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137imitam rochas e a superfícies revestidas de vegetação No entanto, estas morfologias, não

PARTE II | Do Reconhecimento da Arcádia

137imitam rochas e a superfícies revestidas de vegetação No entanto, estas morfologias, não

se refletem no interior, onde a atitude mimetista se limita a uma maior ou menor orgânicidade dos espaços, mas deixando do lado de fora a imagem do espaço natural. Nesta procura de articulação com o meio envolvente, a dissimulação sugerida pela camuflagem é confundida com o sentido de continuidade, numa antiética arquitetónica flagrante até mesmo para a época de Ruskin, que, quando preconizava a forma orgânica como princípio base da arte, referia-se à sua aparência e à ausência de perenidade das obras; esse carácter que as tornava comparáveis a seres vivos.

As edificações que, na sua lógica de existência, são concebidas para o menor impacto paisagístico, adotando por vezes os contornos da morfologia existente, possuem sempre algo artificial que emerge na paisagem seja urbana seja rural; inserem-se no território, procurando uma relação consolidada com o sítio. No fundo trata-se da herança de, através do desenho, transformar um princípio abstrato, numa ideia e numa construção concreta física, que traduza uma ligação com o território através da sua forma, da sua materialidade, procurando uma unicidade paisagística.

Este gesto de génese mimetista acaba o por evocar e transpor para a intervenção na paisagem o eterno princípio de que a Arquitetura não é o ato de criar algo novo, mas sim a reformulação do que já existe de uma forma que aceita a marca da intervenção humana.

Por outro lado, o desenvolvimento tecnológico permitiu que o desenho e a produção arquitetónica tirassem partido de uma manifestação visual mais livre, conseguindo atingir os meios ideais propostos. Com novas conceções estruturais, o aparecimento de propostas com soluções escavadas ou suspensas com amplos cobertos vegetais, sugere uma tipologia construtiva de seguimentos do território, como continuidade formal da topografia. Esta evolução evocativa de uma aproximação à natureza que a desafia, no sentido de procurar uma imagem, uma atmosfera, e uma complexidade que a ela se assemelha, parece ser uma das inquietações paisagísticas do Homem no contexto atual. Longe de ser uma preocupação exclusiva do domínio arquitetónico relaciona-se, porém, diretamente com este.

É paradigma desta tipologia construtiva de continuidade formal da topografia a proposta Cidade da Cultura da Galícia (1999), em Santiago de Compostela [Figs. 58,

59], projetada por Peter Eisenman (1932). O projeto de Eisenman é um exercício acerca

da criação de novas paisagens; de uma nova geologia através do fator tempo que, atuando sobre a criação do Homem, providencia mais extensão à natureza já existente, assim como se pode tornar um notável símbolo da sua artificialidade. O seu autor entende esta proposta como um palimpsesto donde se tornam visíveis as diferentes inscrições do

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Figs. 57, 58, 59 – Sculpture to be seen from Mars, 1947, I. Noguchi. Cidade da Cultura da Galícia, Sant. de Compostela, 1999, P. Eisenman.

sítio289. Eisenman recobre o lugar com novos estratos: a planta da cidade antiga de Santiago de Compostela, a forma de uma vieira e do programa espacial. A partir destes, cria a estrutura do projeto.

A força da expressão “Paisagem” adquire a importância, que lhe é conferida pela recente bagagem cultural, existente no ser humano. A realidade da contemporaneidade, mostra que a paisagem, não está alheia às transformações que acontecem na sociedade: As acessibilidades criadas exemplificam este processo, uma vez que deixam de ser somente materiais, para passarem a ser imateriais, organizando-se em redes de comunicação, suportadas em novos meios tecnológicos, onde a demora transforma-se em instantaneidade, sendo que esta informação se estende tanto no mundo rural como no urbano.

Do mesmo modo, a marcação objetual de um projeto no território natural, como é o caso do Centro de Artes/Casa das Mudas (2001-2004), na Calheta, Madeira, de Paulo David Andrade (1959), aborda o tema da reinvenção na ideia de paisagem como uma agregação ambiental total: uma intenção de responder ao lugar com um programa com determinada forma, promovendo uma continuidade através da expressão da mesma materialidade do lugar, tornando-o também parte integrante do lugar, a continuidade formal do território [Figs. 69, 61]. Não obstante a sua procura pelo enquadramento cenográfico, trata-se também de uma paisagem construída naturalizada.

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RUBY, Ika ; RUBY, Andreas – Groundscapes: El reencontro com el suelo en la arquitectura contemporânea. Barcelona: CC-Land & Scape series, 2006, pp. 196-197.

139 Figs. 60, 61 – Centro de Artes/Casa das Mudas, Calheta, 2001-04 (Terraço, Secção transversal), P. David Andrade.

O ponto de partida conceptual da Casa das Mudas residiu na vontade de reorganizar o espaço existente, procurando devolver a ligação entre a antiga Casa das Mudas e a envolvente próxima, relação essa que havia desaparecido com a construção de unidades habitacionais de baixa envergadura.

Uma rampa conduz o acesso principal a um pátio-pivot quadrado a partir do qual todas as funções que se desmultiplicam no pesado programa do complexo museológico - áreas de exposição, reserva, depósitos, auditório, biblioteca, videoteca, loja/livraria, cafetaria e restaurante, espaços administrativos, oficinas artísticas e parque de estacionamento - se distribuem de forma autónoma. A distribuição fragmentada das funções, prevista no programa, possibilita uma gestão autónoma de cada módulo no complexo edificado, permitindo deste modo uma maior flexibilidade na sugestão dos percursos que se distribuem pelos espaços expositivos290.

A intervenção de Paulo David sugere uma continuidade da formação rochosa, uma continuidade topográfica, a partir da modelação de volumes contentores de programa.

Num gesto escultórico dos volumes no afloramento rochoso, a materialidade conferida à proposta sugere uma ação subtrativa de matéria, garantindo uma dualidade de natureza/objeto arquitetónico. A ideia de fusão entre o espaço construído e o natural, assim como a tradução de continuidade da paisagem é alicerçado na criação de um acontecimento paisagístico: numa inserção de ancoragem ao lugar e na vontade de criar a continuidade referida, como a mesma coloca, através da criação de uma “invisibilidade”.

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ANDRADE, Paulo David – Casa das Mudas/Centro de Artes da Calheta, Madeira. 2G Dossier. Ed. especial, (Novembro, 2005), p. 66.

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A criação de paisagens artificiais, pela aproximação a uma realidade natural e tentativa de reintegração de um sistema ecológico, através de aproximações tipológicas com coberturas e fachadas ajardinadas, ou mesmo a criação de jardins, materializa uma mentalidade de celebração de um meio natural - de um meio sustentável - que se integra na agenda hodierna de consciência ambiental, face também, à celebração da sobrevivência do Homem.

Existem edifícios, que estão ligados a um sítio como se fossem organismos vivos, dando a impressão que a sua existência nesse lugar é intemporal. Sem ensaiar qualquer intensão mimética na paisagem, a sua relação com o Sítio é de tal forma indiscutível que se torna impossível imaginar essa construção noutro lugar diferente. A sua pertença ao Sítio é tão natural que quase chega a atingir o anonimato de obra da Natureza291.

Não é, portanto, no mimetismo que assenta a representação da experiência do sítio pelo projetista. A afirmação na paisagem, pelo contrário, revela os caracteres do sítio, que o projeto pretenda expor ao conhecimento. O gesto afirmativo do objeto arquitetónico no meio natural, assente na oposição entre a geometria proposta e a do suporte físico, resulta reveladora das morfologias preexistentes do sítio, acentua a sua leitura contínua e evocam o sentido inalterado da paisagem.

2.3.2 O Objeto-Forasteiro

O sentimento de que um objeto arquitetónico não pertence ao lugar onde foi implantado, pode ser decorrente de múltiplas razões e é comum sermos confrontados com ele através do conjunto de pessoas que vivem nesse lugar (ou próximo dele), através da opinião abstrata formalizada pelos meios de comunicação, através do posicionamento de outros profissionais que intervêm no território, e através da nossa própria reflexão, como projetistas, mesmo que o referido objeto seja da nossa autoria.

Uma nova intervenção representa sempre um objeto forasteiro enquanto as premissas, que estiverem na base da sua concepção, não forem claras e a sua atitude compositiva não revelar qualquer decorrência da tradição.

A arquitetura como processo de desenho, de criação de algo físico, contudo primeiramente mental, torna-se num processo de busca, de pesquisa para revelar a

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