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Re-conhecer: Deixar-se Afetar e Tecer Espaços de Pertencimento

(...) todas as supervisões que a gente tem aqui (...) todo mundo pergunta... “O que é que você sentiu na hora em que estava atendendo?” Ou... “Como é que você se sentiu quando a pessoa respondeu isso ou aquilo?...” E você se ter como referência na hora do atendimento é uma coisa que ninguém ensina (...) O que eu senti só é importante aqui. Em outras supervisões nunca foi. E é o que mais me instrumentaliza... Porque a partir do que eu senti e percebi eu vou poder intervir...

(...) o que mais me faz entender... são as conver­ sas, tanto com (...) meus supervisores, quanto com meus colegas (...) na supervisão... da aula... Tem umas discussões que a gente tem, ou tem um tra­ balho que a gente faz... discussões... Com meus amigos... conversas, no geral... Conversa quando sai do plantão, começa o plantão...

...as pessoas precisam de uma figura de referência (...) quem está atrás de mim (...) eu posso con­ fiar (...) Me suprem de cuidados, e eles só conse­ guem fazer isso porque a gente é uma equipe, e

que vai suprir um ao outro de cuidados e assim por diante.

(...) dessa experiência clínica, isso estar sendo legi­ timado como... relevante numa supervisão... e eu poder estar sendo cuidado. Então não só um olhar visando um cliente, ou o caso, mas como essas coi­ sas estavam me afetando (...) esse foi o modo como as coisas foram mudando... Acho que teve o cuida­ do das pessoas em justamente não me atropelar... E (...) dizendo que também já passaram por isso... Ou que não passaram (...) Trocando essas coisas eu conseguia... Estar trabalhando comigo essas ex­ periências... Então eu acho que é um trabalho em conjunto, mas também um trabalho solitário... (...) no começo você só recebe, porque você não se autoriza a falar, você desce do jeito que (...) a pessoa estava. E aí na hora que você chega lá e tem a supervisão, a pessoa vai nomear tudo aquilo que você está sentindo... E aí, pronto: você vai ver que da próxima vez dá para você chegar lá e fazer isso com a pessoa, que vai ser suficiente.

A partir da vivência de crise, a construção de um perten- cimento nos espaços de discussão possibilita reorientar e tecer as experiências e torna-se um referencial que sustenta a criação de sentidos, deixando fluir novos significados e interpretações e novas articulações entre concepções já construídas, constituindo conexões e percursos teórico- práticos. A configuração da equipe como espaço de disponibilidade ao aluno e de escuta de sua experiência ocorre pelas inter-relaçoes no grupo, pautadas por múlti­ plos dizeres, e possibilita um espaço de pertencimento e testemunho integrante da ação clínica: pela circulação da palavra na pluralidade de tramas de signos e significados, se desconstroem lugares rígidos de saber. Reconhecer o desalojamento como implicado no movimento de busca de sentido permite alçar a afetabilidade como via de cons­ trução de sentidos que não se afiguram apriori na situação clínica, mas se mostram no fluxo da experiência em sua multiplicidade de acepções possíveis, expressas e tecidas no diálogo e na intersubjetividade.

A relação terapêutica torna-se algo a ser construído, na abertura ao desconhecimento do que se desenrolará - na inserção na instituição, no Plantão Psicológico. A crise se reapresenta como questão e condição cara à relação clínica: pessoas, instituições, relações institucionais, grupos, se apresentam a partir das possibilidades dadas por seu modo

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de ser, e seu encontro com elementos do mundo, inclusive o clínico, se constrói a partir desse mostrar-se. O olhar clínico parte do interrogar esse modo de apresentar-se e a atitude clínica se dispõe como movimento pela apre­ ensão da própria afetabilidade e percepção, expressas nos espaços de discussão: a valorização da própria vivência ganha importância como eixo no qual significações podem ser construídas.

Esse olhar vai se constituindo como configuração perceptiva, alinhavada aos múltiplos engendramentos dos que participam do contexto das relações clínicas, e às interpretações que daí derivam, não como causalidade, mas como genealogia do ser e fazer presentes. Expressar a prática vai se referindo não apenas ao cliente/instituição, mas à própria afetabilidade diante de um outro, de um contexto, do mundo: perceber como se é afetado é o primeiro recurso alçado para perceber o próprio campo experiencial,4 já que nao se apresentam conceituações a priori para compre­ ender aquilo que é vivido na instituição.

Os espaços para falar e ouvir tornam-se território de questões, reflexões e novas construções de sentido. Neles, ocorrem reconfigurações do significado e direcionamento atribuído às experiências e à sua expressão, acompanhando passagens e desvios pertinentes ao processo de aprendi­ zagem. Não se mostram resultados, mas uma apreensao afetivo-cognitiva que volta a atenção ao olhar e inter­ rogar. Do desalojamento sentido emerge a afetabilidade como abertura para perspectivas pertinentes de expressão e nomeação da experiência, em articulação com outras experiências e experiências de outros.

Nessa compreensão se orienta a questão do cuidado, nas inter-relações com outros, para o diálogo sobre a experi­ ência. Percebem-se os espaços desse diálogo como lugares em que a afetabilidade tem legitimidade, possibilitando o trânsito do sensível ao significado, na construção de conhe­ cimento na aprendizagem e na pesquisa. Desse modo, a contextualização do saber se dá experiencialmente e na própria atuação, apontando reflexões pertinentes à atuali­ dade do trabalho: dimensões afetivas, sociais, éticas, polí­ ticas não são percebidas como anexas, mas como perme­ ando todas as relações, inclusive a atuação clínica e a confi­ guração dos espaços pedagógicos.

4A expressão cam po experiencial refere-se não apenas à experiência em sua dimensão afetiva, mas procurando abarcar o hom em em sua dimen' são totalidade, nas inter-relações entre significados, sentidos, concepções, corporeidade e historicidade que se entrelaçam na compreensão humana do m undo. Sobre a percepção com o totalidade, consultar MERLEAU- PO N TY , M . (1974: 1990).

Nessa via, articulam-se escuta e expressão na situação clínica à abertura para perceber o outro e os outros não apenas no que é dito, mas a partir de todo o desenrolar do encontro, na multiplicidade do que aí é expresso. A partir da percepção de sua afetabilidade pelo outro, configurada no testemunho e na solicitude clínica, faz-se o trânsito pelo sentido. A circuncisão do espaço terapêutico dá-se na multiplicidade de possibilidades humanas da esfera Íntersubjetiva, na tessitura de “pontes” de diálogo entre eu-outro, através das quais passagens e travessias de afetos, significações e dimensões da existência podem ocorrer.

A experiência do aprender clínico tem também, em sua legitimação, outros como testemunhas, tanto na equipe de trabalho enquanto espaço pedagógico quanto na situação clínica enquanto experiência da prática. A afetabilidade, vivida como solicitude na esfera íntersubjetiva, é experíen- ciada também como cuidado, nos espaços de supervisão e discussão, em que a percepção das impregnações do vivido vai se constituindo como instrumento clínico e possibi­ litando que questões e problemas levantados não digam respeito apenas ao outro, mas afigurem um pertencimento coletiva enquanto facetas de questões e possibilidades humanas, numa mesma sociedade e mundo humanos. Nessa reorientação, uma das dimensões iniciais ocupada pelos espaços de discussão é a identificação: perceber a própria ação clínica pertinente e a um grupo, e construir conexões entre suas apreensões e as de outros. Escutar outras experiências configura-se expressão da própria expe­ riência: ouvir a experiência de outros, que alude à própria experiência, mostra-se um se ouvir na. experiência de outros. Pela relação entre experiência e criação de significado, os alunos reconhecem o espaço da intersubjetividade como uma esfera de comunicação pré-objetal e não conceituai, na qual o sentido pode ser apontado e nomeado pela fala, mas não pode ser apreendido em totalidade. O trânsito de afetos, significados e sentido na linguagem emerge como referencial próprio do fazer clínico e como um voltar-

se,: abertura para deixar-se afetar pelo outro e afetá-lo de

modos tecidos no próprio diálogo, na multiplicidade do espaço inters ubjetivo.

Dizer: Rememorar a Experiência e