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23Esta demanda acabaria por conduzir a uma nova perceção nascida do outro lado do

PARTE I | Do Significado da Arcádia

23Esta demanda acabaria por conduzir a uma nova perceção nascida do outro lado do

Atlântico: as fotografias de Carleton Watkins52 retratando espaços naturais [Fig. 5], expostas em 1862, foram um sucesso fenomenal. Subitamente, Yosemite tornou-se um símbolo da paisagem, que estava para além do alcance do conflito sectário da Guerra Civil Americana, um lugar primordial de tal beleza transcendental que se proclamava uma dádiva do Criador oferecida ao seu novo Povo Escolhido53. Olhar as florestas de sequoias era recordar as duas características da personalidade nacional: a sua liberdade e sacralidade.

Findo o séc. XIX, as mudanças radicais do Modernismo no processo de reconhecimento irão ser alvo da reação de uma nova geração de artistas. Durante as décadas de 60 e 70 do séc. XX um conjunto de intervenções na paisagem tornou incómoda a articulação da sua prática na definição de escultura, enquanto o conceito era absorvido sem grande dificuldade pelos meios da crítica/história de arte, recorrendo à hermenêutica que detetava nas estruturas megalíticas, de Stonehenge às linhas Nazca, uma forma de legitimar o seu estatuto de Escultura.

Com base numa reflexão histórica a lógica da escultura parece ser inseparável da lógica do monumento, logo a escultura é uma representação comemorativa que assenta num local particular com um discurso simbólico acerca do significado ou uso desse Sítio. Deste carácter resulta a marcação vertical e a figuratividade que normalmente um marco apresenta, bem como o pedestal como elemento mediador entre o Sítio e o Sinal que representa. Trata-se de uma prática inteligível que esteve na origem de uma extensa produção de intervenções durante séculos. “Porém a convenção não é imutável e chegou um tempo onde a lógica começou a falhar”, afirma Rosalind Krauss (1941), referindo-se à escultura, no conhecido texto Sculpture in the Expanded Field, conclui:

“Nos finais do séc. XIX assistimos ao desvanecer da lógica da intervenção. De uma forma bastante gradual (…) a lógica do monumento avançou por espaço ao qual poderemos chamar da sua condição negativa - uma espécie de não-lugar, uma absoluta perda do Sítio. Assim se fez o Modernismo, uma vez que é a produção escultural do período modernista que opera em relação à

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As imagens de Carleton Watkins (1829-1916) expostas em Nova Iorque, as pinturas de Albert Bierstadt (1830-1902) e os poemas de William Cullen Bryant (1794-1878) revelaram as florestas Americanas como o lugar de nascimento de uma nação. Neste sentido o Grove of the Big Trees era um panteão botânico. Ideia reforçada quando as gigantes sequoias começaram a ser batizadas com nomes como: Daniel Webster, Thomas Star King ou General Sherman (que ainda hoje é o maior vegetal na América).

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perda do Sítio, produzindo o monumento como abstração, o monumento como puro marco, funcionalmente sem lugar específico e frequentemente autorreferencial”.54

Neste contexto a intervenção no espaço vivencial entrou na condição da sua lógica inversa; uma combinação de domínios, até aí excluídos, que resultaram da adição do território da não-paisagem e da não-arquitetura. A Expansão do Campo permitiu, de igual forma, abordar formas de intervenção e vivências do meio natural raramente abordadas na tradição Ocidental, mas encaradas com naturalidade por diferentes culturas: anti espaços, labirintos, espaços de jogos rituais e processionais de civilizações antigas foram, frequentemente, manifestações de uma variante precoce da escultura, de certa maneira, próxima do conceito de Expanded Field.

Os inícios dos anos 80, do século passado, ficaram marcados por um conjunto de colóquios55, que decorreram um pouco por toda a Europa, onde esta questão foi objeto de debate. Estas realizações revelam uma generalização do sentimento de crise do espaço, que é, em grande parte, uma crise da representação dos modos de perceção. Torna-se, portanto, uma crise cultural e social, mais do que uma crise real. Atualmente o sentido da transformação da paisagem possui uma profunda diferença entre o colocado ao sujeito interventor com o que se confronta o sujeito utilizador. Desta, quase, antítese do sentir da paisagem, resulta o sentimento generalizado da necessidade de normas que condicionem essa transformação e, sobretudo, que orientem o percurso dessas alterações. Porém o gesto normativo, por si só, conduz os espaços naturais ao seguinte paradigma: quanto maior for o estado periclitante de sobrevivência, mais aparente se torna o seu “encerramento” dentro de uma redoma de legislação.

Representar uma paisagem é descrever as formas, a composição; é lembrar a ocupação pelo homem, as perturbações reveladoras da ação humanizadora no território. Mas significa também interpretar as intervenções que podem desempenhar um papel na constituição desses espaços naturais. Esta tarefa cabe a todos os intervenientes na concepção dos sítios. Trata-se de uma problemática tarefa, esta de definir critérios para a

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KRAUSS, Rosalind - Sculpture in the Expanded Field. October, Vol.8, MIT Press, (1979), pp. 33-34. “Late in the nineteenth century we witnessed the fading of the logic of the monument. It happened rather gradually (…) the logic of the monument, entering the space of what could be called its negative condition-a kind of sitelessness, or homelessness, an absolute loss of place. Which is to say one enters modernism, since it is the modernist period of sculptural production that operates in relation to this loss of site, producing the monument as abstraction, the monument as pure marker or base, functionally placeless and largely self-referential.”

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Destes colóquios, destacou-se o realizado em Lyon, em 1981, cujas comunicações e atas foram editadas sob o titulo

Mort du Paysage?, Seyssel: Champ Vallon, 1982, representando na atualidade um elemento de referência obrigatória a

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