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Juntando tudo: compreender a transitoriedade da experiência e

das definições de se/f

Utilizamos com os clientes diversos exer­ cícios que reúnem múltiplos aspectos de m indfulness (consciência da respiração, sensações, pensam entos, sentim entos), destacando a transitoriedade global da experiência humana. O exercício do "self observador", da TAC, conduz o cliente, sistematicamente, por meio de todos os as­ pectos da sua experiência, fazendo-o perce­ ber como nenhuma sensação, sentimento ou pensamento específico é constante ou o define. Esse exercício salienta como algum aspecto de nós existe além das experiências que temos em um dado momento e o chama de self observador.

Kabat-Zinn (1994) descreve vários exer­ cícios de meditação que também mostram a natureza transitória da nossa experiência. Geralmente usamos uma versão adaptada do exercício de meditação da montanha, e muitos de nossos clientes o acham extrema­ mente proveitoso para o cultivo dessa pers­

pectiva. Depois de guiar o cliente para que se concentre em si mesmo na sala, em suas sensações e respiração, apresentamos a se­ guinte meditação:

A M editação da Montanha

Imagine a montanha mais linda que você conhece ou consegue imaginar, uma montanha cujo formato tem um significado pessoal para você. Concen­ trando-se na imagem ou no sentimento da montanha em sua mente, perceben­ do seu formato global, o pico grandio­ so, a base incrustada na rocha, os lados íngremes ou suavemente inclinados. Percebendo também como ela é maciça, imóvel, e como é linda, vista de longe ou de perto...

Talvez a sua montanha tenha neve no topo e árvores nos declives mais baixos. Talvez tenha um pico proemi­ nente, talvez uma série de picos ou um alto platô. Seja qual for a sua aparência, você está apenas sentando e respirando com a imagem da montanha, observan­ do-a, notando suas qualidades. Quando se sentir pronto, você começa a trazer a montanha para o seu corpo, de modo que o seu corpo sentado aqui e a monta­ nha da sua mente se tomam uma coisa só. A sua cabeça se torna o pico gran­ dioso; seus ombros e braços os lados da montanha; suas nádegas e pernas a sólida base incrustada na sua almofa­ da no chão ou na cadeira. Sentindo em seu corpo a sensação de levantamento, a... elevação da montanha, profunda­ mente, na sua coluna. Convidando-se a se transformar em uma montanha que respira, firme na sua imobilidade, completamente o que você é - além das palavras e pensamentos, uma presença centrada, enraizada, imóvel.

Agora, como você sabe, durante o dia, enquanto o sol viaja pelo céu, a montanha simplesmente fica lá. A luz, a sombra e as cores mudam praticamente de momento a momento na imobilida­ de inexorável da montanha. Até olhos

destreinados conseguem ver as mu­ danças a cada hora... Conforme a luz muda, conforme a noite se segue ao dia e o dia à noite, a montanha apenas está lá, simplesmente sendo ela mesma. Ela continua imóvel estação após estação e quando o tempo muda, momento a mo­ mento, dia a dia. É a calma enfrentando todas as mudanças.

No verão, não há neve na mon­ tanha, exceto talvez só no topo ou em penhascos protegidos da luz direta do sol. No outono, a montanha ostenta um manto brilhante cor de fogo; no inverno, um cobertor de neve e gelo. Em qual­ quer estação, ela pode ser encoberta por nuvens ou nevoeiro, ou bombardeada por chuvas geladas. Os turistas que a visitam podem ficar desapontados por não conseguir enxergar a montanha cla­ ramente, mas para a montanha não faz diferença - vista ou não vista, sob o sol ou as nuvens, quentíssima ou gelada, ela apenas está lá, sendo ela mesma. Às vezes visitada por violentas tempesta­ des, açoitada pela neve e pela chuva e por ventos de impensável magnitude, a tudo ela resiste. Vem a primavera, os pássaros cantam nas árvores novamen­ te, as folhas voltam para as árvores que as haviam perdido, as flores desabro­ cham nas campinas altas e nos declives, os córregos transbordam com as águas da neve derretida. A montanha passa por tudo isso, indiferente ao tempo, ao que acontece na superfície, ao mundo das aparências.

Conform e perm anecem os aqui, sentados, com essa imagem na mente, podemos corporificar a mesma tranqui­ lidade e natureza inabalável diante de tudo o que o muda na nossa vida a cada segundo, hora e ano. Na nossa vida e na nossa prática de mindfulness, sentimos constantemente a natureza mutável da mente, do corpo e do mundo exte­ rior. Experienciamos períodos de luz e sombra, cores brilhantes e monotonia

insípida. Experienciamos tempestades de variada intensidade e violência, no mundo exterior, na nossa vida e na nos­ sa mente. Somos fustigados por ventos fortes, pelo frio e pela chuva, suporta­ mos períodos de escuridão e dor, assim como momentos de alegria e elevação. Até a nossa aparência muda constante­ mente, exatamente como a da monta­ nha, submetida a um clima e desgaste peculiares.

Ao nos tomarmos a montanha nes­ te exercício, conseguimos nos vincular à sua força e estabilidade e adotá-las como nossas. Podemos usar suas ener­ gias para enfrentar cada momento com mindfulness, equanimidade e clareza. Isso nos ajuda a ver que os nossos pen­ samentos e sentimentos, nossas preo­ cupações, nossas tempestades e crises emocionais, até as coisas que acontecem

para nós são como o tempo [o clima] na

montanha. Tendemos a interpretar tudo isso como algo pessoal, mas a sua carac­ terística principal é impessoal. O tempo da nossa vida não deve ser ignorado ou negado. Deve ser acolhido, respeitado, sentido, conhecido como realmente é, e percebido muito conscientemente, pois pode nos matar. Ao contê-lo dessa ma­ neira, passamos a conhecer um silêncio, serenidade e sabedoria mais profundos do que imaginávamos possível, bem dentro das tempestades. As montanhas têm isso a nos ensinar, e muito mais, se quisermos escutar.9

Kabat-Zinn (1994) também dá instru­ ções para uma meditação em pé e deitado (a meditação da árvore e a meditação do lago) com temas semelhantes, e muitas vezes as usamos com nossos clientes. Essas medita­ ções geralmente permitem que a cliente crie uma imagem nítida, que é capaz de recor­ dar em situações difíceis, e a lembra, em um nível experiencial, da transitoriedade de sua experiência e da sua capacidade de transcender a quaisquer respostas perturba­

A Prática daTerapia Cognitivo-comportamental Baseada em Mindfulness e Aceitação 147

doras que tenha. Apresentamos essa grande variedade de exercícios porque descobrimos que os clientes respondem a diferentes prá­ ticas e a diferentes imagens, e depois conse­ guem integrá-las melhor à sua vida. Alguns realmente se conectam com o exercício das nuvens e comparam suas respostas emocio­ nais e cognitivas intensas e compelidoras a céus muito carregados, lembrando a si mes­ mos de que o céu existe por trás das nuvens, mesmo que não consigam vê-lo. Outros evo­ cam a imagem de uma montanha quando estão angustiados, e encontram aquela sen­ sação de serenidade dentro de si mesmos em meio ao tumulto da superfície e são capazes de agir em sua vida, em parte devido a essa sensação de serenidade e transcendência.

Um aspecto dessas práticas que pode ser muito útil clinicamente é que elas ilus­ tram com clareza como a pessoa não é seus pensamentos, reações, sentimentos ou sen­ sações. Os exercícios do se//observador e da meditação da montanha evocam um senso de observador transcendente dessas expe­ riências, distinto do self impulsionado pelo conteúdo com o qual o cliente tão frequen­ temente se identifica. Esse senso permite à pessoa se desemaranhar das ideias que criou sobre si mesma ao longo da vida, tais como "Eu sou uma pilha de nervos", "Eu sou insegura e incapaz de expressar minhas necessidades" ou "Eu sempre acabo fracas­ sando". Experienciar essas avaliações como pensamentos que vêm e vão, e não são mais constantes do que o tempo ou as estações, pode ajudá-lo a começar a agir de uma ma­ neira que seja inconsistente com essas de­ finições de self. Por exemplo, uma cliente pode pensar que não consegue ser asserti­ va, mas, simultaneamente, comunicar cla­ ramente suas necessidades a alguém.10 A repetida experiência de se separar desses pensamentos e sentimentos anteriormente definidores aumenta a flexibilidade com- portamental do cliente e reduz sua moti­ vação para evitá-los (porque pensamentos e sentimentos não definidores são menos ameaçadores que os definidores).

Perceber a sabedoria da