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4.1 PLANEJAMENTO URBANO

4.2.2 Critérios de sustentabilidade

Sobre esse tema é inevitável a referência a Ignacy Sachs229, que formulou oito critérios de sustentabilidade, detalhando-lhes o conteúdo, e de cuja leitura se infere o propósito de demonstrar um viés universalista do fenômeno, que seria aplicável a todas as comunidades,

225 ARGERICH, Eloísa Nair de Andrade: desenvolvimento sustentável. In: SPAREMBERGER, Raquel Fabiana

Lopes; AUGUSTIN, Sérgio (Org.). Direito ambiental e bioética: legislação, educação e cidadania. Porto Alegre: EDUCS, 2004, p. 27-44.

226 SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Tradução: José Lins Albuquerque Filho.

Rio de Janeiro: Garamond, 2002, p. 54.

227

SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010, p. 147.

228 DIAS, Gilka da Mata. Cidade sustentável: fundamentos legais, política urbana, meio ambiente, saneamento

básico. Natal: Ed. do Autor, 2009, p. 45. 229

SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Tradução: José Lins Albuquerque Filho. Rio de Janeiro: Garamond, 2002, p. 85-88.

por mais antagônicas que sejam suas realidades sociais, ambientais e econômicas. Uma síntese desses critérios se impõe nesse instante.

O primeiro critério apresentado é o social, cuja intenção é alcançar um patamar razoável de homogeneidade social, com distribuição justa de renda, pleno emprego ou atividade autônoma que garanta qualidade de vida decente, além da igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais. Daqui se infere a visão antropocentrista do autor, ao direcionar o desenvolvimento à melhoria da qualidade de vida das pessoas.

Em seguida, aponta-se o critério cultural, ensejando o equilíbrio entre respeito à tradição e inovação, bem como capacidade de autonomia para projetos nacionais (endógenos), ao invés de importá-los de modelos estrangeiros (alienígenas), mas sem temer a abertura para o mundo.

Outros critérios são o ecológico e o ambiental, traduzidos, respectivamente, na preservação dos recursos ambientais, principalmente daqueles renováveis, e no respeito e reconhecimento da capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais. Se do critério anterior é possível extrair-se a preocupação com o meio ambiente cultural, destes se infere a atenção ao meio ambiente natural.

Já pelo critério territorial, impõe-se um balanceamento entre os meios urbanos e rurais, de forma que os investimentos públicos não sejam priorizados apenas para a cidade, embora precise haver melhoria no ambiente urbano e superação das disparidades inter-regionais.

E, pelo critério econômico, caminha-se em direção ao desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado, à segurança alimentar, à capacidade de modernização contínua dos instrumentos de produção, aliada ao razoável nível de autonomia na pesquisa científica e tecnológica, bem como à inserção soberana na economia internacional.

O critério da política nacional se volta para a questão da democracia e da efetividade dos direitos humanos, além da capacidade do Estado em implantar um projeto nacional em parceria com os empreendedores e existência de um nível razoável de coesão social.

Por fim, pelo critério da política internacional, analisa-se a eficácia do sistema da ONU quanto à prevenção da guerra, à garantia da paz e à cooperação internacional, e a relação norte-sul de co-desenvolvimento, que deve se basear na igualdade material (favorável ao parceiro mais fraco). Reflete-se também sobre o controle institucional efetivo do sistema internacional financeiro e de negócios, além do efetivo controle institucional quanto à aplicação do princípio da precaução na gestão dos recursos ambientais, prevenção de mudanças globais negativas, proteção à diversidade biológica e cultural e na gestão do patrimônio comum da humanidade, incluídas a ciência e a tecnologia.

Percebe-se que, em parte, esses critérios de sustentabilidade se aplicam à cidade. Sob o enfoque social, é imperiosa a necessidade de garantir uma qualidade de vida decente, permitindo-se o acesso à moradia digna (estruturalmente segura, ambientalmente confortável e juridicamente legítima) e aos serviços urbanos (entre eles, o saneamento, a mobilidade e o tratamento adequado dos resíduos sólidos).

No que se refere à questão cultural, é preciso destacar a problemática do conflito entre a funcionalidade da arquitetura moderna e a preservação estética e dos valores arquitetônicos tradicionais, sem olvidar da necessidade de garantir os espaços livres para o lazer e as áreas verdes para melhorar a paisagem urbana.

Mas é certamente o critério territorial aquele que mais se aproxima do tratamento da questão urbana, na medida em que há uma clara preocupação com o equilíbrio entre o espaço urbano e o rural no que toca à alocação dos recursos de investimento público. Ora, não se pode pensar em política de desenvolvimento urbano no Brasil sem que se leve em conta a precária realidade socioeconômica do campo, haja vista a expansão urbana irregular ser explicada, também, pelo abrupto êxodo rural.

Portanto, a partir desses critérios é possível enxergar o caráter multidimensional do ecodesenvolvimento, na medida em que abrange dimensões de ordem social, cultural, ambiental, territorial (referente aos assentamentos humanos e atividades), econômica, política nacional e política internacional (voltada para a manutenção da paz e a conservação do patrimônio comum da humanidade).

Nesse estágio de compreensão, é inevitável relacionar a sustentabilidade urbana à noção de funções sociais da cidade (habitação, trabalho, circulação e lazer), nos termos da Carta de Atenas, marcadamente influenciada pelas ideias de Le Corbusier. Se a cidade não atender a essas necessidades humanas, não cumpre sua função social e não é, destarte, sustentável.

Os documentos internacionais que tratam de assentamentos humanos e a própria CRFB adotam, de um modo geral, as orientações de Atenas, embora lhes acrescentem a ética da sustentabilidade (preservação da salubridade ambiental para as próximas gerações). E no plano infraconstitucional, o conjunto normativo sobre ambiente urbano (Estatuto da Cidade, Lei do Parcelamento, Lei do Saneamento, Lei dos Resíduos Sólidos, Lei da Mobilidade Urbana) também segue essa concepção.

Enfim, a caracterização da sustentabilidade urbana pressupõe a identificação de alguns indicadores. Nesse sentido, para Carlos Leite e Juliana di Cesare230, cidade sustentável é aquela que atende aos objetivos sociais, ambientais, políticos, culturais e econômicos dos seus habitantes, tendo capacidade de balancear eficientemente os recursos necessários ao próprio funcionamento, dispondo de terra urbana, água, energia, alimento, sistema eficiente de transporte público e ciclovias, manejo dos resíduos e esgotos, controle a poluição e outros elementos similares.

Outro fator cuja avaliação é imprescindível consiste na questão do tempo necessário para se transformar a situação e as cidades se tornarem sustentáveis. Em importante obra de Ignacy Sachs231, o desenvolvimento sustentável é abordado a partir do pressuposto de que as soluções definitivas dos problemas ambientais demandam um período de tempo razoavelmente longo de décadas. Daí a proposta de estratégias de transição para o Século XXI no que se refere a desenvolvimento e meio ambiente.

De forma ilustrativa, pode-se apontar, como indicadores de sustentabilidade urbana que dependem de investimento público e razoável tempo de duração, a questão da aproximação entre ambiente construído e o ambiente verde, que pressupõe o respeito às características geográficas do território (planos, declives, consistência) e a preservação de áreas verdes. Outro indicar importante se constitui na garantia do desenvolvimento econômico local232, na medida em que a melhoria da renda familiar influencia no nível da preservação ambiental.

Especificamente sobre a sustentabilidade na dimensão espacial (urbano-rural), Sachs233 transmite uma visão otimista quanto às possibilidades de concretização ao afirmar que a tendência atual de transformação do planeta em um arquipélago urbano não deve ser considerada uma fatalidade. Na compreensão dele, existem estratégias pró-ativas e inovadoras de desenvolvimento urbano, baseadas na equidade social, prudência ecológica e eficiência urbana.

230 LEITE, Carlos; AWAD, Juliana di Cesare Marques. Cidades sustentáveis, cidades inteligentes:

desenvolvimento sustentável num planeta urbano. Porto Alegre: Bookman, 2012, p. 135.

231

SACHS, Ignacy. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. Tradução: Magda Lopes. São Paulo: Studio Nobel: Fundação do Desenvolvimento Administrativo, 1993, p. 34-35.

232 Sobre esses e outros indicadores, cf. LEITE, Carlos; AWAD, Juliana di Cesare Marques. Cidades

sustentáveis, cidades inteligentes: desenvolvimento sustentável num planeta urbano. Porto Alegre: Bookman, 2012, p. 136-137.

233 SACHS, Ignacy. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. Tradução:

A essa altura, impõe-se a análise da legislação sobre o assunto. A seguir, o objeto de reflexão consiste, portanto, em analisar o conceito de sustentabilidade urbana, tendo como referência a Agenda Habitat e o Estatuto da Cidade e como premissa essencial a compreensão de que ela é o resultado final do processo de Planejamento Urbano.