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Brincando de Peekaboo

No documento Sally Wendkos Olds • Ruth Duskin Feldman (páginas 193-195)

m uma oca de barro em uma zona rural no sul da África, uma mãe sorri para seu filho de 9 meses, cobre seus olhos com as mãos e pergunta, "Uphi?" (Onde?). Três segundos depois, a mãe exclama "Aqui!" e destapa os olhos do bebê para seu re- gozijo. Em uma apartamento em Tóquio, uma mãe japonesa, usando linguagem diferente e cobrindo os olhos com um pano, faz a mesma brincadeira com sua filha de 12 meses, que mos- tra a mesma reação de alegria.

"Peekaboo" é uma brincadeira que existe em muitas cul-

turas, utilizando rotinas semelhantes (Fernand e 0'Neill, 1993). Em todas as culturas onde ela está presente *, o momen- to em que a mãe ou outro cuidador reaparece é de muita ale- gria. Ele se caracteriza por gestos e tom de voz exagerados. O prazer do bebê com a estimulação sensorial imediata da brin- cadeira é intensificado por seu fascínio pelas expressões faciais e vocais, principalmente os tons mais agudos geralmente utili- zados pelo adulto.

Além de divertir, essa brincadeira cumpre diversas fun- ções importantes. Os psicanalistas dizem que ela ajuda os be- bês a controlar a ansiedade quando a mãe desaparece. Os psi- cólogos cognitivos a vêem como um modo que os bebês pos- suem de brincar com idéias florescentes sobre a existência, o desaparecimento e reaparecimento de objetos - o conceito de permanência do objeto. Ela pode também ser uma rotina social que ajuda os bebês a aprender os tipos de regras que regem a conversação, como o revezamento com a palavra. A brincadei- ra pode também exercitar a atenção, pré-requisito para a aprendizagem.

A medida que os bebês desenvolvem competência cog- nitiva para prever eventos futuros, a brincadeira adquire no- vas dimensões. Entre 3 e 5 meses, o riso e o sorriso do bebê en- quanto o rosto do adulto aparece e desaparece sinalizam o de- senvolvimento de sua expectativa sobre o que irá acontecer de- pois. Dos 5 aos 8 meses, o bebê demonstra antecipação ao olhar e sorrir quando a voz do adulto o alerta para o iminente reapa-

recimento dele. Com 1 ano, as crianças não são mais apenas observadores, pois dão início à brincadeira, envolvendo ativa- mente os adultos. Agora é o adulto que geralmente responde aos sinais físicos e vocais do bebê, que podem tornar-se bastan- te insistentes caso o adulto não esteja com vontade de brincar.

Para ajudar os bebês que estão aprendendo a brincar de

peekaboo ou outras brincadeiras, os pais, muitas vezes, utilizam

a técnica de andaimes (ver Capítulo 2). Eles encorajam os bebês a passar para um nível superior de domínio, estimulando-os a operar em seu atual nível máximo de competência.

Em um estudo longitudinal de 18 meses realizado na Universidade de Montreal, 25 mães foram filmadas brincando de peekaboo com seus bebês, utilizando uma boneca (Rome- Flanders, Cronk e Gourde, 1995). A quantidade de apoio ofere- cido pela mãe e o tipo específico de comportamento de apoio variava conforme a idade e habilidade do bebê. As mães fre- qüentemente tentavam atrair a atenção de um bebê de 6 meses para começar a brincadeira; isso foi se tornando cada vez me- nos necessário com o passar do tempo. As demonstrações (rea- lizando a seqüência da brincadeira para incentivar o bebê a imitá-la) também eram mais freqüentes aos 6 meses e dimi- nuíam significativamente aos 12 meses, quando verificava-se um aumento nas instruções verbais diretas ("Cubra a boneca") à medida que os bebês tornaram-se mais capazes de com- preender a linguagem falada. As instruções verbais indiretas ("Onde está a boneca?"), utilizadas para concentrar a atenção na próxima etapa da brincadeira, permaneceram constantes durante toda a faixa etária investigada. Os reforços (demons- trar satisfação com o desempenho do bebê, por exemplo, excla- mando "Peekaboo!" quando o bebê destapa a boneca) eram bas- tante constantes a partir dos 9 meses. A quantidade total de apoio diminuía consideravelmente aos 24 meses, quando a maioria dos bebês já tinha pleno domínio da brincadeira.

*As culturas incluídas neste relato são encontradas na Malásia, Grécia, Índia, Irã, Rússia, Brasil, Indonésia, Coréia, Japão e África do Sul.

com bebês ainda mais jovens. C o m o descrevemos posteriormente neste capítulo, es- tudos realizados d e s d e o final dos anos de 1970, utilizando metodologia de proces- samento de informações, sugerem que bebês muito jovens p o d e m formar represen- tações mentais - imagens ou lembranças de objetos fisicamente ausentes - capacida- de que, s e g u n d o Piaget, não aparece antes dos 18 meses. De acordo com essa pesqui- sa, cuja interpretação está em discussão, bebês de 3 a 4 meses de idade parecem ter uma noção de permanência do objeto, conhecer alguns princípios sobre o m u n d o fí- sico, compreender categorização e causalidade e possuir um conceito r u d i m e n t a r de número. O u t r a s pesquisas investigam a capacidade de bebês e crianças p e q u e n a s de lembrar e imitar o que v ê e m (a Tabela 5-3 compara essas descobertas com as concep- ções de Piaget).

Piaget sustentava que a imitação invisível - imitação que utiliza partes do corpo que um bebê não p o d e ver, como a boca - se desenvolve em torno dos 9 meses, depois da imitação visual - o uso de mãos e pés, por exemplo, que os bebês p o d e m ver. Mas em uma série de estudos de Andrew Meltzoff e M. Keith Moore (1983, 1989), bebês com menos de 72 horas de vida pareciam imitar os adultos abrindo a boca e projetando a lín- gua, além de duplicarem os movimentos de cabeça dos adultos.

imitação invisível

Imitação com partes do corpo que não podemos ver, como a boca.

imitação visual

Imitação com partes do corpo que podemos ver, como as mãos e os pés.

202 Diane E. Papalia, Sally W. Olds & Ruth D. Feldman Conceito ou Habilidade Permanência do objeto Conhecimento espacial Causalidade Número Categorização Imitação Concepção de Piaget

Desenvolve-se gradualmente entre terceiro e sexto subestágio. Bebês no quarto subestágio (8-12 meses) cometem o erro A, não-B.

Desenvolvimento do conceito do objeto e conhecimento espacial está ligado à autolocomoção e coordenação das informações visual e motora.

Desenvolve-se lentamente dos 4 e 6 meses até 1 ano, baseado na descoberta do bebê, primeiro dos efeitos de suas próprias ações e depois dos efeitos de forças externas. Depende da utilização de símbolos, que começa no sexto subestágio (18 a 24 meses).

Depende do pensamento representacional, que se desenvolve durante o sexto subestágio (18 a 24 meses).

Imitação invisível se desenvolve em torno dos 9 meses; imitação diferida após o desenvolvimento de representações mentais no sexto subestágio (18 a 24 meses).

Descobertas Mais Recentes

Bebês de apenas 3 meses e meio (segundo subestágio) parecem apresentar conhecimento do objeto, embora sua interpretação das descobertas esteja em discussão. Erro A, não-B pode persistir até o segundo ano ou ir além.

A pesquisa apóia os tempos descritos por Piaget e a relação dos julgamentos espaciais ao declínio do egocentrismo. Ligação com desenvolvimento motor é menos claro.

Algumas evidências sugerem consciência inicial de eventos causais específicos no mundo físico, mas a compreensão geral de causalidade pode levar mais tempo para se desenvolver. Bebês de apenas 5 meses podem reconhecer e mentalmente manipular pequenos números, mas a interpretação das descobertas está em discussão. Bebês de apenas 3 meses parecem reconhecer categorias perceptuais.

Estudos controversos

constataram imitação invisível de expressões faciais em recém- nascidos e imitação diferida com apenas 6 semanas. Imitação diferida de atividades complexas parece existir aos 6 meses.

Contudo, uma análise do trabalho de Meltzoff e Moore sobre imitação invisível (e as tentativas de replicá-lo) só obteve evidência clara e consistente em relação a um mo- vimento - o de projetar a língua (Anisfeld, 1996) -, e essa resposta desaparece em torno dos 2 meses de idade. Como parece improvável que uma capacidade imitativa precoce e de curta duração estaria limitada a um único gesto, alguns pesquisadores sugeriram que a projeção da língua pode servir a outros propósitos - talvez como uma tentativa inicial de interagir com a mãe ou simplesmente como um comportamento exploratório despertado pela intrigante visão de uma língua adulta (Bjorklund, 1997; Jones, 1996). Até a realização de mais pesquisas, a idade em que a imitação invisível inicia-se conti- nuará incerta.

Piaget também sustentava que as crianças com menos de 18 meses não são capa- zes de imitação diferida de um ato que viram algum tempo antes. Contudo, bebês de apenas 6 semanas imitaram os movimentos faciais de um adulto após um intervalo de 24 horas, na presença do mesmo adulto, que dessa vez mostrou-se sem expressão. Isso sugere que bebês muito jovens são capazes de manter uma representação mental de um evento (Meltzoff e Moore, 1994, 1998).

Bebês de 6 a 9 meses demonstraram imitação diferida de uma seqüência comple- xa de ações que observaram, mas não tiveram a oportunidade imediata de experimen- tar (Meltzoff e Moore, 1998). Em um experimento na Nova Zelândia, bebês de diversas idades observaram um pesquisador tirar a luva de um fantoche, soar um sino dentro

da luva três vezes e depois recolocar a luva no fantoche. Bebês de apenas 9 meses imi- tavam essas ações 24 horas depois se estivessem no mesmo lugar com as mesmas pes- soas. Até bebês de 6 meses, quando recebem tempo extra para sessões de demonstra- ção, eram capazes de repetir a primeira parte da seqüência depois de um dia, mas be- bês com mais idade imitavam como mais precisão (Barr, Dowden e Hayne, 1996).

Durante o segundo ano de vida, vínculos contextuais específicos entre o trei- namento e as situações de teste tornam-se menos críticos. Após 24 horas, bebês de 12 meses demonstram imitação diferida somente quando a cor e a forma do fanto- che são praticamente idênticos às originais. Crianças de 18 meses só respondem se as diferenças de cor e forma forem pequenas (como de um coelho e um rato); crian- ças de 21 meses reagem a um fantoche consideravelmente diferente (uma vaca com- parada com um pato). O tempo entre o treinamento e os testes também é um fator relevante. Se o intervalo for de apenas 10 minutos, bebês de 12 meses imitam um es- tímulo de uma cor diferente da original, e bebês de 14 meses imitam um estímulo de um formato diferente (Barnat, Klein e Meltzoff, 1996; Hayne, MacDonald e Barr, 1997). Em outra pesquisa, bebês de 14 a 18 meses que observaram outras crianças brincar com objetos (por exemplo, colocando contas em uma xícara ou soando uma campainha), tanto em um laboratório, como em uma creche, repetiram o comporta- mento quando receberam os mesmos objetos em casa dois dias depois - indício de que as crianças pequenas são capazes de imitação diferida em um contexto total- mente diferente (Hanna e Meltzoff, 1993).

Pode a imitação ocorrer depois de um intervalo muito maior? Em um estudo, crianças de 16 e 20 meses de idade reproduziram atividades como iluminar um painel alaranjado tocando-o com a testa - procedimento que haviam visto de 2 a 4 meses an- tes (Meltzoff, 1995).

De modo geral, portanto, bebês e crianças pequenas parecem ser cognitivamente muito mais competentes do que Piaget imaginava e apresentam sinais de pensamento conceituai mais cedo (Flavell, Miller e Miller, 1993). Isso não significa que os bebês vêm ao mundo com suas mentes plenamente formadas. Parece que Piaget estava certo em sua concepção de que formas imaturas de cognição abrem caminho para formas mais maduras. Podemos ver isso, por exemplo, nos erros que bebês muito novos cometem ao procurarem objetos escondidos. Mas Piaget talvez estivesse errado em sua ênfase à experiência motora como principal "motor" do desenvolvimento cognitivo. As percep- ções dos bebês estão muito à frente de suas capacidades motoras, e os métodos de hoje permitem aos pesquisadores fazer observações e inferências sobre essas percepções. Como a percepção relaciona-se com a cognição, é uma importante área de estudo, co- mo veremos na seção a seguir (Flavell et al., 1993).

• Que comentários Piaget poderia ter feito sobre os apontamentos de Darwin em seu diário sobre o

desenvolvimento inicial de seu filho?

• Com base nas observações de Piaget e nas pesquisas que elas inspiraram, que fatores você levaria em conta ao planejar ou adquirir um brinquedo ou livro para um bebê ou criança pequena?

V E R I F I C A D O R Você é capaz de ...

Explicar por que Piaget pode ter subestimado algumas das capacidades cognitivas dos bebês e discutir as implicações da pesquisa sobre imitação em bebês e crianças pequenas?

abordagem do processamento de informações

É a abordagem de estudo do desenvolvimento cognitivo pela observação e análise dos processos mentais envolvidos na percepção e no uso da informação.

Estudando o Desenvolvimento Cognitivo: Abordagens Mais Recentes

No documento Sally Wendkos Olds • Ruth Duskin Feldman (páginas 193-195)