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REFLEXÕES SOBRE O PLANTÃO PSICO LÓ G ICO À PO LÍCIA

M ILITA R

Em outro trabalho, foi possível expressar a compre­ ensão de que:

(...) a rotina de trabalho do policial militar inclui uma extensa gama de atividades, desde o acendi­ mento a ocorrências sociais (realização de partos, contenção de indivíduos alcoolizados, m e d ia ç ã o

de brigas), realização de rondas ostensivas com vistas à prevenção da criminalidade, até o enfren- tamento em casos de roubo, seqüestro, tráfico de drogas. (OLIVEIRA, 2005, p. 63)

Na direção sugerida por Heidegger, que afirma que “O

stress tem o caráter fundamental de solicitação de um ser interpelado” (2001, p. 165 [grifos do autor]), é possível

vislumbrar um outro significado para o estresse aludido pelo pedido inicialmente dirigido à equipe de trabalho do LEFE. Estresse é o termo que se refere às solicitações (no caso, excessivas) às quais o sujeito é chamado a corres­ ponder diante do mundo. Enquanto solicitação, pode ser compreendido como fruto da condição ,ek-stática humana, “(...) parte da constituição da essência do homem ek- sistente” (H EID EG GER, op. cit.> p. 163).

Assim, o plantão psicológico oferecido à Polícia Militar pode revelar o sentido de espaço de reflexão, no qual se dá atenção à forma como o sujeito se conduz pelas solicitações enquanto ser que vive no modo da existência. Em outros termos, “ (••■) atenção ao modo de ser do homem como cuidado de si e trânsito pelas interpelações dos entes que lhe fazem frente” (OLIVEIRA, op. cit., p. 65).

Entretanto, as mesmas condições podem ser pensadas em relação aos plantonistas. Inseridos na mesma estrutura ek-sistente, é preciso que tenham um espaço de atenção às suas próprias interpelações no cotidiano do trabalho que realizam.

Esta consideração é peculiarmente importante porque, nas duas Companhias em que o plantão psicológico foi implantado, houve momentos em que a procura pelo serviço cessou, levando os plantonistas a passar por momentos de tédio. A primeira intenção da equipe, nesse momento, foi tentar identificar o que na instituição estaria provocando aquela situação. O policial teria vergonha de se expor, por ser visto procurando atendimento? Seria a rigidez institucional a responsável? Pesaria a dificuldade de se admitir frágil?

Procurava-se apenas no outro o motivo que fazia com que, em alguns momentos, o serviço parecesse perder sua efetividade. Contudo, é possível dizer que essa maneira de responder ao desconforto tinha um sentido específico. Todas as questões formuladas eram de fato pertinentes, mas talvez seu foco pudesse ser dirigido para outro lado. A equipe de plantonistas havia se institucionalizado, e, portanto, se tornara passível das mesmas críticas que dirigia à instituição.

Apenas a partir das reflexões propiciadas pela super­ visão foi possível perceber, nesse e em outros episódios semelhantes posteriores, os efeitos da força coerciva que a instituição exercia sobre os plantonistas, convidando-os a partilhar de seus princípios e valores.

Envoltos pela instituição, e refletindo-a, como um espelho, os plantonistas atravessaram, em mais de uma oportunidade, uma crise de função e efetividade, análoga e similar à crise aludida pelos policiais em relação ao seu próprio cotidiano profissional. Abertos para esse sentido, conseguiram novamente transitar pela instituição como

força instituinte, e não como coisa instituída. Nesse

momento, foi possível compreender que, a despeito da possibilidade de qualquer alívio momentâneo, a sucessão de crises atravessada sinalizava a necessidade de dirigir uma interrogação aos usuários do serviço, a quem a prática se destinava. Em outros termos, a prática só poderia ter um sentido para a equipe de plantonistas se desvelasse um sentido para aqueles a quem se dirigia.

Enfim, foi preciso permitir que os próprios policiais explicitassem sua posição pessoal sobre o serviço, através de depoimentos. Foram entrevistados quatro policiais, dois de cada uma das Companhias em que o serviço era reali­ zado. A situação de depoimento

foi criada para propiciar a apresentação de uma narrativa, pela qual o sujeito possa ir tecendo um sentido para o serviço de plantão psicológico, fa­ zendo uso da compreensão prévia que ele já tem, para que dela algo possa ser interpretado. Ao nar­ rar, o sujeito pode retomar a si mesmo numa pers­ pectiva historial e significativa do vivido. Assim, colocando a experiência em trânsito pela lingua­ gem, o sujeito resgata, na sua própria história, a compreensão do vivido como referência que redi­ mensiona a sua situação, reabrindo possibilidades futuras e permitindo novas perspectivas para o próprio sofrer. (OLIVEIRA, 2005, p. 71)

De fato, conforme aponta Gendlin (1978/1979), numa aproximação possível dos existenciais heideggerianos com a clínica psicológica, a condição humana se apresenta no mundo a partir de três disposições: a forma como se encontra no mundo e situa a si mesmo (Befindlichkeit); a compreensão implícita, anterior à cognitiva, que surge desse encontrar-se; e a fala., possibilidade de comunicar essa compreensão prévia.

Busca-se, portanto, permitir que o depoente explore, a partir da pergunta dirigida pelo entrevistador, sua experi­ ência na temática sugerida (no caso, o serviço de plantão psicológico) e explicite o sentido por ela revelado. O depoi­ mento visa à comunicação das compreensões do sujeito em relação à situação c o n s id e r a d a , em busca de um sentido.

Por outro lado, a experiência de plantonista, propiciando suas próprias compreensões prévias, também permite que se investiguem novos sentidos para o serviço. Portanto, a partir desse ponto, a intenção é articular as compreensões expressas pelos policiais às compreensões colhidas durante a experiência de plantonista, realizando algumas considera­ ções pertinentes ao campo da prática psicológica em insti­ tuição, em especial à modalidade plantão psicológico.

ARTICU LA N D O COM PREENSÕES