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Como Ocorre o Desenvolvimento Motor: A Maturação em Contexto

No documento Sally Wendkos Olds • Ruth Duskin Feldman (páginas 172-174)

De modo tradicional, considerava-se que a seqüência que acabamos de descrever era geneticamente programada - u m a série basicamente automática e pré-ordenada de eta- pas conduzida pelo cérebro em amadurecimento. Hoje, muitos pesquisadores do de- senvolvimento consideram essa visão muito simplista. Em lugar disso, segundo Esther Thelen (1995), o desenvolvimento motor é um processo contínuo de interação entre o bebê e o ambiente.

Como evidência das falhas da teoria de maturação, Thelen aponta para o reflexo de

marcha: movimentos semelhantes a passos que o neonato faz q u a n d o mantido ereto

com os pés tocando u m a superfície. Esse comportamento, em geral, desaparece no

quarto mês; somente no período final do primeiro ano, quando o bebê está ficando pronto para andar, esses movimentos voltam a aparecer. A explicação usual é a de uma transição para o controle cortical: o caminhar deliberado de um bebê mais velho é vis- to como uma nova habilidade dominada pelo cérebro em desenvolvimento. Porém, ob- serva Thelen, os passos de um recém-nascido envolvem os mesmos tipos de movimen- tos que os neonatos fazem enquanto estão deitados chutando. Por que os passos para- riam para reaparecer meses mais tarde, enquanto que os chutes continuam? A respos- ta, sugere ela, pode ser a de que as pernas dos bebês tornam-se mais grossas e pesadas durante os primeiros meses, mas ainda não são suficientemente fortes para suportar o maior peso (Thelen e Fisher, 1982, 1983). Na verdade, quando bebês pequenos são sus- pensos em água morna, o que ajuda a suportar as pernas, os passos reaparecem. A ca- pacidade de produzir o movimento não mudou - somente as condições físicas e am- bientais que o inibem ou promovem.

A maturação sozinha não pode explicar adequadamente essas observações, diz The- len. Bebê e ambiente formam um sistema interligado, e o desenvolvimento tem causas in- terativas. Uma delas é a motivação do bebê para fazer alguma coisa (digamos, pegar um brinquedo ou chegar ao outro lado de uma sala). As características físicas do bebê e sua po- sição em um determinado ambiente (por exemplo, deitado no berço ou ser mantido ereto numa piscina) oferecem oportunidades e limites que influenciam se e como a meta pode ser atingida. Por fim, surge uma solução como resultado de experimentar comportamentos e preservar aqueles que mais eficientemente atingem o objetivo. Em vez de ser o único res- ponsável pelo processo, diz Thelen, o cérebro é apenas uma parte dele.

Segundo Thelen, os bebês normais desenvolvem as mesmas habilidades na mesma ordem porque são construídos mais ou menos da mesma maneira e têm desafios e neces- sidades físicas semelhantes. Assim, eles descobrem com o tempo que caminhar é mais efi- ciente do que engatinhar na maioria das situações. A idéia de que essa descoberta surge a partir de cada experiência particular do bebê em um determinado ambiente pode aju- dar a explicar por que alguns bebês aprendem a caminhar mais cedo do que outros.

Desenvolvimento Motor e Percepção

O trabalho de Thelen baseia-se em parte em estudos anteriores de Eleanor e James Gib- son, os quais apontam para uma conexão bidirecional entre percepção e movimento. As percepções sensórias ajudam os bebês a aprender sobre seu ambiente para que possam se orientar nele. A experiência motora aguça e modifica as percepções que os bebês têm do que acontece se eles se moverem de determinada forma.

Por mais atraentes que sejam os braços da mãe, este bebê não se aproxima deles. Mesmo sendo tão jovem, ele já é capaz de perceber a profundidade e não quer cair no que lhe parece um abismo.

Como os bebês que engatinham decidem tentar atravessar uma área lamacenta ou subir um pequeno monte? Engatinhar e, posteriormente, caminhar exige que os be- bês avaliem o "ajuste" ou possibilidade entre suas próprias capacidades físicas em transformação e as características de diversos terrenos - liso ou áspero, plano ou incli- nado (Gibson, 1979).

Quando e como os bebês tomam consciência dessas possibilidades? Em um expe- rimento clássico (Walk e Gibson, 1961), bebês foram colocados sobre um tampo de me- sa de vidro sob o qual havia uma estampa que criava a ilusão de que havia um declive vertical no centro da mesa - um abismo visual. Os pesquisadores queriam investigar se os bebês teriam a ilusão de profundidade e sentiriam o perigo.

Bebês de 6 meses realmente viam uma diferença entre a "saliência", que parecia lhes garantir uma travessia segura, e o "declive", que indicava o contrário. Eles engati- nhavam livremente sobre a "saliência", mas evitavam o "declive", mesmo quando viam suas mães acenando no outro lado da mesa. Quando bebês mais novos de 2 e 3 meses fo- ram colocados de bruços diretamente sobre o abismo visual, sua freqüência cardíaca di- minuiu, sugerindo que a percepção de profundidade, a capacidade de perceber objetos e superfícies em três dimensões, é inata ou adquirida muito cedo (Campos, Langer e Krowitz, 1970).

Entretanto, a diminuição da freqüência cardíaca, a qual indica interesse, não sig- nifica que os bebês mais novos estivessem com medo de cair; o medo seria indicado por um aumento da freqüência cardíaca. Somente depois de saberem deslocar-se sozinhos, os bebês aprendem com a experiência ou com os avisos de um cuidador de que uma descida íngreme pode ser perigosa (Bertenthal et al., 1994).

Estudos posteriores exploraram como a experiência motora sensibiliza bebês e crianças pequenas para as possibilidades com rampas de diversos graus de inclinação. Quando bebês que engatinham e bebês que andam (com média de idade de 8,5 a 14 me- ses) foram colocados sobre uma rampa com inclinação ajustável, ambos os grupos não hesitaram em subir a "ladeira", tarefa que oferecia pouco perigo. Descer a ladeira era outra história. Os bebês menos experientes mergulhavam até nas rampas mais íngre- mes. Os bebês mais velhos e experientes desciam caminhando quando a inclinação era pequena, mas preferiam descer deslizando quando a descida era íngreme, ou então a evitavam por completo (Eppler, Adolph e Weiner, 1996).

Em um estudo longitudinal relacionado, os bebês foram testados em diversas su- perfícies a cada três semanas desde que começaram a engatinhar até algumas semanas depois de começarem a caminhar. O objetivo era obter um quadro microgenético de co- mo os bebês adaptaram suas percepções de possibilidade às mudanças em suas capa- cidades motoras. A medida que os bebês que engatinham tornavam-se mais experien- tes, seus julgamentos pareciam tornar-se mais precisos e suas explorações mais eficien- tes. Entretanto, esse aprendizado não se generalizou a um novo tipo de movimento: quando começaram a caminhar, eles tiveram que aprender a lidar com rampas de novo (Adolph, 1997).

No documento Sally Wendkos Olds • Ruth Duskin Feldman (páginas 172-174)