a cliente selecionam um evento antes do exercício. Depois, a tera­ peuta vai guiando a cliente para que tome consciência de si mesma na sala, paulatina­ mente levando a sua atenção ao jeito como está sentada na cadeira, como sua respiração entra e sai do seu corpo, e assim por diante. A cliente é instruída mais ou menos assim:

Agora trazendo para a sua consciência [o evento emocional]... Imaginando-se novamente na situação... Percebendo o que enxerga, os sons que ouve... No­ tando as sensações no seu corpo... Per­ cebendo os pensamentos que passam pela sua cabeça... e agora percebendo como está se sentindo.... Simplesmente percebendo cada sentimento conforme ele surge... não tentando alterar ou mo­ dificar a sua experiência... Percebendo o desejo de alterar ou modificar o que está sentindo e suavemente desfazendo-se desse desejo... Expandindo-se para aceitar a sua experiência completa... Percebendo quais são os sentimentos... Percebendo se os sentimentos mudam, de algum jeito...

Os clientes também podem praticar mindfulness das emoções utilizando o ma­ terial Soltando o Sofrimento Emocional, da TDC (Linehan, 1993b). Esse material instrui o cliente a observar a emoção percebendo a sua presença, recuando e se desgrudando da emoção. Ele pode experienciar a emoção

A Prática daTerapía Cognitivo-comportamental Baseada em Mindfulness e Aceitação 14 1

(1) como uma onda, chegando e se afastan­ do; (2) tentando não bloquear a emoção; (3) não tentando suprimir a emoção; (4) não tentando se livrar da emoção; (5) não ten­ tando rechaçá-la; (6) não tentando manter a emoção; (7) não se agarrando à emoção; e (8) não intensificando a emoção. Ele é ins­ truído a lembrar que não vai agir, necessa­ riamente, em função da emoção e a recordar momentos em que se sentiu de outro modo. Por fim, ele pode praticar amar a sua emo­ ção não a julgando, praticando a disposição e aceitando radicalmente a emoção.

Frequentemente, os clientes relatam que trazer o mindfulness à sua experiência na sessão lhes permite perceber emoções mais complexas do que perceberam ini­ cialmente durante a situação. Por exemplo, Sandra relatou um alto nível de ansiedade quando a filha teve a oportunidade de via­ jar em uma competição esportiva, temendo por sua segurança e bem-estar. Durante esse exercício, ela percebeu que, além do temor, também sentia orgulho da filha e estava fe­ liz com o seu sucesso. Embora a consciência desses sentimentos não eliminasse o medo, criou um contexto em que o medo não pre­ cisava guiar tanto o seu comportamento e a lembrou de por que talvez quisesse que a filha viajasse, apesar do medo. Às vezes, os clientes simplesmente se dão conta de que as respostas emocionais vêm e vão, o que ajuda a diminuir a intensidade das respos­ tas. Eles percebem que suas emoções são muito intensas e muito perturbadoras, mas não "intoleráveis", porque, na verdade, são capazes de suportá-las. Essa experiência en­ fraquece a resposta de evitação aprendida à resposta emocional: talvez se possa ficar com as respostas emocionais, em vez de tentar eliminá-las a qualquer custo (como restrições na vida ou subsequente aumento da angústia).

Também descobrimos que o poema de Rumi, "A hospedaria" (The guest house), traduzido por Coleman Barks e também utilizado por Segai e colaboradores (2002), ajuda os clientes a imaginar uma maneira diferente de responder às suas experiên­

cias emocionais. Nós o usamos como um exercício de mindfulness, primeiro guiando o cliente para que tome consciência de si mesmo na sala, de suas sensações e respi­ ração, e depois pedindo que apenas escu­ te com atenção enquanto lemos devagar o poema:

Ser humano é como ser uma hospedaria. A cada manhã há uma nova chegada. Uma alegria, uma depressão, uma mes­ quinharia,

uma percepção momentânea, todas chegam

como visitantes inesperados. Acolha e receba bem todos eles! Mesmo que seja uma multidão de tris­ tezas,

que invade a sua casa violentamente, levando de roldão toda a mobília, mesmo assim, faça as honras a cada hóspede.

Eles podem estar desem baraçando você

e preparando-o para um novo deleite. O pensamento sombrio, a vergonha, a malícia,

Receba-os à porta sorrindo, e convide-os a entrar. Seja grato a quem vier,

porque cada um deles foi enviado como um guia do além.7

Os clientes geralmente acham essas imagens particularmente úteis para cultivar uma resposta compassiva às suas emoções. O poema é uma outra proposta da psicoe- ducação, mais experiencial, sobre a função da emoção descrita no capítulo precedente. Muitas vezes, os clientes contam que quan­ do se perceberam ansiosos, tristes ou com raiva, e inicialmente com vontade de ex­ pulsar esses sentimentos, eles lembraram o poema e se imaginaram acolhendo as emo­ ções, em vez de tentar bani-las. Esse tipo de alteração na resposta habitual permite ao

cliente experienciar a transitoriedade de sua resposta emocional, enfraquecendo a asso­ ciação ameaçadora com emoções negativas e fortalecendo a sua capacidade de se abster de tentativas inúteis de eliminar essas res­ postas.

Recorremos à TAC, TDC e TCBM na nossa escolha de exercícios que enfatizam, especificamente, o perceber pensamentos sem ficar preso a eles. Adaptamos o exer­ cício das nuvens, da TDC, para ajudar os clientes a praticarem essa percepção desa­ paixonada ou descentrada dos pensamen­ tos que surgem.

Feche os olhos... Primeiro se concen­ trando na sua respiração, apenas perce­ bendo a sua respiração, o ar que entra, passa pelo seu corpo e então sai. Perce­ bendo como o seu corpo se sente... Ago­ ra, imaginando-se deitado em algum lugar, ao ar livre, onde pode ver o céu. Você pode imaginar qualquer lugar que lhe pareça confortável e claro - deitado em um barco num lago, sobre um co­ bertor num campo, no terraço de uma casa, em qualquer lugar com uma vista clara do céu. Agora, imagine-se confor­ tavelmente deitado e olhando para o céu. Percebendo o céu e as nuvens que se movem lentamente por ele. Vendo como as nuvens são parte do céu, mas não são todo o céu. O céu existe por trás das nuvens. Imaginando que seus pen­ samentos e sentimentos são as nuvens no céu, enquanto a sua mente é o céu. Vendo seus pensamentos e sentimentos flutuando suavemente pelo céu... Perce­ bendo os pensamentos e sentimentos e colocando-os nas nuvens, vendo como eles se deslocam pelo céu... Perceben­ do como você se distrai, ou imerge nas nuvens, perdendo o céu de vista... Per­ cebendo como as nuvens podem ser muito finas e delicadas ou escuras e ameaçadoras... Percebendo como, mes­ mo quando as nuvens cobrem o céu, ele continua existindo por trás delas... Percebendo momentos em que seus

pensamentos e sentimentos parecem estar separados de você... e momentos em que eles parecem ser você... Imagi­ nando o céu por trás das nuvens e as nuvens vagando pelo céu... Praticando colocar seus pensamentos e sentimen­ tos sobre as nuvens... Percebendo as diferentes formas que elas assumem... a consistência diferente das nuvens em que eles estão... Quando chegar nas nu­ vens, mudando lentamente a sua aten­ ção de volta para o céu que está por trás e praticando colocar seus pensamentos e emoções sobre as nuvens... [Dar tem­ po ao cliente para fazer o exercício em silêncio, depois guiando a percepção suavemente de volta para a sala, as sen­ sações presentes, como ele está sentado na cadeira, e convidá-lo a abrir os olhos quando estiver pronto.]

Um exercício semelhante, da TAC, "fo­ lhas em um regato", também pode ser usa­ do para esse propósito (Hayes, Strosahl e Wilson, 1999). O mindfulness de sons e pen­ samentos de Segai e colaboradores (2002) também é um ótimo exercício, que expande a prática prévia de mindfulness de sons para mindfulness de pensamentos. Eifert e Forsyth (2005) também apresentam um exercício de aceitação de pensamentos e sentimentos que pode ser usado para praticar percepção e aceitação de uma ampla variedade de ex­ periências internas.

Muitos clientes consideram esses exer­ cícios os mais difíceis até o momento (tam­ bém achamos e dizemos isso a eles). Esses exercícios criam um contexto excelente para enfatizar o processo de mindfulness - o obje­ tivo é fazer retroceder a nossa atenção, repe­ tidamente, e perceber novamente os nossos pensamentos. Não somos capazes de manter esse tipo de percepção continuamente, mas esperamos desenvolver a nossa capacidade de lembrar de praticar essa percepção, para que fique mais fácil lembrarmos de ver nos­ sos pensamentos como pensamentos e nos­ sos sentimentos como sentimentos. Praticar isso formalmente nos ajuda a desenvolver a

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habilidade. Os clientes podem praticar es­ ses exercícios durante a semana e começar a notar como às vezes é mais fácil, e outras mais difícil, atingir essa percepção. Alguns pensamentos se agarram a nós mais do que outros e, embora o processo fique mais fácil no decorrer do tempo, ele nunca fica fácil. Gradualmente, o cliente pode começar a aplicar essa prática informalmente ao vi- venciar alguma situação desafiadora, pro­ curando perceber os pensamentos conforme surgem, vendo-os como pensamentos e não se prendendo a eles como verdades.

Algumas técnicas de desfusão de TAC também são muito úteis para percebermos pensamentos apenas como pensamentos. Por exemplo, adotamos com nossos clientes a estratégia de rotular nossas experiências internas como experiências internas. Assim, em vez de dizer "M eu parceiro está com raiva de m im " ou "Eu jamais ficarei pron­ to para essa apresentação", incentivamos os clientes a dizer (para si mesmos) "Estou pensando que o meu parceiro está com rai­ va de mim" ou "Estou pensando que jamais ficarei pronto para essa apresentação". Essa pequena mudança de construção pode nos ajudar a perceber que pensamentos são ape­ nas pensamentos, e não a determinação de uma coisa como ela é (que é como experien- ciamos frequentemente). Essa convenção estilística pode, portanto, ajudar o cliente a se descentrar ou desfundir de seus pensa­ mentos. Consideramos isso um miniexercí- cio de mindfulness, pois ele realmente chama a atenção para a natureza dos pensamentos, aumentando a percepção.