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49Dois exemplos, que se podem considerar contextualizadores da resposta afirmativa

PARTE I | Do Significado da Arcádia

49Dois exemplos, que se podem considerar contextualizadores da resposta afirmativa

à questão colocada, são: a proposta para o cenotáfio de Isaac Newton [Fig. 18] de Boullée109 (1728-93) e a Capela Sobre a Água [Figs. 19, 20] de Tadao Ando110 (1941).

Os desenhos do cenotáfio para Newton, elaborados em 1785, por Etienne-Louis Boullée, evocam uma espacialidade contínua cujas vistas infinitas, em conjunto com a forma monumental, afirmam a sensação do sublime, excitação e ansiedade, constantes nos arquitetos contemporâneos da Revolução Francesa, tais como Jacques Gondoin

(1737-1818), Pierre Patte (1723-1814), Marie-Joseph Peyre (1730–85), Jean-Baptiste Rondelet (1743-1829), Jean-Jaques Lequeu (1757-1826) ou Claude-Nicolas Ledoux (1736-1806). Este objeto arquitetónico pretendia marcar a sacralidade na paisagem, pela evocação de um dos seus elementos primordiais: a Luz.

A vastidão deste projeto, tal como dos restantes a que Boullée se dedicou após 1772, parece corresponder a uma escala que, ultrapassando de tal forma o habitual, exclui a sua concretização. A presença da luz, no interior da vasta esfera do monumento, pretende evocar a presença do divino, revelada pelos raios luminosos que penetravam através das paredes perfuradas. Boullée define o carácter da arquitetura mais ligado à forma que desperta emoções através dos sentimentos, do que ao uso ou função. No purismo das formas, a esfera em especial, expõe a autonomia e o absoluto. O tema da esfera como imagem do Cosmos teria sido inspirado pela obra111 de Alexander Pope (1688-1744) que acentua o significado poético da paisagem ideal e teoriza o próprio conceito de “Genius of the Place” (Espírito do Lugar).

Também, Jean-Jaques Lequeu persegue o tema da esfera como forma arquitetónica inspirada na natureza e na terra. Esta morfologia constituía um desafio aos arquitetos da época e ao mesmo tempo uma sedução: a esfera era a mais perfeita e uniforme das formas geométricas e a que melhor poderia representar o princípio, de raiz iluminista, da Igualdade. Lequeu irá aplicar esta convicção geométrica em dois projetos: o Templo da

Terra e o Templo da Igualdade, ambos de 1794.

O cenotáfio para Isaac Newton permanecerá no imaginário arquitetónico como uma intervenção onde a obsessão é evocada. Boullée dedica os seus monumentos a um estado

109

Étienne-Louis Boullée, Projeto para o Cenotáfio de Isaac Newton, 1781-85, aparo e aguada s/ papel, Paris, Bibliothèque nationale de France.

110

Tadao Ando, Capela Sobre a Água, Tomamu, Hokkaido, Japão (proj. 1985 - const. 1988) 111

Alexander Pope descreve em A Letter to Edward Blont o jardim construído por ele em Twickemann como cenário de uma sociedade ideal. O centro desta intervenção era uma gruta, uma camara escura que, do teto, pendia uma lâmpada esférica iluminando com mil raios todo o espaço. POPE, Alexander - A Letter to Edward Blont. [S.I.]: [s.n.], 1725.

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Figs. 15, 16, 17 – Mesa do Silêncio, Arco do Beijo, Coluna Sem Fim, Targu Jiu, 1935-38, Constantin Brancusi.

omnipotente, afirmando na paisagem uma marca suprema, quase umbilical da estrutura pré-existente.

Na Capela Sobre a Água, em Hokkaido, de 1985, Tadao Ando projetou um lugar protegido por um muro em L, dentro do qual o espaço interior, solene, abre-se bruscamente para um lago artificial, através de uma superfície de vidro. Neste lago está emersa uma cruz, contradizendo a linha do horizonte e forçando a ligação entre a terra e o céu.

A presença da obra de Ando no contexto da arquitetura contemporânea, apesar de afirmar a clara intenção de usar uma linguagem ocidental ligada à tradição modernista de Le Corbusier e de Louis Kahn, revela, de certo modo, um isolamento intencional da cultura do Ocidente. Com a Capela sobre a água, em Tomamu, Hokkaido, Tadao Ando compôs, com os elementos primordiais da paisagem, uma Marca Sacra conferida pelo momento precetivo vivido pelo sujeito no espaço da nave. Este ponto, síntese e essência da forma do Sítio, constitui-se como centro, no instante em que o indivíduo se confronta, de forma ampla, com a paisagem. O dramatismo deste encontro com a natureza eterna é sustentado pelo uso dos elementos que, caracterizando o lugar, expõem-no à leitura da sua sacralidade: a água (utilizada, não somente pelo seu obvio sentido purificador, mas, igualmente, pelo seu carácter centralizador, tanto na ordem humana como na natural), a árvore (aqui evidenciada pela recorrência à cruz, no sentido de que constitui um marco vertical que força a união entre os dois elementos fundamentais da paisagem; o céu e a terra) e, por fim, a montanha (anunciação do caminho que liga a terra ao céu).

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Figs. 18, 19, 20 – Cenotáfio de Newton, 1785, Louis Boullée. Capela Sobre a Água, 1985 (pormenor e altar-mor), Hokkaido, T. Ando.

A montanha é, de todos os elementos da paisagem sagrada presentes na Capela

sobre a água, aquele cujo conhecimento se afirma primordial, em termos de premissa

conceptual, e onde assenta o verdadeiro carácter do lugar. O sentido da paisagem da montanha, para o Extremo Oriente, e em particular para o Japão, possui um intenso significado. Da visão poética da natureza que põe em contraste a majestade da montanha, envolta em neblina, e a insignificância do homem, resultam imagens que enfatizam o relacionamento com as forças naturais.

Constitui uma constante essencial no seu trabalho, a sua perceção do meio como local onde se reconhecem os sinais legíveis deixados, de um lado, pela luz, sombra, vento, chuva, do outro, pelos atos da vivência quotidiana e pelas relações do espaço de vida do indivíduo. “Introduzo a natureza dentro de um sistema estabelecido por leis artificiais, de modo a criar sítios que permitam o seu reconhecimento; Sítios que cada um possa torná-los seu.”, afirma Tadao Ando, referindo-se à sua intenção de “apurar os espaços quotidianos até torná-los simbólicos”112.

As duas intenções funcionais - o palco e o acesso ao palco113 - em que consiste basicamente a proposta da Capela sobre a água, compõem a ideia do confronto com o Sítio. Ando recorre à plasticidade das paredes de betão que seccionam a terra, acentuando uma tensão que desperta o observador para a sua posição perante a natureza; o seu lugar na paisagem.

112

ANDO, Tadao - Lieu et Caractére. L'Architecture d'Aujourd'hui, nº 225, (Fev, 1988), p. 44. "J’introduis la nature dans un système fixé par des lois artificielles, pour donner naissance à des lieux de retrouvailles, des lieux que chacun puisse faire siens."

113

Esses mesmos dois elementos funcionais -o palco e o acesso ao palco -são repetidos nesta intervenção em Hokkaido, quando Ando propõe, agora de forma explícita, um anfiteatro atravessado pelo acesso, aproximadamente a 400 metros da capela, implantado numa cota mais elevada, mas aproveitando a mesma linha de água.

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Fig. 21 – Desenho do autor, Maztouria, Sul da Tunísia, 2006.

A Capela sobre a água denota um processo interpretativo que abarca, de forma ampla, o significado da paisagem, direcionado a um modelo de ensaio conceptual. Esta metodologia projetual, expõe o confronto com o conhecimento da paisagem, propondo que este seja obtido através da experiência do espaço arquitetónico. A marca sacra é conferida pelo palco; ponto de origem e da essência da forma do Sítio, experimentado pelo observador do interior da nave.

A intervenção de Tadao Ando resulta da intenção de revelar o Sítio através do seu confronto com os elementos primeiros da paisagem sagrada. A tensão entre as imagens do espaço envolvente, com as do espaço interior, é evocadora da reflexão sobre a condição humana na modernidade, carente da primordialidade da paisagem.

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