1) Com o ocorreu a inserção do Aconselhamento Psicológico no contexto nacional, tendo com o parâmetro a Universidade de São Paulo?
R: N o Brasil, a constituição d o cam po de Aconselhamento Psi cológico (AP) trilhou uma trajetória diferenciada dos contextos norte-americano e europeu. É importante frisar que a profissão de psicólogo ainda não era regulamentada por lei e a prática de orientação era exercida por outros profissionais. O s profissionais de AP desse período travaram dupla luta no reconhecimento de sua prática: a legitimação da Psicologia com o profissão distinta e autônoma em relação às ciências naturais e às outras ciências sociais e humanas, e a afirmação da prática de Aconselhamento Psicológico com o m odo de atuação legítimo do psicólogo.
A proposta de Rogers (Terapia Centrada no Cliente) era mais compreendida com o uma plataforma para o pensar do que uma técnica ou uma teoria à disposição do psicólogo. Isso estava de acordo com muitas idéias do autor (ROGERS, 1994) acerca, inclusi ve, de sua própria abordagem e implicava uma legitimação teórica
para criar alternativas de atuação profissional condizentes com o contexto no qual se inseriam. Portanto, não havia um “m ode lo” pronto de serviço de Aconselhamento Psicológico, aplicável independentemente da instituição e do contexto.
A partir de reflexões constantes da prática e de pesquisas acerca da população atendida, foi configurado um esquema de “Plantão Psicológico” inicialmente apresentado com o um desafio d o SAP para responder às demandas individuais no momento de seu surgimento com o queixa aos profissionais do serviço. Nesse sentido, o cuidado já era oferecido sem a necessidade da elabo ração de um diagnóstico tradicional e de um encaminhamento atrelado ao Plantão. Entretanto, com o serviço em instituição, aos poucos a sua capacidade dinâmica e criativa foi se perden d o na institucionalização de m odos inicialmente contestadores. Apontava-se assim para a necessidade de uma revisão crítica da Abordagem Centrada na Pessoa e, sobretudo, d o próprio cam po de Aconselham ento Psicológico, na busca por intervenções mais pertinentes tanto no trabalho em instituição quanto nos atendimentos oferecidos à comunidade.
2) Por que o autor optou em sua metodologia em trabalhar com a interlocução entre o depoimento da coordenadora do labo ratório universitário, entrevistas dos estagiários dos projetos de atenção psicológica e a própria experiência do pesquisa dor?
R: Tendo com o bases o fenômeno da aprendizagem significati va, o trabalho cartográfico e a démorche clínica de pesquisa de orientação fenomenológica existencial, o clínico nas ciências humanas trabalharia principalmente no campo, buscando teori zações a partir de uma ação situada, pautada não somente numa compreensão de problemas demandados, mas também em sua compreensão pelos seus interlocutores. Desse modo, o conhe cimento é construído a partir da ação com o outro, que, por sua vez, se apresenta com o sujeito em posição e pela autenticidade de palavra. Por esse prisma, uma teoria nunca se esgotaria no seu olhar/dizer sobre o fenômeno, pois, estando inserida numa trama de significados e assuntos humanos, ela se submete a um jogo de construção e desconstrução de modos possíveis de compre ensão marcados por um coletivo e por uma historicidade. Por outro lado, o seu caráter de previsão e controle dos fenômenos pode abrir-se numa perspectiva de atenção para o que aparece em situação.
Em um m odo de pesquisa no qual o próprio pesquisador tam bém se insere com o um interlocutor de experiências, o deslo- car-se do pesquisador não ocorre apenas na explicitação de seu espaço de pertencimento, assumindo-se como participante, mas se desenvolve, simultaneamente, numa temporalidade. O próprio pesquisador, buscando investigar trilhas no terreno do vivido, faz uma trilha com suas pegadas e olhares, constituindo também a paisagem que busca observar, descrever e compreender. Assim, para refazer uma trajetória que se pretende, ao mesmo tempo, singular e coletiva, procurou-se realizar uma cartografia do la boratório a partir de seus integrantes.
A opção por se colher um depoimento da coordenadora do LEFE visa apresentar uma narrativa da constituição desse labora tório. Após a elaboração dessa narrativa, o pesquisador se diri giu aos estagiários dos projetos de atenção psicológica do LEFE com o intuito de descobrir as contribuições possíveis que esse laboratório possibilitou à formação de seus alunos. Dentro desse universo de possibilidades, a intenção do pesquisador foi revelar um m odo de prática clínica em instituição que vem se realizando pelos integrantes desse laboratório. Por essa via, a interlocução se apresentou com o m odo mais pertinente de se colher os relatos de experiência. A interlocução possuiria um foco clínico, pois visa a um aprofundamento reflexivo a partir da questão inicial dispa radora, que o pesquisado poderia nunca ter tido, não fosse pela
situação de interlocução, revelando, desse modo, essa situação com o também uma construção de conhecimento.
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3) Qual é a noção de ação clínica e sua relação com a cartografia e metodologia interventiva com o pesquisa?
R: A partir da pesquisa realizada, surge mais uma contribuição para a possibilidade de constituição de modalidades de prática 1 psicológica que renunciam à necessidade de conceber um modo de subjetivação destacada e desvinculada dos aspectos institucio nais, culturais e sociais, inclusive do contexto concreto e real no qual ela se presentifica. Isso se encontra presente nas experiências vividas de náo-dualidade entre sujeito e instituição, nos através- , sarnentos revelados pelo sujeito em suas ações. Se, por um lado, essa perspectiva produz uma fragilidade na autonomia do sujeito, ao apresentá-lo constituído por outros atravessamentos, por outro í lado não nega a possibilidade de um situar-se desse sujeito nessa condição e da realização de ações reflexivas e apropriadas.
Dispõe-se, assim, de uma compreensão d o sujeito com apro ximação da filosofia fenomenológica existencial, aproximação essa que foi um ancoradouro possível para reflexões já em an damento pela equipe do laboratório, que nela encontraram uma fundamentação possível para a compreensão de ser.
A partir dessa compreensão de sujeito, a ação clínica é marca- ' da por um “inclinar-se para” disponibilizando atenção e cuidado para o sujeito em situação. A atenção encontra-se contemplada na prontidão do olhar e da escuta que, situando o psicólogo, ( possibilita que ele situe o sujeito demandante por cuidado. Por \
sua vez, o cuidado contempla o encaminhar uma comunicação [ rumo a sentido, orientando significados que possibilitam o ques- j tionamento, a reflexão e o situar-se do sujeito na direção do j
bem-estar. O bem-estar, aqui, estaria intimamente relacionadoà j
saúde, no sentido de propiciar meios para que o sujeito trace um < caminho pessoal e original em sua existência, referindo-se, sobre- j tudo, à possibilidade de trânsito, movimentação e deslocamento j
do ser nas suas condições delimitadas concretamente. j Por sua vez, a cartografia se configura como um conhecer e um dar-se a conhecer, com o possibilidade de passar pela experiência e ser por ela marcado. Ela configura-se para o psicólogo como uma atitude cartográfica constante e presente, possibilitando e engendrando ações clínicas pertinentes, contextualizadas e re
flexivamente refletidas. '
Já a metodologia interventiva com o pesquisa se refere à pos- \ sibitidade de pesquisar essa alternativa de ação clínica em insti- [ tuição. Ela surge das reflexões produzidas no espaço de super- | visão e possui a intenção de comunicar uma experiência vivida, revelando-se com o intervenção ao possibilitar novas re fle x õ e s {
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Tatiana Benevídes Magalhães Braga** ■ Eda Marconi Custódio
* * *Este capítulo pretende apresentar uma abordagem fenomenológica existencial da formação em Psicologia, a partir de experiências de Plantão Psicológico. No entanto, para entender como essa compreensão se desenvolveu, faz-se necessário considerar alguns aspectos referentes à constituição histórica dessa perspectiva para a formação em Psicologia, situando-a no contexto do desenvolvi mento das ciências, no próprio contexto da Psicologia e no contexto brasileiro. Inicialmente, é preciso apresentar a perspectiva epistemológica (ou seja, o modo como se entende que uma metodologia é apropriada para a cons trução de conhecimento) da fenomenologia, que permeia essa compreensão e a prática de formação. E necessário ainda acompanhar alguns aspectos do percurso da Psico logia e de seu ensino no Brasil, a fim de situar o modo de constituição dessa formação. Finalmente, é preciso apresentar o contexto no qual esse modo de olhar e traba lhar, bem como a presente pesquisa, foi desenvolvido, tornando compreensível o percurso de aprendizagem e formação doravante abordado e articulando a formação com as dimensões de pesquisa e práxis presentes na Psico logia enquanto ciência e profissão. Em seguida, serão expostos alguns momentos da trajetória de formação de alunos de graduação na prática de Plantão Psicológico em projetos de Atenção Psicológica em Instituições e tecidas considerações sobre suas experiências.
*C ondensação de Braga, T B M , 2005. **Pesquisadora principal.
***O rien tadora da pesquisa.