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95carácter impermanente, imagético e político – de que é exemplo Running Fence204 de

PARTE I | Do Significado da Arcádia

95carácter impermanente, imagético e político – de que é exemplo Running Fence204 de

Christo - tornou-se uma forma de marcação do Sítio.

Pioneiros na exploração das possibilidades da arquitetura juntamente com a não- arquitetura, Robert Irwin (1928), Sol LeWitt (1928-2007), Bruce Nauman (1941) e Richard Serra (1939) afirmaram, independentemente do medium empregado, a relevância do processo de revelar as componentes axiomáticas da experiência arquitetónica; de uma forma concreta correspondem a intervenções no espaço real da arquitetura (com base na sua condição abstrata de encerramento e abertura) que estruturam a realidade de um determinado Sítio.

No modernismo a arte transumante da manifestação escultórica de pequena dimensão, que poderia ser exposta no museu ou colocada numa coleção privada, tornava o papel do artista autossuficiente. À importância do medium na arte pública - a verdade do material - o movimento Fluxos respondeu com a insolvência, enquanto a intervenção no espaço vivencial, efémera e com escalas específicas, permitiu um percurso raramente trilhado no período modernista, onde o sentido ético na arte pública parece confundir-se com o dos museus e das coleções de arte, o qual nada tem a ver com a especificidade do Sítio.

Uma nova leitura do espaço natural, através da ocupação contínua do território formulada pela Carta de Atenas, da fragmentação da paisagem em espaços residuais desarticulados, da circulação rápida e da mobilidade globalizadora, gerou uma nova visão dicotómica na ideia de génese arcadiana: sob a consciência ambiental, a intervenção humanizadora no espaço natural representa uma catástrofe eminente para as suas harmonias frágeis; de igual forma, o movimento constante que desfoca a História e elimina a percepção da temporalidade ao espaço, faz com que o homem atual sinta a necessidade de “largar” as rodas e assentar os pés no chão, buscando um refúgio de carácter profundamente vivencial, com toda a carga de temporalidade que este Sítio ideal, obrigatoriamente, apresenta.

Esta visão de extremos é suportada pelo conceito universal de Arcádia: destino vivencial de fuga do compromisso urbano, paisagem íntima que afirma a própria finitude. Crê-se que este novo sentimento dicotómico de aproximação à Arcádia reflete, no domínio da arquitetura, a relação entre a atitude projetual e as escalas de aproximação preconizadas pelo modernismo e explica como, em pleno expoente da subjugação da natureza pela precisão tecnológica e conceptualização do Espaço Global Contínuo corbusiano, surgiram duas das mais poderosas e influentes intervenções na paisagem,

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Fig. 36, 37, 38, 39 – The Monuments of Passaic, 1967, R. Smithson. Line made by walking, 1967, A line in Scotland, 1981, R. Long.

verdadeiramente reveladoras do carácter do Sítio: a Casa Malaparte [Figs. 40, 41] de Libera (1903-63) e a Casa da Cascata [Fig. 42] de Wright (1867-1959), ambas projetadas em 1934.

Este paradoxo comprova a existência de um claro conflito da condição contemporânea, na consciência da Polis e no significado do lugar em oposição à transumância sem a estruturação do Sítio.

Neste contexto o enquadramento das intervenções nas designadas obras site-

oriented traz à tona novas questões: se, por um lado, apontam para a relação entre a arte e

a organização político-social ao abordarem temas socioculturais, por outro, suscitam uma redefinição dos valores tradicionais de originalidade e autenticidade ao lidarem com as “recriações”, isto é, novos originais. Ao contrário das obras cuja premissa é a especificidade do locus, as quais lidam com as dimensões físicas e exclusivas do lugar, impossibilitadas, portanto, de serem transferidas, os objetos site-oriented podem ser transladados ou recriados (adequados) para outros sítios. Segundo Susan Hapgood (1960), o termo “site-specific” passou a significar “móvel sob as circunstâncias certas”205, rompendo com a ideia original que “remover o trabalho é destruir o trabalho”.206

Evitando esta dialética da intervenção do lugar, versus peça exposta no museu, Daniel Buren (1938) acredita que qualquer trabalho, independente do local em que está exposto, é contaminado pelo lugar, portanto, de acordo com o artista, se ele não enfrenta e considera tal influência converte a obra num modelo auto-referente207. Do mesmo modo, a arte de rua possui um carácter de intervenção indissociável do locus.

205

HAPGOOD, Susan - Remaking Art History, Art in America. ARTFORUM. New York, (1990), p. 120. “movable under the right circumstances”. Citado por Miwon Kwon em One Place After Another…

206

KWON, Miwon - One Place After Another. Site-specific art and locational identity. London: MIT Press, 2002, p. 38.

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Figs. 40, 41, 42 – Casa Malaparte, Capri, 1934, Adalberto Libera. Casa da Cascata, Bear Run, 1934, F. Lloyd Wrigth.

Evitando esta dialética da intervenção do lugar, versus peça exposta no museu, Daniel Buren (1938) acredita que qualquer trabalho, independente do local em que está exposto, é contaminado pelo lugar, portanto, de acordo com o artista, se ele não enfrenta e considera tal influência converte a obra num modelo auto-referente208. Do mesmo modo, a arte de rua possui um carácter de intervenção indissociável do locus.

Este relacionamento com o Sítio, transversal nas disciplinas das belas-artes à arquitetura, assenta no entendimento intemporal de monumentalidade, que se alicerça no ato primordial da marcação do lugar; a afirmação da sacralidade do Sítio, tal como os povos primitivos o fizeram durante o Megalítico.

Da intervenção ancestral no território animista e antropomórfica pelo homem do Paleolítico até à paisagem industrial degradada e entrópica de Robert Smithson, passando pela simbologia dos espaços primordiais de Brancusi, poderemos afirmar existir uma linha comum: a produção artística, como ato de participação no espaço físico e social, dita, na intervenção, o carácter estruturador do significado do Sítio.

Estabelecer uma ordem humana no território, ainda que assente numa nimésis da natureza, é um gesto existencial decorrente da vivência de um espaço. O constatar da presença afirmativa do objeto escultórico/arquitetónico na paisagem, ao longo de vários momentos da história, leva-nos a concluir que esta atitude representa, de facto, uma importante premissa em todo o âmbito da prática projetual e clarifica a razão pela qual a intervenção necessita um grau de estruturação maior que o da paisagem, para ser, por esta, assimilado.

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1.6. A Influência da Arcádia na Atualidade

De tudo o que nos é permitido recordar de memória, ou sabemos da história documentada, a paisagem jamais traiu a sua condição espacio-temporal e a sua condição sincrónica é universal, pois todas as paisagens são paisagens do seu próprio tempo. A paisagem só pode iludir o tempo através de uma intencional mistificação, de carácter artístico, mas sempre de sustentação difícil a prazo, mercê da natural resistência que a condição territorial impõe a qualquer manifestação desse tipo.

Esta constatação (aqui, intencionalmente simplificada) sintetiza as passagens pelo pensamento romântico, ou, mesmo, pelo crescimento da consciência ambiental e ecológica, que se mantêm interatuantes no contexto do entendimento da paisagem natural, enquanto horizonte prospectivo de todo o envolvimento das sociedades no processo de antropização universal.

À intermediação colocada pela intensa reflexão pós-moderna sobre o Sítio, que decorre desde o início da década de sessenta do século passado, e de que são exemplo os textos de Norberg-Schulz e Alain Roger, ou com outro dos documentos paradigmáticos desse momento, a obra Não-Lugares, de Marc Augé209, sucedeu o estabelecimento de um novo suporte para o presente patamar de reflexão. Decorreu neste período, em paralelo, uma intensa experimentação de desconforto face à relativa inoperância indiscriminada das disciplinas criativas do projeto perante a intensidade avassaladora das transformações sofridas pelos territórios. Na verdade, esta paisagem que hoje a arquitetura pretende integrar, por direito pleno, no seu campo disciplinar, não se reduz à leitura clássica que culturalmente continuamos a associar a um conceito que é ancestral e, como tal, necessariamente desajustado.

Por sua vez, a renovação do conceito não foi formatada por um qualquer alargamento do mesmo, mas sim pela profunda mudança cultural que todas as noções a ela associadas sofreram, e que a consciência crítica desencadeada pelo aprofundamento interpretativo das suas origens, raízes e conteúdos veio colocar em franca evidência210, através de uma hermenêutica da paisagem, redescoberta a partir de finais da década de oitenta, do séc. XX.

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AUGÉ, Marc – Não-Lugares - Introdução a uma antropologia da sobremoderninade. Miguel Serras Pereira (Trad.), Lisboa: Letra Livre, 2012.

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