• Nenhum resultado encontrado

A BRIN D O PO SSIBILIDA D ES À AÇÃO PSICOLÓGICA: DA

EX PERIEN CIA À APRENDIZAGEM

Apesar de o período de Wisconsin ter propiciado fecun­ didade teórica por um lado, por outro também significou rupturas decisivas. Rogers (1977) aponta que foi uma experiência dolorosa a crise desencadeada na equipe do “Schiz Project”. Huizinga (1984, p. 12) comenta que até mesmo os resultados da pesquisa chegaram a ser roubados e houve necessidade de serem refeitos, por haverem gerado conflitos quanto à autoria para publicação.

Gendlin, entrevistado por Lietaer (1984, p. 516-517), refere-se ao período de Wisconsin e do projeto com esqui­ zofrênicos como muito produtivo do ponto de vista da experiência terapêutica, de progressos na pesquisa (foram elaboradas Escalas de Processo de Experienciando) e na reformulação de aspectos centrais da teoria. No entanto, afirma ter sido também uma época de conflitos tempestu­ osos, pela inabilidade na condução dos problemas admi­ nistrativos ao nível estrutural, revelando uma crise ética significativa dentro da equipe de trabalho que conduziu à sua ruptura. Enquanto Rogers, desiludido, partiu, em

l0Francês, do italiano attitudine (influência no significado de atto aot, ação, do latim actus, que vem de agire, agir): atitude, tendência natural, do latim tardio aptitudin-, ãptitude. D iz de disposição prim eiramente ancorada em em oção e afeto, expressada com o possibilidade e não com o crença. Inglês medieval, do latim medieval aptitudo, do latim tardio, aptusapto- +

-tudo -tude - ap ro p riad o .

D o latim tardio appropriatus, particípio passado de appropriare, do latim

ad~ + propriare, ap rop riar-se, ou seja, tornar-se p róprio .

P ró p rio : um a tendência ou inclinação para aprender e compreender a si mesm o e aos outros: aten ção ap ro p riad a.

1966, para o Western Behavioral Science Institute, em La Jolla, Califórnia, e para a Abordagem Centrada na Pessoa, Gendlin permaneceu em Chicago, desenvolvendo a Terapia Experiendal e o Método da Focalização, cuja proposta consiste em explorar o fenômeno subjetivo do cliente no processo de experienciando, no qual o terapeuta assume um papel muito mais diretivo e técnico, pela ênfase no aspecto semiótico da linguagem (GEND LIN, 1984).

Na Califórnia, Rogers encontrou a Psicologia huma­ nista. Com essa visão de ciência humana mais condizente com a experiência, Rogers vai adiante buscando novas ampliações para seu trabalho. Em 1968, juntamente com Coulson, criou o Centro de Estudos da Pessoa: um espaço próprio a partir do qual pôde experimentar outros cami­ nhos: uma equipe de trabalho se constituiu e se desen­ volveu de modo muito particular, mas extremamente coerente e influente. O próprio Rogers (1977) considera a importância dos aspectos interpessoais desse grupo funda­ mental para o trabalho e o desenvolvimento de projetos e expansões. Organizam-se como uma comunidade, onde trabalham em conjunto ou individualmente, respeitando os próprios interesses. O diretor exerce sua autoridade nas funções de rotina. Os problemas são discutidos aberta­ mente, como condição de apoio ou crítica. Rogers (1983) admite que trabalhar numa equipe que possa considerar “como seu grupo de referência, um grupo sem fronteiras formado por amigos e colaboradores” (ROGERS, 1983, p. 2 1), significou um dos fatores fundamentais para correr riscos e ousar o desconhecido no qual se lançou a Abor­ dagem Centrada na Pessoa. Sentia-se ancorado e encora­ jado para aventurar novos desafios como expandir os prin­ cípios de seu trabalho além da clínica: educação, organiza­ ções, família, grupos, comunidades de aprendizagem.

Huizinga (1984) aponta três fatores que determinam a mudança da Terapia Centrada no Cliente para a Abor­ dagem Centrada na Pessoa:

• atenção ao experienciando do psicólogo e do clien­ te;

• em vez de acentuar as diferenças entre cliente e psi­ cólogo, o acento é colocado no que eles têm de co­ mum: ambos são indivíduos com suas próprias ex­ periências;

• alargamento das características de uma relação tera­ pêutica, como mais geralmente aplicável a todas as relações inter-humanas.

Decresce o interesse limitado no contato a dois para desenvolver-se um interesse específico em “encontro” em grupos maiores e na significância política de seu trabalho

(HUIZINGA 1984, p. 7). Cria-se assim uma abordagem:11

uma maneira inicial de, em tomando contato com, compre­ ender e comunicar como ocorre a complexidade da expe­ riência humana na diversidade de situações.

Dessa forma, a Abordagem Centrada na Pessoa consti­ tuiu-se como fronteira para novas descobertas, ampliando' suas atividades para aprender através das diferentes ocor­ rências do fenômeno humano: facilitar relacionamentos em situações educacionais, sociais, conjugais, familiares, organizacionais, científicas, de expressão e criatividade, em comunidade, criando situações para que mudanças pudessem ocorrer. Ao mesmo tempo, abriu possibilidades para compreender a experiência humana em transformação: aprendendo com a experiência como expressão da expe­ riência humana. Ampliando-se, distanciou-se e guardou aproximações com a Terapia Centrada no Cliente. Nem diferentes, nem diferenciadas, mas, sem dúvida, distintas em suas áreas de atuação. Uma abordagem ambígua: é agente de mudança social, é educacional, é clínica e consul­ tório, é política. Assim, buscando-se como uma prática radical e revolucionária em várias áreas, a A bordagem ^ Centrada na Pessoa abriu possibilidades para interdisci- plinaridade.

E pela sintonia com essa referência direta à Abordagem Centrada na Pessoa e seu lugar fronteiriço enquanto prática que outros espaços surgiram para buscar reencon­ trar o lugar aparentemente ambíguo da prática em Acon­ selhamento Psicológico e possíveis ressignificações teóricas. através da experiência do psicólogo pesquisada na prática mesma. E a partir dessa abertura que um lugar para inves­ tigações acerca do humano constitui-se como fronteiriço para aprendizagem, perseguindo a trilha da curiosidade e da dúvida para conhecer.

Se vista em seu estágio inicial e, portanto criativo, toda ciência encontra sua origem na experiência entre o cientista e suas indagações no mundo. Mesmo em estágios poste­ riores, de intelectualização e conceitualizaçÕes, encontram- se componentes afetivos no caminhar da ciência. E assim que ética está nela implícita. Mais ainda, a questão da comunicação acerca do investigado está também implicada na ciência: comunicação consigo e com outros, guiada por valores culturais e sociais, inseparáveis da experiência T vivida. A ciência funda-se na experiência imediata do (

1 'Abordagem - do latim appropriare, que se com põe de ad (para) + p r0'

pe (perto; pro tam bém antes); em francês, approche; em inglês, approach-

Significa modo de tom ar passos preliminares para conhecimento ou expe* u riência de algo (W E B ST E R , 1974).

homem cientista. Somente é possível sua comunicação se partir da linguagem privada e pessoal, primeiramente, para depois haver uma linguagem teórica, refletindo a compreensão da realidade. Realidade essa em que o cien­ tista mesmo se inclui.

Ciência é o produto que se inicia na experiência de um homem interessado em aprender na/com a realidade. O cientista que quer conhecer a realidade viva da experiência humana não pode ser um legista, pois negaria aquilo que se propõe a conhecer. N ão pode se abster de redimen- sionar-se: atento ao real de que a ciência que faz não é conhecimento puro, mas que diz respeito a uma “ comu­

nicação concreta e recíproca entre homens, empenhada na ação, carregada de valores, pesada de conseqüências sociais”

(PAGES, 1976, p. 36), diante da complexidade de um “objeto” que também produz acontecimentos para serem compreendidos.

Desse modo, um laboratório universitário, através tanto de suas variadas propostas de ação quanto de formação de sua equipe de docentes, técnicos, colaboradores e alunos, deixa transparecer o que poderia parecer uma agitação sem sentido, uma falta de ancoragem e de definição, a almas, olhos e mãos nao atentamente interessados em buscar o que dizem suas diferentes atividades enquanto prática. Uma escuta cuidadosa pode revelar, no entanto, tal labora­ tório como um organismo vivo, conduzindo-se como um lugar de aprendizagem: pessoal e profissional da equipe, dos alunos estagiários ou colaboradores e da comunidade e instituições com quem trabalha.

Em gestos, revela preocupação com situações de vida mais justas para pessoas, instituições, sociedade e ciência. E, ele mesmo, uma informal organização formal, na qual os membros da equipe têm, como comunalidade básica, o interesse pela aprendizagem. Um grupo de trabalho que aprendeu a relacionar-se abertamente, baseado em confiança, respeito, liberdade e responsabilidade com envolvimento. Uma equipe que não é somente um grupo de trabalho descaracterizado em identidade e mantido enquanto grupo somente por necessidades funcionais. Autenticidade e compreensão para aprendizagem são os valores básicos que foram pontuando o crescimento dos membros de sua equipe. Alteridade e diferença se fizeram presentes ao longo da história desse laboratório, pontu­ ando as transformações de cada um e da equipe como um todo. Desencontros, rupturas, desmembramentos ocor­ reram na medida em que as atividades se diversificavam e os interesses particulares não diziam respeito a essas espe- cificidades. Contudo, essas transformações, ao mesmo

tempo em que marcavam diferenças, foram possibilitando a criação de um corpo para os membros como grupo.

Lugar partilhado por quem se dispõe a encarar contradi­ ções, um laboratório universitário permite trocas significa­ tivas, pessoais e profissionais, aprimorando comunicação, e possibilita experiência de aprendizagem única: o próprio reconhecimento e engajamento da equipe enquanto profis­ sionais singulares e enquanto coletivo. Um verdadeiro processo de aprendizagem significativa é o que mostra esse lugar de trabalho (produção teórica) e ação (experiência pela prática): um grupo respeitoso ao jeito de ser de cada membro e da comunidade atendida, garantindo o acolhi­ mento da alteridade, pelo pertencer com envolvimento. Amparando, ampara-se e pode ousar riscos e aprender pelo fio da sintonia de aprender realizando.