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3 O que torna um patrimônio, Patrimônio? – o caso do Carnaval de Barranquilla

3.2 Um carnaval em pleno desenvolvimento

Acompanhando o desenvolvimento da cidade, o carnaval de Barranquilla cresceu e se complexificou rapidamente, demandando, ano a ano, esforços para a sua gestão e organização. Segundo Sinning (2004), tudo indica que em 1881 ocorreu o primeiro carnaval realmente organizado de Barranquilla, uma espécie de marco oficial desta festa que, apesar de ter adquirido novas dimensões e novas configurações com a chegada dos milhares de imigrantes, ainda nem imaginava que, em poucas décadas, seria reconhecida como uma das maiores e mais significativas expressões culturais do país.

Nessa cronologia carnavalesca, um aspecto chama a atenção pela sua constância e pela sua proeminência nesses quase cento e quarenta anos: o caráter classista presente nos grupos e nas estruturas dirigentes da festa. Consequência disso, como veremos, o povo – a matriz criadora do carnaval de rua e de todas as suas expressões populares – teve, desde o princípio, a sua participação negada nas questões relacionadas à gestão da festa e a sua presença nas ruas controlada por hierarquias superiores, situação esta que vai fomentar um cenário tenso e marcado por disputas contínuas por espaço e representatividade.

Na sua configuração de cidade economicamente emergente, foi a elite que se encarregou de ditar as pautas e os modelos que deveriam ser seguidos na “nova” Barranquilla. Tarefa esta que foi conduzida através da introdução de padrões culturais europeus derivados de uma mentalidade cosmopolita apreendida em viagens ao exterior e no convívio com algumas comunidades de estrangeiros que passaram a viver na região. Essa elite com ares modernos interveio, também, no funcionamento do carnaval e, como primeira medida, passou a organizar a festa

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através da instauração de juntas integradas por prestigiosos membros dos clubes sociais da cidade. Resultado disso, em 1895 foi criada a primeira entidade desta natureza, a Junta Diretiva do Carnaval de Barranquilla. (SINNING, 2004; OLIVARES, 2006)

Trata-se de um primeiro modelo de gestão do carnaval, encabeçado por um grupo social político e economicamente dominante, cujos indivíduos eram, na sua maioria, banqueiros, industriais e comerciantes influentes da cidade. Contando com a aprovação das autoridades locais, este grupo organizava a festa a partir de um manejo gremial-filantrópico, ou seja, seus membros acreditavam que protagonizavam um ato de filantropia com a cidade ao tomar para si a realização dos festejos.

Entre altos e baixos, esse modelo majoritariamente privado foi praticado até meados da década de 1940 e, além de gerar um maior controle social do evento, fortaleceu hierarquias sociais e, em especial, o grupo de personalidades que participou ativamente da organização da festa. Exemplo emblemático dessa conjuntura foi a criação, em 1918, do concurso de Rainha do Carnaval, figura que ganha centralidade na festa e que, desde sua aparição, sempre foi representada por uma mulher da alta sociedade e alinhada aos interesses dos dirigentes envolvidos.

O caráter elitista do carnaval vai se consolidando ano após ano, sendo que os clubes sociais vão assumir a responsabilidade de definir a rainha da festa. São os clubes os cenários para a coroação e proclamação das rainhas e capitãs dos bailes. O clube social se converteu no epicentro das festas, onde só podem participar seus sócios. (SINNING, 2004, p.68, tradução nossa)

Esse modelo consolidou hierarquias e posições sociais que já eram fortes na sociedade barranquilhense, inclusive no contexto do carnaval. Segundo levantamento feito por Edgar Rey Sinning (2004), registros de 1870 já davam conta da realização simultânea de três festas diferentes no período carnavalesco, organizadas de acordo com as respectivas classes sociais: os “bailes de primeira”, para as camadas altas da sociedade, aconteciam em um salão construído em um grande terreno especialmente para tal; os “bailes de segunda” aconteciam em um salão já existente na cidade ou em casas de famílias da classe média; e, por fim, os “bailes de terceira”, para a população mais pobre, eram realizados em uma praça pública, no que se convencionou chamar de “salones burreros”, por conta dos burros

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utilizados pelos participantes para chegar ao evento e que eram dispostos ao redor do local até que a festa acabasse.

A elite da cidade, ao tomar para si a organização da festa, impede que ela aconteça na sua maior potência, ou seja, aquela que permitiria deslocar os indivíduos da sua realidade cotidiana para uma outra e inédita experiência humana e social. Ao contrário, esse modelo fortalece a diferenciação social no cenário festivo – situação que pode ser observada com clareza através de relato sobre o funcionamento da festa nos últimos anos do século XIX, período em que já atuava a Junta Diretiva do Carnaval de Barranquilla.

[...] na Praça de São Nícolas, nos três dias de carnaval, um grande toldo era levantado e debaixo dele ocorriam os bailes de terceira, que eram inaugurados pelo Presidente e pela Presidenta do Carnaval, escolhidos pela classe de primeira, e pelo vice-presidente e vice- presidenta, que eram da classe de segunda. Após dançar a primeira peça [de música], eles se retiravam ao salão de segunda, onde permanecia o vice-presidente com a vice-presidenta, enquanto o Presidente e a Presidenta se dirigiam ao de primeira. (DE LA ESPRIELLA apud SINNING, 2004, p.54-55, tradução nossa)

Partindo da perspectiva relatada acima é possível traçarmos uma relação direta com o que concluiu a socióloga brasileira Maria Isaura Pereira de Queiroz (1994) ao analisar diferentes carnavais brasileiros. Na visão da autora, ao reproduzirem a ordem do cotidiano, com papeis sociais fixados dentro das hierarquias socioeconômicas já existentes, estas festividades não são e tampouco conseguiriam ser nem destrutivas, nem revolucionárias. O contexto imposto a elas pela modernidade – de controle, intervenções e cerceamento de liberdades – impede que se configurem como uma possibilidade viável para a construção de uma nova coletividade.

Assim, o carnaval de Barranquilla acompanhou não apenas as benesses da transformação econômica da cidade, mas também uma divisão social mais radical que decorreu desse processo, reproduzindo no contexto festivo uma sociedade que é diferenciada segundo a sua posição social. Esse caráter classista, como sabemos, ao privilegiar os grupos sociais das altas castas, retira qualquer chance de protagonismo e de poder dos grupos oriundos das camadas populares, justamente o ponto de origem dos detentores dos saberes que dão vida às expressões culturais que caracterizam o carnaval de Barranquilla.

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O final da década de 1940 assistiu a um novo momento da estrutura administrativa da festa com a nomeação da Junta Municipal do Carnaval, o que representou a introdução do setor político no âmbito da gestão. No entanto, o estabelecimento dessa Junta não implicou grandes transformações no manejo da festa, tendo em vista que as indicações para sua composição se configuraram, na prática, como uma manutenção do modelo empresarial-filantrópico citado anteriormente.

Não é uma coincidência o fato de que o município, na figura de seus dirigentes, tome as rédeas da organização e estabeleça certas alianças com o grupo mencionado. De acordo com isso, as juntas nomeadas pelos mandatários foram integradas por pessoas pertencentes aos referidos grêmios. (OLIVARES, 2006, p.92, tradução nossa)

Neste momento também foram estabelecidas as Juntas dos bairros, que passaram a ser responsáveis pela organização e promoção de eventos próprios dentro do período do carnaval. Esses grupos passaram a ser nomeados pela junta central e financiados pelo poder público. Essa relação, que iniciou ainda nos anos 1950 e se consolidou na década seguinte, se mostrou estratégica sobretudo para a classe política da cidade que a utilizou não apenas para manter o controle da festa, mas, também, para aumentar o seu potencial eleitoral junto aos bairros populares. Em linhas gerais, destinava-se o dinheiro para o financiamento do grupo e este, por “agradecimento”, deveria se aliar a tal força política.

É possível afirmar que enquanto este tipo de estratégia legitimou a estrutura dominante de uma classe, diante da cidade se apresentou como um ato de natureza filantrópica, gerando uma concepção equivocada de agradecimento por parte dos grupos folclóricos a quem “desinteressadamente” os financiavam; se estabeleceu, assim, uma espécie de apadrinhamento entre figuras da política local e o povo barranquilhense. (OLIVARES, 2006, p.84, tradução nossa)

Esse período também nos fornece outro importante indicativo do que viria a se consagrar mais adiante. Na década de 1950 o Carnaval foi beneficiado com um orçamento próprio do poder público municipal; e, somado a isso, em 1957 a festa chama a atenção do governo federal e recebe um aporte através da Oficina Nacional de Turismo. Empolgada com esse orçamento generoso, a classe dirigente da cidade passa a insistir, já nesse momento, na transformação do carnaval em um evento de caráter internacional, no estilo dos desfiles de Nova Orleans. (OLIVARES, 2006) Como veremos, não tardará muito para a consolidação tanto do envolvimento das

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instâncias federais de turismo como dos esforços para a internacionalização da festa.

A segunda metade da década de 1970 é marcada por uma privatização ainda maior do corpo dirigente do Carnaval de Barranquilla. Em 1977 o prefeito da cidade decide presidir a Junta organizadora da festa e dá a ela um perfil acentuadamente privado, tendo outra vez sua estrutura composta por membros dos clubes sociais e executivos da indústria, comércio e administração hoteleira da região. Segundo Olivares (2006), aqui já se pressupunha que a comercialização dos eventos seria o aspecto chave para alcançar um bom desenvolvimento das festividades carnavalescas e, confirmando esse pensamento, “Justamente neste ano a organização deixa uma boa impressão, o que de alguma forma começa a incidir a favor da intervenção privada no manejo da festa.” (OLIVARES, 2006, p.85, tradução nossa)

Consolidando essa tendência, em 1979 uma grave crise política atinge os altos escalões de Barranquilla e, como consequência, a gestão da sua máxima expressão cultural também passa a ser profundamente questionada. Assim, como medida de prevenção e sob pressão do setor privado, esse contexto impulsiona a criação de um comitê cívico, formado por membros de diferentes grêmios da cidade, eleitos pelo Conselho Municipal, que voltaram a assumir o controle e a organização da festa em sua totalidade. A Corporação Autônoma do Carnaval, como foi chamada, se configurou como uma entidade pública sem ânimo de lucro e contou com uma estrutura para seu pleno funcionamento – patrimônio, estatuto, registro como pessoa jurídica e autonomia administrativa. Os empresários que dirigiam a Corporação endossavam um discurso por uma “festa administrativa e financeiramente enxuta, com base nos „modelos exitosos‟ argumentados e sustentados por eles próprios.” (LIZCANO; GONZÁLEZ, 2010, p.218, tradução nossa)

Mais uma vez a situação se repete: empresários assumem o controle da festa sem contemplar a voz dos grupos tradicionais que sustentam simbolicamente o carnaval. Mas agora, diferente das outras vezes, esses grupos começam a marcar uma posição de resistência, se organizam e fundam, também em 1979, a Associação de Grupos Folclóricos do Departamento do Atlântico (AGFA), configurando, como veremos mais adiante, um cenário ainda maior de disputa e de tensão entre os “dois lados”.

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É verdade que não é objetivo deste trabalho passar em revista e analisar de forma pormenorizada cada um dos modelos de gestão que compõem a cronologia da festa. No entanto, tendo em vista que a nossa análise tem como perspectiva o universo do patrimônio cultural imaterial, é imprescindível atentar para a posição dos atores culturais diante dessa conjuntura e, para o caso específico de Barranquilla, julgamos essencial percorrer esse caminho. Nosso intuito ao apresentarmos, mesmo que em linhas gerais, esses fatos relacionados ao manejo da festa é explicitar que o desenvolvimento do Carnaval de Barranquilla, da forma como se deu e pelas alianças que promoveu, consolidou as hierarquias sociais já estabelecidas em contraposição aos atores culturais responsáveis pela produção criativa da festa. Estes, apesar de participarem ativamente do carnaval, não foram ouvidos e, tampouco, lograram espaço nos quadros de gestão. Como veremos a seguir, a chegada da década de 1990 e o início do século XXI trouxeram transformações importantes para o carnaval, impactando diretamente essas relações de poder.

3.3 “Carnaval de Barranquilla S.A.”: a institucionalização do mercado na festa

O início da década de 1990 assiste a uma nova e importante mudança na estrutura organizacional da festa. Em 1991 o Conselho Municipal de Barranquilla, mediante o Acordo 033, suprime a Corporação Autônoma do Carnaval e concede autorização ao prefeito para criar uma sociedade de economia mista que passaria a ser responsável pela promoção, fomento e organização de todas as atividades relacionadas ao carnaval da cidade. Na ocasião também ficou determinada a duração da referida sociedade em 50 anos e foi fixado em 51% o total de capital social que deve corresponder ao município de Barranquilla60. Assim, em 7 de janeiro de 1992 foi constituída a empresa Carnaval de Barranquilla S.A., radicalizando ainda mais o caráter privado dos eventos carnavalescos. (BARRANQUILLA, 1991; OLIVARES, 2006)

60 Neste ponto o Acordo 033 de 1991 foi modificado pelo Acordo 056 de 1993 que

estabeleceu que os aportes dos acionistas particulares poderiam, a partir daqui, superar 51%, sendo que os aportes da instância pública municipal não poderiam ser inferiores a 45%. Este tema é, até hoje, considerado controverso pelos atores populares do carnaval. Informação disponível em https://consejo-estado.vlex.com.co/vid/555603418. Acesso em 04 fev. de 2019.

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A nova organização surge, na visão de Olivares (2006), como sintoma de um descompasso entre, de um lado, as influências que o Carnaval de Barranquilla recebe das novas lógicas emanadas do novo cenário sócio-político e econômico mundial e, de outro, a debilidade do Estado de não conseguir cumprir com os objetivos defendidos nas suas políticas culturais – especialmente a partir da nova Constituição Política da Colômbia, datada de 1991.

Não foi suficiente o Estado reconhecer a pluralidade de seus cidadãos; era preciso que se comprometesse com ações concretas que servissem para impulsionar, apoiar, fortalecer e facilitar processos que desenvolvessem verdadeiros projetos culturais – em alguns casos isso aconteceu de maneira muito lenta. Em geral, as mudanças associadas à organização do carnaval, junto com as novas lógicas do mercado, não se fizeram esperar, constituindo, então, um novo cenário para o carnaval. (OLIVARES, 2006, p.93, tradução nossa)

A criação da empresa Carnaval de Barranquilla S.A., que chamaremos a partir daqui de Carnaval S.A., institucionaliza o lugar que as elites da cidade, através do setor privado, vieram construindo, disputando e ocupando durante toda a história da festa, especialmente ao longo da segunda metade do século XX. Dito isso, é possível compreender a sua implementação como a vitória de um discurso, aquele que defendia o controle da festa por um grupo específico que prometia projetar o carnaval como grande evento no circuito nacional e internacional através de uma organização mais racional e livre de corrupções; tudo justificado, sempre, pelas limitações e constantes equívocos do esquema estatal na condução dessa empreitada. A deslegitimação generalizada do campo político nesse período é aproveitada como o momento ideal para a consolidação de todo esse projeto. Qualquer semelhança com as estratégias utilizadas pelo discurso neoliberal não é mera coincidência.

A intervenção mais contundente do setor privado nos assuntos públicos provocou inúmeras transformações na organização da festa, a começar pelo cumprimento daquilo que esse grupo considerava uma de suas principais bandeiras – um aumento na rigidez da estrutura e da gestão com a promessa de um carnaval mais eficiente. Nesse sentido, a estrutura da empresa Carnaval S.A., desde a sua fundação até os dias atuais, é composta por uma Junta Diretiva presidida pelo prefeito da cidade e integrada por pessoas do setor privado e do governo, entre eles, o Secretário de Cultura, Patrimônio e Turismo de Barranquilla. Essa Junta tem papel

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meramente consultivo, sendo que a equipe que efetivamente gere a festa é organizada seguindo os padrões de funcionamento do mercado: um posto de direção geral – cargo que desde 2010 é ocupado por Carla Celia Martínez-Aparicio – e as diretorias de Projetos Especiais, Eventos, Administrativa, Operações, Comercial e Comunicações61. Tendo em vista que o Carnaval de Barranquilla se tornou um motor importante da economia da cidade, a empresa também justifica sua existência pela necessidade de manter um organismo dedicado permanentemente à direção, controle e comercialização da festa. Para Sinning (2004), trata-se de uma instrumentalização administrativa do carnaval, sendo a referida empresa o meio para tal. A natureza espontânea da grande festa popular que é o carnaval de rua é inevitavelmente atingida por um ordenamento oficial e mercantil.

A empresa, com toda sua estrutura e suas funções, entrou para substituir a maneira anárquica do gozo dos barranquilhenses. Ela racionalizou esse gozo mediante orientações da burguesia, cujos representantes assumem a direção da festa. Este é o aparato ideológico criado para pontificar sobre o carnaval e a partir do qual todos recebem suas ordens. (SINNING, 2004, p.117, tradução nossa)

Se observada por uma perspectiva unicamente econômica, a criação da empresa beneficiou acentuadamente o carnaval e a cidade de Barranquilla, impulsionando um crescimento vertiginoso do montante de investimentos e turistas recebidos pela cidade. Hoje, mais do que em qualquer outro momento, diversos setores da indústria e do comércio – alimentação e bebida, turismo e hotelaria, entretenimento e mídia, transporte aéreo e terrestre – se movimentam em torno das muitas possibilidades de negócio geradas a partir do carnaval. Ainda, cabe lembrar que o incremento na circulação desses bens e serviços beneficia diretamente os cofres públicos.

É verdade que não apenas as grandes indústrias se beneficiam do carnaval, os pequenos produtores também aproveitam daquilo que é possível ser revertido em capital financeiro, impulsionando um vigoroso comércio informal em torno dos símbolos do universo carnavalesco barranquilhense – fantasias, camisetas, máscaras, chapéus, adornos, postais, souvenirs etc. No entanto, há de se destacar que existe uma diferença abissal entre os milhões que os grandes conglomerados

61 Informações da página oficial da empresa Carnaval de Barranquilla S.A. Disponível em

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da indústria arrecadam explorando o carnaval e o faturamento das vendas dos pequenos e médios comerciantes informais.

Baseado em todo esse panorama é que Sinning (2004) defende que a atual “democracia do carnaval” opera segundo a lógica do “promover para vender”, sendo o Carnaval de Barranquilla compreendido mais como uma oportunidade potencial para os negócios do que como expressão máxima da cultura popular da sua região caribenha. Para viabilizar toda essa potência comercial, a empresa Carnaval S.A. focou seus esforços em transformar a festa em um verdadeiro objeto de desejo da sociedade de consumo e, para tal, apostou em um carnaval nos moldes de um grande espetáculo. Toda essa conjuntura acompanha e é impulsionada pelas diretrizes da globalização e da cultura de massas e pelo modus operandi da indústria do entretenimento.

O espetáculo é o eixo central deste carnaval da globalização: o mundo festivo organizado em eventos controlados e rentáveis, com imagens cômicas telúricas e modernas, sob a observação permanente dos meios de comunicação de massa. Ainda, apresenta uma função estratégica em termos de desenvolvimento local, pois projeta a imagem da cidade a nível nacional e internacional ou, utilizando de palavras menos especializadas, o espetáculo do carnaval é a vitrine que vende Barranquilla. (HENRÍQUEZ, 2006, p.51, tradução nossa)

Relembrando o que abordamos na primeira seção deste trabalho, este modelo carnaval-empresa configura-se claramente como a aplicação do que Canclini (1994) chamou de concepção mercantilista do patrimônio, ou seja, o uso recreativo de bens culturais a partir de critérios como a espetacularidade, visando seu máximo aproveitamento econômico. Nesse mesmo sentido, abordando o caso específico das festas populares, Canclini (1995) defende que a intervenção do poder público (através de áreas como cultura, turismo e comércio) e do setor privado faz com que estes bens culturais já não se configurem mais como tarefas exclusivas dos seus detentores. A história recente do Carnaval de Barranquilla ilustra muito bem essa afirmação, já que nos mostra que as estratégias com fins comerciais remetidas à festa ao longo das últimas décadas transformaram radicalmente o seu caráter comunitário, fato que pode ser observado nos inúmeros casos de “manifestações carnavalescas” que não são mais oriundas de criações espontâneas e nem resultados de uma produção coletiva, mas pensadas e criadas como mercadoria para serem úteis ao carnaval como espetáculo. (SINNING, 2004)

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Para continuarem existindo nesse contexto, muitos artistas e grupos tradicionais se veem forçados a sucumbirem ao novo modelo e às suas regras. Na prática isso representa a criação de “produtos atrativos”, desenvolvidos a partir de um uso folclorizado da cultura e da tradição desses indivíduos e coletivos. Ao serem desvinculadas de seu universo simbólico e espiritual, essas criações se alinham