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3.1 NO ÂMBITO INTERNACIONAL

3.1.2 As funções essenciais da cidade na Carta de Atenas

3.1.2.1 Habitação

A segunda parte da Carta de Atenas trata das funções essenciais da cidade, começando pela habitação. Nesse aspecto, parte da constatação dos problemas gerados pela alta densidade demográfica (cortiço), apontando a insuficiência de espaço habitável, a mediocridade das aberturas para o exterior, a ausência de sol, a presença de germes mórbidos (causando tuberculose), a ausência ou insuficiências de instalações sanitárias e conflitos de vizinhança, entre outros.

Essa grande concentração forçava que se construíssem novos anéis urbanos, substituindo a vegetação por pedra, em detrimento das áreas verdes, que funcionavam como os pulmões da cidade, e da sadia qualidade de vida. Afirma-se ainda que, “quanto mais a cidade cresce, menos as condições naturais [sol, espaço e vegetação] são nela respeitadas”, consoante de observa na décima primeira declaração.

Em razão disso, propugna a Carta, de modo revolucionário, que “o primeiro dever do

urbanismo é pôr-se de acordo com as necessidades fundamentais do homem”, permitindo, por exemplo, a entrada do sol no interior da moradia e a boa qualidade do ar (livre da poeira e de gases tóxicos113), possível mediante a presença da vegetação. Acrescente-se a isso, a necessidade de organizar a distribuição do espaço, afinal a “estreiteza das ruas e o

estrangulamento dos pátios” criam uma atmosfera insalubre para o corpo e deprimente para o

espírito das pessoas, nos termos do tópico doze da Carta.

Também se ingressa no Documento de 1933 o dilema da ocupação desigual do solo urbano. Pela falta de intervenção estatal prévia, bairros e moradias são distribuídos espontaneamente de acordo com as circunstâncias e condições pessoais do morador, como a instalação de um bairro operário numa zona poluída, que até então permanecera inabitada, mas que acaba sendo escolhida porque fica próxima ao local de trabalho, diminuindo os custos com deslocamento.

O Documento então reconhece esse contraste nos termos seguintes: se por um lado há comunidades que habitam regiões com a atmosfera poluída por gases tóxicos e ruídos

produzidos pela indústria, por outro lado existem as habitações de luxo, que ocupam áreas ventiladas, ensolaradas, de belas paisagens e livres de insetos (décima terceira e décima quarta declaração).

Como alternativa a esse processo excludente, a Carta propõe, na décima quinta

declaração, a técnica do zoneamento, concebido como sendo “a operação feita sobre um plano

de cidade com o objetivo de atribuir a cada função e a cada indivíduo seu justo lugar”, tendo por base a distribuição dos espaços de acordo com as atividades humanas: habitação, indústria, comércio e lazer. Com o zoneamento e uma rigorosa regulamentação é possível tornar acessível, a todos e não apenas aos mais ricos, espaços dotados de luz, ar puro e áreas livres para circulação.

Além de reconhecer a função de abrigo familiar de que se reveste a moradia, a décima oitava declaração da Carta de Atenas (de 1933) enaltece-lhe o prolongamento: “fora da moradia, e em suas proximidades, a família ainda reclama a presença de instituições

coletivas”, tais como centros de abastecimento, serviços médicos, creches, escolas e áreas de

lazer. É digna de registro a defesa de que esses equipamentos estejam próximos da residência das pessoas, otimizando o tempo, diminuindo os gastos com deslocamento e minimizando os problemas de mobilidade urbana.

Outro tópico importante do Documento é aquele relativo aos subúrbios (ou periferias), a quem se dedicam três declarações (20 a 22). Nelas, vincula-se a origem do subúrbio à expansão urbana, que cria algo como um escoadouro da população excedente, que procura se alojar onde pude, ainda que sem qualquer proteção.

Trata-se da “sede de uma população incerta, destinada a suportar inúmeras misérias, caldo de cultura e revoltas”, constituindo-se, portanto, num “erro urbanístico, disseminado por

todo o universo” e num dos “grandes males do século”, que só pode ser superado com a

intervenção preventiva do Poder Público.

Diretamente sobre a habitação, a Carta de Atenas conclui e determina ser preciso exigir das autoridades públicas uma série de medidas. Entre elas, destaca-se a questão do controle sobre a ocupação da terra urbana e da formação dos bairros habitacionais. Nesse aspecto, as famílias, independentemente da condição econômica, devem ocupar as melhores localizações do sítio urbano, consideradas a topografia, o clima, a insolação e as superfícies verdes.

E caso não existam solos com as condições adequadas à moradia (com bela paisagem, ar puro e vegetação), que se promova a recuperação deles, que se faça o saneamento das moradias e dos bairros, demolindo as construções prejudiciais à saúde pública e mantendo

apenas aquelas dotadas de simbologia histórica ou artística, de forma a recuperar as áreas livres para circulação e lazer. Isso corresponde a exigir do Estado o compromisso de assegurar o direito à terra urbana.

Além disso, é recomendada a fixação dos limites às densidades demográficas, segundo as características e destinação do solo urbano, garantindo-se as condições para um mínimo de

insolação diária para as moradias, evitando doenças como a tuberculose: “introduzir o sol é o novo e o mais imperioso dever do arquiteto” aduz a declaração vinte e seis.

Outro tema importante se relaciona com o modelo de edificação, que deve garantir o conforto ambiental, justificando a exigência do recuo das casas em relação às vias de circulação, que, por sua vez, devem ser separadas conforme se destinem a pedestres ou a veículos. Por outro lado, caso se opte pela verticalização, que os prédios fiquem afastados uns dos outros, liberando superfícies para áreas verdes, terrenos para jogos e espaços para circulação.

Há uma marcante relação entre a visão de Le Corbusier, expressa na Carta de Atenas, e a ordem jurídica brasileira, porque a CRFB considera a habitação como direito fundamental social (art. 6º) e, como se afirmou acima, o Estatuto da Cidade insere o direito à moradia no conceito de cidade sustentável (art. 2º, I).