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No decorrer deste trabalho, o interesse de estudar uma prática psicológica em instituição psiquiátrica com atenção à inclusão e à cidadania foi sendo desvelado. Em particular, alguns conceitos, como cuidado de si, autonomia e cida­ dania, foram se evidenciando. E isso não parece casual nem coincidência. Afinal, durante os vários anos de prática psicológica em hospital psiquiátrico, foi possível constatar que tais modos de ser se apresentam como fundantes para a conquista de um existir pacificado.8 A medida que a pessoa vai se apropriando de tais modos, ampliam-se possibili­ dades para múltiplas percepções, abrindo, dessa feita, um universo de outras tantas possibilidades no sentido do bem viver. Dizendo de outro modo, a realização existencial9 pode intimamente associar-se à forma como a pessoa se apropria e faz uso dessas possibilidades.

Minha experiência junto às pessoas institucionalizadas tem possibilitado compreender como o movimento de inclusão ao contexto social na verdade é um caminho de sucessivas aberturas a trilhas possíveis. Cada uma delas relaciona-se às seguintes, e a antecessora se oferece como sustentação às posteriores. E desse modo que ocorre um início de resgate e aprimoramento do cuidado de si, abrindo-se possibilidades para uma forma de ser autô­ noma, que pode conduzir ao resgate de cidadania.

Voltando à questão que abre esta discussão, o cuidar de si, considero a visão de Almeida (1999), ao afirmar que o ser do homem se constitui no cuidado. Não é algo que podemos ou não ter diante de uma dada situação, mas se refere à constituição ontológica do humano. “ O homem não tem cuidado, é o cuidado” (ALMEIDA, 1999, p. 46). Sendo a angústia o temor de ver aniquilado o ser-aí, o homem se apresenta ao mundo sempre cuidando da sua existência de maneira a preservá-la. A forma que responde

80 termo existir pacificado” não se refere a um a condição de “plenitude” ou de ausência de sofrimento , mas sim à possibilidade de apropriar-se da vida com serenidade.

9 Realização existencial refere-se à possibilidade de a pessoa transitar pela vida pautada pela apropriação dos próprios anseios e aspirações.

àquilo que se apresenta tem sempre em seu âmago o cuidar

de ser. Na verdade, >

[...] o cuidado, enquanto totalidade estrutural pri- r mordial do ser-no-mundo, encontra-se anterior i a toda posição ou conduta particular do ser-aí de um modo existencialmente a priori. Isso quer dizer que o cuidado sempre se acha em qualquer conduta fáctica realizada pelo homem. (ALMEI­

DA, 1999, p. 57) 1

i Trazendo a questão para a temática abordada neste \

trabalho, fica sendo implicitamente fundamental, para toda prática psicológica em instituição, criar situações que possam promover relações que facilitem o surgimento de uma tal condição, debilitada ou construída de maneira avessa ao seu real jeito de ser. Nesse sentido, a manifes- ! tação do comportamento divergente pode ser compre- i endida como um modo malogrado do cuidar de ser. Na i impossibilidade de desenvolver um cuidado de si próprio, . o sujeito se afasta das possibilidades de realização/apro­ priação, ou seja, perde a possibilidade de exercer a auto­ nomia. Deixando de realizar essa possibilidade, priva-se ao acesso à condição de conduzir sua existência. Dizendo de 1 outra forma, encontra-se prejudicado em sua cidadania. s Dessa forma, resgatar a possibilidade do cuidar de si t pode ser o ponto de partida para qualquer ação do diver- gente dirigida, a partir de uma autonomia, para a cida­ dania. Tendo dito isso, passo a descrever como compre­ endo a questão da autonomia.

O termo autonomia deriva do grego auto-nomia (lei í

própria), basicamente significando independência, auto- \

determinação, direito de se autodirigir. N a maioria dos j dicionários filosóficos ou políticos, autonomia é conce­ bida como a competência que tem uma pessoa ou uma organização de se auto-regular através de suas próprias regras. Ou seja, é a possibilidade ou capacidade de reger- se por si só. Na verdade, são vários os significados atribu- | idos à questão da autonomia, variando de acordo com o j olhar que se propõe a estudá-la. Em uma breve excursão , sobre o tema, é possível perceber que autonomia estaria relacionada a: autodeterminação, direito de liberdade, privacidade, escolha individual, livre vontade, comporta­ mento gerado pelo próprio indivíduo e a possibilidade de t ser propriamente uma pessoa (BEAUCHAMP E CHIL' \ DRESS, 1994). Nessa perspectiva, questiono-me se seria E possível, partindo do cuidar de si, compreender autonomia como autenticidade.

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A utenticidade seria a possibilidade de se transitar pela vida con duzin do-se p o r u m a form a de ser que leva em

* conta como você se encontra em relação a si mesmo (ou

1 sejã, Befindlichkeit, para G E N D LIN [1978/1979]). No

i contato consigo mesmo, lançado no mundo e sentindo a , si mesmo em situação, implica poder colocar-se no viver

de forma que leve em consideração essa complexidade. Essa possibilidade diverge da busca da independência, proposta pelas correntes radonalistas. Isso porque se torna 1 pouco possível tal condição, visto que ser no mundo é ser i com tudo e com os outros. A partir dessa abertura, como , uma possibilidade de acesso a si mesmo, poder lançar-se

é compreendido como podendo pautar-se por aquilo que faz sentido para si no momento presente. O que estou dizendo é do ser humano, sabendo de onde vem e onde . 1 está, ter a possibilidade de poder lançar-se à sua destinação

i como pode e como percebe ser mais próprio para si, reco- , nhecendo as imposições de perspectivas outras que não a ( sua própria, escolhendo o que lhe faria sentido.

Retornando à prática psicológica proposta neste trabalho, as situações de atendimento buscam recorrer ao 1 elemento relacional da condição humana (ser-com) para * propiciar a experiência da autenticidade. O respeito ao i sujeito, nesse caso no contexto hospitalar, torna-se o prin­ cipal aspecto na constituição de uma situação propícia à atenção e cuidado para uma forma autêntica de ser daquele que é atendido.

1 Assim, a ação do psicólogo procura ir além do estreito 1 campo do atendimento à pessoa internada, passando a t buscar, também, mudanças no modo como a equipe do hospital se dirige ao interno. A possibilidade de resgatar a autenticidade se torna factível diante de uma outra compre­ ensão do “ser divergente”, por parte da equipe profissional 1 no ambiente hospitalar. Se no contato com o outro a diver-

1 gência não assusta, podem-se estabelecer relações facilita- r doras para que a autenticidade possa emergir.

r Uma pertinência possível da autenticidade, como possi­ bilidade de mudança no modo de viver de um usuário de hospital psiquiátrico, reside em como o seu resgate possibi- 1 lita outras formas de ação para aquelas formas malogradas 1 de existir. A autenticidade, podendo facilitar a conquista r do bem-estar, leva-me a afastar-me de uma visão ideoló- r gica e saturada de ficções românticas e idílicas, que pode­ riam confundir autenticidade com o malogro existencial. Conviver com o outro na autenticidade de seu modo de T ser não significa, correlatamente, compreender o malogro, T no trato com a vida, como forma autêntica de ser. Neces-

t sariamente, a divergência não implica um modo autêntico

de ser. Divergência pode surgir como um modo possível de sustentar a existência perante a condição de desaloja- mento.

Lançado no mundo e em confronto com a sua própria vida e consigo mesmo, o divergente cria um simulacro existencial (CAUTELLA, 2003) como forma de sobrevi­ vência. Esse simulacro, em parte, nasce da impossibilidade de conviver com sua alteridade, ou seja, dos modos diver­ gentes de habítar o si-mesmo, desalojando-o. Novas possi­ bilidades existenciais podem surgir a partir do momento em que tais divergências internas possam ser incorporadas, resgatando uma forma autêntica de ser. No modo autên­ tico, o divergente pode realizar sua possibilidade de ser divergente dos outros sem que isso seja um simulacro exis­ tencial. Considerando-se a autenticidade como uma forma de ser implicada em uma ética como morada (FIGUEI­ REDO , 1996), que tenta reduzir os riscos no confronto com a inospitalidade do mundo, pode surgir uma forma de ser divergente, porém não, necessariamente, malograda. A partir do momento em que a divergência seja incor­ porada e aceita como minha forma possível de ser, posso me instrumentalizar para um conduzir próprio pela vida, com ação pertinente. Desse modo, ser autêntico é poder realizar a possibilidade de também ser divergente do outro e do outro em mim. Nesse sentido, ser autêntico implica o contato com a alteridade.

Considerando-se não mais a autonomia, mas sim a questão da autenticidade, como condição humana impli­ cada no modo de ser com outros, conduz a refletir-se outro termo relevante para este trabalho. Torna-se necessário pensar a autenticidade de um sujeito não dissociada da sua situação de cidadão, ou seja, de ser no mundo com os outros.

N a contemporaneidade, muito tem sido dito sobre cidadania, papel arduamente pretendido por todos. No entanto, é necessário tecer algumas considerações em relação a tal conceito.

Segundo o Dicionário Aurélio Básico da Língua Portu­

guesa (BUARQUE D E H O LANDA, 1988), cidadania

“é a qualidade ou estado de cidadão” . Entende-se por cidadão “o indivíduo no gozo dos direitos civis e polí­ ticos de um Estado, ou no desempenho de seus deveres para com este”.

Resgatando o sentido etimológico do termo, cidadão deriva da palavra latina civita> que significa cidade. Seu correlato grego é politikós, ou seja, aquele que habita na cidade. Embora pareça haver uma origem comum entre o significado romano e o grego sobre cidadania, os sentidos

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atribuídos diferem radicalmente. Na Roma antiga, cida­ dania estava atrelada à esfera social, enquanto na Grécia antiga reportava-se à esfera política.

N o conceito de cidadania da Roma antiga, ser cidadão nao era uma situação natural, mas sim um status a ser conquistado pela submissão a um grupo de normas que regulamentava a ocupação do espaço social para convi­ vência delimitada. O cidadão era aquele que tinha o direito de pertencer. Nesse caso, cidadania está relacionada a uma posse. Pode ser vista como uma propriedade, algo que se possui como um bem concreto e que é adquirido. Cons­ truído ou conquistado. Tal modo de conceber e organizar as relações entre as pessoas tornou-se o germe da obra original e imperecível dos romanos — o direito. Desse modo, o conceito de cidadão, na modernidade, parece ter derivado da concepção romana. Assim, o verbete citado aponta para a drcunstancialidade de tal situação, distin­ guindo entre os “direitos” e “deveres” dos homens para poderem possuir cidadania. Na Roma antiga e na moder­ nidade, cidadania é um beneplácito social.

Na concepção grega, cidadania é uma condição natural. Diferentemente da concepção romana, na qual ser cidadão é uma posição conquistada, no olhar grego, estando lançado na esfera pública, o homem já é e sempre foi cidadão. Portanto, nesse enfoque, cidadania é uma condição política. Diz respeito à Ação (ARENDT, 2002), visto que convoca o homem a experienciar e a agir dentro das possibilidades apresentadas pela sua condição de habi­ tante do mundo. Essa é a perspectiva de Arendt. Ao refletir o sentido deVida ativa, ou seja, a atividade do homem no mundo junto com os outros, ela enumera três atividades fundamentais: Labor, Trabalho e Ação.

O Labor é uma atividade assinalada pelas necessidades dos processos biológicos. E uma atividade que o homem compartilha com os animais, estando relacionada com a manutenção da espécie. Vem daí o termo Animal laborans (ARENDT, 2002).

O Trabalho, ao contrário do Labor, não está, neces­ sariamente, contido no repetitivo ciclo vital da espécie. É no Trabalho que o Homofaber (ARENDT, 2002) cria coisas através da matéria-prima extraída da natureza. Por essa condição, o homem cria um mundo de objetos compartilhados por outros homens. Refere-se à capacidade humana de transformação da natureza quando lançado no mundo.

A Açao seria a única atividade que se exerce direta­ mente entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria. Diz respeito à condição humana de pluralidade,

visto que são os homens, e não o homem, que habitam o mundo. Essa pluralidade é condição fundante para toda *

a vida política. 1

Se no Labor o homem revela suas necessidades fisioló- 1 gicas e no Trabalho ele expressa sua capacidade criadora, é l na Ação que ele apresenta a si mesmo. E por ela que torna | vulto a liberdade, visto a capacidade do homem, por essa

condição, de conduzir-se ao seu próprio destino, manifes- ' tando, assim, sua forma única de expressão do existir. É no 1 campo das ações que se torna possível resgatar o significado ! para a vida humana e, a partir disso, revelar-se como uma I forma de ser única.

No campo da Ação, sao as palavras e os atos que nos inserem no mundo humano. A condição fundante do homem diz respeito a agir; e as palavras são o que gera * a distinção (diferença entre os homens). Nela efetiva-se a ^ condição humana da pluralidade, isto é, do viver como [

ser distinto e singular entre iguais. (

O resgate da cidadania do divergente, agora compreen­ dida como habitar um espaço político na acepção grega do f termo, inaugura-se através da recuperação dos atos e das ^ falas. Não me refiro a uma fala performática, destituída de I sentido para aquele que fala, nem a uma ação que perdeu | seu caráter específico, transformando-se em um mero ato. ^ Dizendo de outro modo, o resgate da condição política do divergente implica o trânsito pelas dimensões humanas da impropriedade (BOSS, 1977) para a propriedade e a ^ possibilidade de ser de forma autêntica no mundo. \

Nessa perspectiva, minha ação profissional visa resti- J tuir a voz ativa e a ação do sujeito na instituição. Por estar i implicada em uma rede complexa de aspectos de diferentes esferas e dimensões intra e inter-humanas, a intervenção psicológica busca favorecer a criação de “espaço público”, aqui compreendido na acepção grega do termo, no qual as palavras e as ações possam transitar livremente. Isso nao significa o favorecimento de uma “postura mais ativa” no seu cotidiano, meramente reivindicadora, inconseqüente ou pueril. Falar e agir como expressão da condição polí­ tica de sujeito implica encontrar-se a partir de um “espaço de separação e recolhimento, como proteção” (FIGUEI­ REDO , 1996), ou seja, uma morada que o acolhe para um lançar-se adiante.

N o decorrer destas considerações, vem sendo elab o rad a uma ressignificação para certos termos, propiciando aber­ turas possíveis para a compreensão de como pode acon­ tecer a inclusão do divergente ao jogo social. Procede, agora, uma articulação das possibilidades d e s c o r tin a d a s para a prática psicológica em instituições.

A possibilidade de o divergente ocupar o seu lugar no mundo inicia-se no cuidado de si. A partir desse compro­ misso ontológico consigo mesmo, que, muitas vezes, se faz de maneira debilitada ou de forma pouco pertinente ao seu real propósito, abrem-se possibilidades múltiplas no sentido do bem-estar. O cuidado de si torna-se funda­ mental para um compromisso, pessoal e intransferível, no sentido de cuidar de ser. Ou seja, a partir do cuidar de si, o homem é convocado no agir, como projeção para seu destino, a abrir possibilidades de ser que permitam um estar possível e próprio no mundo com outros. E por esse dirigir-se que se desvelam as possibilidades de inclusão.

O homem, quando lançado no mundo, se defronta com a sua condição de desalojamento e fmitude. Tendo como única certeza o inevitável encontro com a morte, é tomado pela angústia, fundante de sua forma de ser. E da relação com a morte, que nos é imposta como verdadeira e inevi­ tável, que pode surgir a possibilidade de uma “verdadeira vida” . N a impossibilidade disso, surgem formas malo­ gradas de ser.

Na in-pertinência no encontro com a angústia, dada a possibilidade da morte e desalojamento, o homem vive na impropriedade (BOSS, 1977). Mantendo-se distanciado de si mesmo, sobrevivendo e não existindo, ele malogra no compromisso consigo mesmo, criando um simulacro exis­ tencial. Assim, nao há espaço para a autenticidade, visto a impossibilidade, quando nesse estado, de transitar pela vida conduzindo-se por uma forma de ser que leva em conta como o sujeito se encontra em relação a si mesmo. Nessa situação, nao se apropria de uma ética protetora, valores subjetivos e próprios que podem conduzir à propriedade e à existência realizada. Autenticidade, portanto, afasta-se do conceito de autonomia, prevalecente na modernidade e compreendido como independência e auto-realização. Compreendendo o homem como lançado no mundo junto com tudo e os outros, torna-se pouco possível, uma forma de ser autônoma.

Assim, o estabelecimento de relações que pretendam o resgate de possibilidades existenciais do divergente institu­ cionalizado pode partir de uma concepção na qual auten­ ticidade ocupe o lugar da autonomia. O u seja, não é a independência e a auto-realização que podem conduzir ao bem-estar, mas sim a possibilidade de viver a partir de uma ética cuidadora, mesmo que essa forma de ser possa se apresentar aos olhos do mundo como divergência. Desse modo, explicita-se uma diferenciação entre divergência e simulacro existencial.

A divergência pode ser um simulacro existencial, como também pode apresentar-se como uma forma autêntica de ser no mundo. No primeiro caso, a divergência expressa um sofrimento e uma impropriedade, que surgem na in-pertinência para responder às inj unções do viver. No segundo caso, expressa a alteridade do indivíduo, cons­ truída no percurso histórico de sua existência, permitindo um existir pacificado, mesmo que “fora das normas”.

Voltando à questão do simulacro existencial, expressão do sofrimento e da impropriedade no ser no mundo, torna-se, neste momento, possível realizar algumas refle­ xões em relação a uma questão levantada anteriormente: quem exclui e quem é o excluído, a partir de qual pers­ pectiva? Nela implica-se a complexidade do processo de exclusão. Poderia ser repetitivo se, a partir das concepções aqui abordadas, pudéssemos apontar o responsável pelo processo de expurgo. Ao ocupar o seu lugar no mundo, o divergente passa, necessariamente, pelo resgate da auten­ ticidade, fundamentada por uma ética pessoal protetora, e do homem como ser político, afastando-se do conceito de cidadania moderno, que condiciona o pertencimento do homem à esfera social através de uma normatização. Todo esse movimento de desconstrução levou a uma possível conclusão: autenticidade e cidadania, como aqui compreendidas, são condições sine qua non do homem, e não posições que dependem da conformação a normas preestabelecidas de virtudes ou sociais. A partir disso, toda prática psicológica, discutida neste trabalho, afasta-se de uma intervenção adaptativa. Na verdade, busca resgatar habilidades pertinentes ao humano para que o sujeito em sofrimento possa resgatar seu lugar de habitante do mundo, mesmo divergindo de normas universais precon­ cebidas.

Nessa perspectiva, o fenômeno da exclusão aponta uma complexidade que, muitas vezes, é negligenciada pelos vários segmentos da sociedade, envolvidos por ele. Nele está implícito o enredamento de vários mecanismos arcaicos que ocorrem no contato com o diferente.

Se no início deste trabalho foram apontados os meca­ nismos que podem atuar no movimento de exclusão do divergente, colocando a sociedade e os hospitais como algozes, tento trazer, agora, uma outra perspectiva. Iden­ tidade e diferença são nossas primeiras formas de ser no mundo; assim, dependendo da marca de ausência, provocada pela ruptura da ilusão eu-mundo, articulam- se inúmeras possibilidades de como eu posso lidar com o diferente. Através da alteridade pode-se tecer uma outra

compreensão possível para o fenômeno, e, quem sabe, um encaminhamento para a convivência pacífica.

Alteridade aqui é compreendida como uma emergência no contato com o mundo circundante, que denuncia que nem tudo é o que eu sou e nem todos são como eu sou (BRANDÃO, 1986). O outro nos desvela. O que não posso ver de mim mesmo, por comodidade ou necessidade de sustentação existencial, o outro pode fazer presente pela e na sua forma de ser. Isso acontece porque o dife­ rente, na sua estranheza, aponta outras possibilidades de ser, até entao obscurecidas, causando um descentramento.