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5.2 MORADIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

5.2.1 Categorias e dimensões dos direitos fundamentais

Para efeitos deste trabalho, categorizar os direitos fundamentais significa alocá-los em grupos, consoante determinadas características que os aproxima. Assim, existe, por exemplo, teoria que apresenta os direitos fundamentais em termos de gerações, a partir da formação histórica deles. Assim como há também classificação teórica dos direitos fundamentais baseada no tipo de relação que se estabelece entre o Estado e o indivíduo a propósito do exercício desses direitos.

A ideia aqui é apresentar pelo menos duas doutrinas e, ao mesmo tempo, procurar aplicá-las à questão da moradia, procurando demonstrar a sua vinculação aos direitos fundamentais, mas sem a pretensão de aprofundar a discussão sobre esse tema, afinal não se trata de um trabalho sobre a teoria dos direitos fundamentais.

Cite-se, nesse sentido, a proposta de Paulo Bonavides255, para quem os direitos fundamentais podem ser classificados em quadro gerações, em conformidade com o processo histórico de universalização e normatização por que têm passado. Assim, são de primeira geração os direitos civis e políticos, de índole liberal, que têm como titular os indivíduos e que se traduzem em faculdades ou atributos subjetivos oponíveis ou de resistência contra o Estado. Nesse grupo, podem ser colocadas a livre expressão do pensamento, a liberdade de crença e a inviolabilidade de domicílio, previstas no art. 5º da CRFB256.

Os direitos de segunda geração correspondem aos direitos sociais, culturais e econômicos, que, de acordo com Ingo Sarlet257, não representam mais a liberdade perante o Estado, mas sim a liberdade por intermédio deste, no próprio instante em que se caracterizam por prestações sociais estatais. Entre os direitos sociais, por exemplo, está a moradia, nos termos do que dispõe o art. 6º da CRFB258.

Para Bonavides259, esses direitos “passaram primeiro por um ciclo de baixa

normatividade”, mas que “tendem a tornar-se tão justiciáveis quanto os da primeira”, por

força do preceito da aplicabilidade imediata260.

255

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 563-572.

256 IV - é livre a manifestação do pensamento; VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença; XI - a

casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

257

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 57.

258 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Já os direitos de terceira geração dizem respeito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultual da humanidade, cuja titularidade é difusa e cujo substrato ético- filosófico é a fraternidade ou solidariedade universal261.

Finalmente, os direitos da quarta geração correspondem, na doutrina de Bonavides262, à democracia, à informação e ao pluralismo. Registre-se que, para o mestre cearense, essa democracia deve ser a direta, que no entendimento dele é materialmente possível graças aos avanços tecnológicos na área da comunicação.

Anote-se ainda que Ingo Sarlet263 e o próprio Bonavides264 fazem uma pertinente

advertência quanto ao uso do termo “geração” nessa designação. Eles explicam que o vocábulo “dimensão” é mais adequado para essa finalidade, caso se entenda que uma geração

de direito substitui e anterior, quando, em verdade, esses direitos vão sucessivamente se acumulando e se complementando.

Vale ressaltar que essa classificação dos direitos fundamentais em gerações ou dimensões recebe críticas. Para George Marmelstein265, por exemplo, ela peca pela ausência de verdade histórica, por gerar uma falsa dicotomia e por induzir a uma divisibilidade desses direitos, quando, em verdade, hoje se propugna pela sua indivisibilidade.

Mas, existe outro formato de classificá-los. Para Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins266 os direitos fundamentais podem ser classificados em três categorias, tomando-se por base as funções exercidas por esses direito. E, a partir dos efeitos que os direitos fundamentais produzem na relação entre o Estado e o indivíduo, esses autores identificam uma dimensão subjetiva e outra objetiva desses direitos. Observe-se que, nesse caso, o termo

“dimensão” não pode ser usado como sinônimo de “geração” (categoria).

Desses posicionamentos, deduz-se que a principal finalidade dos direitos fundamentais é conferir aos titulares uma posição jurídica de direito subjetivo, o que leva a uma relação

260 Como é o caso do art. 5º, §1º da CRFB: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm

aplicação imediata.

261

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 58.

262 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 571.

263

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 54.

264 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 571.

265 LIMA, George Marmelstein. Críticas à teoria das gerações (ou mesmo dimensões) dos direitos fundamentais.

Revista Opinião Jurídica. Fortaleza, Ano II, nº 3, p. 171-182, jan. 2004.

266 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 4 ed. São Paulo:

entre o Estado e o indivíduo. Ora o Estado pode ser obrigado a fazer algo, como garantir moradias, ora a abster-se de atuar, não invadindo arbitrariamente os domicílios.

É com base no tipo de relacionamento entre o Estado e o indivíduo, que se distinguem as três categorias ou espécies de direitos fundamentais: a) direitos negativos (ou de resistência); b) direitos prestacionais (ou sociais); e c) direitos políticos267.

Com os primeiros, as pessoas podem resistir a uma possível atuação do Estado, como na hipótese da invasão domiciliar arbitrária. Com os direitos a prestações, ao contrário, as pessoas podem exigir determinada atuação do Estado, no intuito de melhorar as condições de vida, como, por exemplo, demandar o benefício de uma política pública habitacional, recebendo uma casa para abrigar-se. E com os direitos políticos, as pessoas têm a permissão para participar das decisões políticas do Estado, votando em eleições, por exemplo.

Outra importante contribuição de Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins268, consiste em apontar as funções ou dimensões centrais dos direitos fundamentais. Trata-se da dimensão subjetiva e da dimensão objetiva. A dimensão subjetiva corresponde à fixação de uma posição do titular em face do Estado, ora para resistir ao poder, ora para exigir atuação do poder. Portanto, ela abrange tanto a categoria dos direitos de resistência quanto a categoria dos direitos a prestações.

Já a função ou dimensão objetiva define direitos fundamentais cuja percepção independe da vontade do titular (sujeitos de direito). Essa dimensão serve de critérios para a atuação estatal em geral, independentemente de violações concretas de direitos fundamentais e de consequente reclamação pelo sujeito titular do direito.

Seria o caso, por exemplo, das competências políticas negativas, que retiram do Estado o poder de excluir legislativamente uma vantagem conferida ao detentor de um direito, e do dever geral atribuído ao Poder Público no sentido de tutelar os direitos fundamentais.

Nesse instante, impõe-se a necessidade de averiguar de que forma essas teorias influenciam ou explicam o direito fundamental à moradia, inclusive quanto aos aspectos práticos de aplicação. Essa é a proposta de trabalho do próximo item.

267 A essa altura é inevitável a comparação com a teoria dos quatro status, de Jullinelk (negativo, positivo, ativo e

passivo). Sobre o assunto, cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires & BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 331-332.

268 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 4 ed. São Paulo: