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141essência de um sítio Logo, faz sentido o entender do conceito de paisagem como o

PARTE II | Do Reconhecimento da Arcádia

141essência de um sítio Logo, faz sentido o entender do conceito de paisagem como o

conjunto de um todo, de elementos naturais e de elementos construídos, entendendo-o, num sentido mais contemporâneo, perante a dificuldade de existirem sítios que não tenham sofrido a intervenção do Homem. Então, a arquitetura, como conjunto de criação de um desenho e construção física de uma ideia, participa na constituição de uma paisagem, desenhando soluções que, tirando partido do território e da sua geografia, numa reflexão também de sustentabilidade; de uma espacialidade material que percecionamos

Ora se a assimilação de uma obra arquitetónica na paisagem, depende do carácter de continuidade de uma tradição e da legibilidade do seu projeto, então muitas intervenções estão condenadas a se constituírem como objetos forasteiros, porquanto que estes dois fundamentos não são os únicos em jogo, tanto na ação projetual como na prática construtiva.

Existem, porém, ambientes propostos, cujo sentido inequívoco transmitido pelos seus espaços e até, por uma capacidade de partilha momentânea de uma ideia, lhes confere uma plena assimilação, mesmo sendo reveladores de uma radical descontinuidade na tradição. Estes objetos perdem a posição de forasteiros, tornam-se intervenientes legítimos e compõem o desenrolar de uma sequência, que é a própria tradição, ao longo da História.

Poderemos afirmar, deste modo, que o objeto-forasteiro, quando assimilado, constitui-se, ele também, como uma forma de manter viva a tradição, fornecendo-lhe a dinâmica que lhe confere um carácter evolutivo com o decorrer do tempo. Constitui um exemplo oposto a estes objetos o da “moradia” cuja construção não assenta na reflexão acerca do carácter, nem da forma do lugar onde se implanta e cuja atitude de descontinuidade na tradição é resultante, mais de imposições decorrentes do mercado de materiais de construção e do tipo de mão-de-obra disponível (não na região, mas ao serviço do construtor), do que por opções de assentamento do edificado. Estes objetos nunca perderão a posição de forasteiro, uma vez que não conferem qualquer identidade ao lugar e não transmitem as premissas presentes na sua concepção, pois não as possuem à partida. Dificilmente este último exemplo de objeto-forasteiro fornecerá elementos para o evoluir da Tradição, já que os seus códigos são transitórios. Colocando esta questão de uma forma um pouco simplista pode-se exemplificá-la dizendo as opções formais são, frequentemente, consequências do mercado de construção o qual responde, umas vezes, com a oferta abundante de azulejos, outras vezes são as peças de betão pré-moldado, outras ainda, são as caixilharias dos envidraçados e por aí adiante.

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Este sentimento do objeto-forasteiro dentro da paisagem - agora que os espaços naturais nos oferecem a perceção de um bem valioso em desaparecimento - afetou também o modo de aproximação dos projetistas ao espaço a intervir. Ao projetar sobre um espaço natural, tornou-se frequentemente mais difícil, não o introduzir novos objetos, mas, antes, o privar-se de fazê-lo. E se admitirmos que, antes de toda a intervenção o espaço preexistente possui já valores positivos, então a mestria do projeto começa precisamente pela economia de elementos construídos.

É exemplo, resultante deste sentimento, a proposta do Parque de Sausset (1980), em Seine-St. Denis, de Michel Corajoud [Figs. 62, 63, 64], onde o autor abdica do projeto dos objetos arquitetónicos que garantem a sua vivência e concentra-se na capacidade de assimilação destes pela intervenção dos amplos espaços naturais.

O desenho do Parque de Sausset está estruturado pelos vazios das clareiras e orlas arborizadas. Nestes vazios de escalas diversas estão instalados os elementos construídos estritamente necessários para o funcionamento deste espaço, que constituem a trama de atividades que garante a polarização e animação do local. A intervenção de Corajoud, que abrange cerca de duzentos hectares de terrenos agrícolas, representa um trabalho sobre os conceitos de Superfície e de Profundidade: as grandes dimensões não revelam nada por si mesmas, uma vez que os volumes maciços são usados de forma simbólica; uma ponte marca as margens da bacia de retenção; uma grelha de estruturas contraditórias evoca a sua condição de território, conceptualmente agrícola, fragmentado pela presença urbana; muros de contenção, percursos e troços em escada acusam e acentuam a morfologia do lugar.

Esta forma de elogio ao vazio é-nos dito pelo próprio Corajoud quando afirma opor-se aos “arquitetos ou paisagistas que amontoam, sobre os espaços naturais, todos os tipos de próteses; um montão de objetos, muitas vezes bem desenhados e fotogénicos, que participam na sobrecarga geral da paisagem. Interessa-me” (continua Corajoud) “na atualidade, menos o demonstrativo, o formal, que a mestria de algumas decisões justas, que permitirão ao espaço exprimir todas as suas potencialidades”292 .

Corajoud recusa o objeto-forasteiro, não quer estar dependente dos elementos construídos como constituintes do significado da intervenção. São as técnicas de

292

CHEMETOFF, Alexandre ; CORAJOUD. Michel ; CLÉMENT, Gilles ; DESVIGNE, Michel - Paysage, On

aimerait tant photographier un paysage de dos. L'architecture d'aujourd'hui, Nº 262, (Abril-1989), p. 34. “(…) je

m’oppose à certains architectes ou paysagistes qui amoncellent, sur l’espace, toutes sortes de prothèses, tout un fatras d’objects, parfois bien dessinés et très photogéniques, qui participent à la surcharge générale du paysage urbain. Je m’intéresse, aujourd’hui, moins au démonstratif, au formel, qu’à la maîtrise des quelques décisions justes, qui permettront à l’espace d’exprimer toutes ses potentialités."

143 Figs. 62, 63, 64 – Parque de Sausset, Seine-St. Denis, 1980), (vistas e planta geral), Michel Corajoud.

construção das morfologias naturais (irrigação, plantação, contenção de terras) que constituem a espinha dorsal deste parque, que se tornou numa referência obrigatória no âmbito do paisagismo atual.

Já Alexandre Chemetoff (1950) discorda com esta posição, referindo-se ao Parque de Sausset da seguinte forma:

“Concordo plenamente com a crítica da sobrecarga do espaço com objetos construídos, mas pergunto-me se este justo diagnóstico não é, ele também, uma maneira de escapar à obrigação de ser confrontados com a necessidade de produzir esses mesmos objetos.”293

Contidas nas afirmações de Corajoud e de Chemetoff estão duas reações diferenciadas em relação ao objeto-forasteiro: uma assenta na vivência de uma escala referente ao suporte da paisagem; a outra baseia-se na vivência de uma escala profundamente humana dessa paisagem. Estes dois modos de conhecimento complementam-se, podendo-se identificar, no primeiro caso, a aproximação paisagista e, no segundo, a arquitetónica.

Desta forma, arquitetos e paisagistas podem trabalhar dentro de uma grande cumplicidade. Existe, contudo, sempre um sentimento entre os dois, que representa uma espécie de “combate”. Este combate é o dos sítios contra os objetos; o vazio contra o cheio da construção.

293

Ibid. “Je suis assez d’accord pour critiquer l’encombrement de l’espace; mais, je me demande si ce juste diagnostic n’est pas aussi une manière d’échapper à l’obligation d’avoir à faire et d’être confronté à la nécessité de produire.“

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2.4. Intermediadores da Perceção na Paisagem

2.4.1. A Paisagem Social

O entendimento de um lugar é, na sua essência, diferente quando experimentado individualmente ou em grupo. Esta realidade revela, também, uma outra dimensão percetual do Sítio; a da Paisagem Social.

O significado da paisagem social não assenta na ambiência do Sítio, mas sim no seu carácter polarizador, pelo que a vivência em conjunto desse espaço induz uma perceção obrigatoriamente diferenciada, e muitas vezes conflituosa, com a experimentada, sem a presença de compromissos sociais.

O termo utilizado neste ponto é algo redundante na forma como foram conjugados os termos Paisagem/Social, uma vez que a imagem da paisagem é construída pelo imaginário coletivo, tendo portanto, uma composição fortemente social. O que se pretende salientar com esta conjunção é a particularidade de certos lugares possuírem um valor atribuído, quase exclusivamente, devido a fatores sociais (frequentemente gerados pela vivência em ambientes urbanos), que ultrapassam a própria forma da paisagem.

A contemplação da paisagem é um ato individual, o observador constitui-se como o centro da paisagem, não como elemento de composição do espaço, mas como elemento que capta o seu ambiente e lhe identifica o significado. Assim o observador está dentro da paisagem, mas, ao mesmo tempo, fora dela.

Quando o fenómeno da contemplação da paisagem se estende a um grupo de pessoas, altera-se a individualidade da reflexão sobre o significado do Sítio, e estas passam a elementos intervenientes que compõem o espaço. A procura de pontos de perceção da paisagem não corresponde já a uma necessidade de vivência do espaço, nem da interpretação do carácter do lugar, mas advém da vontade de captar uma imagem que lhe assegure uma síntese do lugar.

Esta ideia ajuda-nos a entender a natureza de um espaço de significados complexos como é o miradouro. Neste contexto, a eleição do sítio mais alto é alimentada pela ideia que desse ponto se obtém uma perceção síntese da totalidade do lugar e, quanto mais alto se situa, mais completa é a compreensão do espaço.

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