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3.3 NORMATIVA INFRACONSTITUCIONAL

3.3.3 Lei do Parcelamento do Solo Urbano

A legislação acerca desse tema possui grande relevância para as cidades sustentáveis, particularmente no que se reporta à habitação, haja vista cuidar do direito à terra urbana formalmente legalizada. A eficácia jurídica e social das regras do parcelamento garante o acesso das famílias à moradia juridicamente segura, evitando a formação de assentamentos informais/subnormais.

O parcelamento do solo urbano é regulamentado pela Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, com modificações posteriores, principalmente introduzidas pela Lei nº 9.785, de 21 de janeiro de 1999, e pode ser feito de duas formas distintas: mediante o loteamento e através do desmembramento.

O loteamento consiste na subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes, enquanto que o desmembramento é a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes (Lei nº 6.766/1979, art. 2º).

Em atenção a padrões mínimos de sustentabilidade urbana, há um extenso regramento sobre a infraestrutura básica dos parcelamentos, especialmente no que se refere aos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, à iluminação pública, ao

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Os bens públicos são definidos e classificados, por exemplo, pelo Código Civil (arts. 98 a 103).

152 CRFB. Art. 183, §3º: os imóveis públicos [urbanos] não serão adquiridos por usucapião; art. 191, parágrafo

esgotamento sanitário, ao abastecimento de água potável, à energia elétrica pública e domiciliar e às vias de circulação.

A propósito, é perceptível nessa lei a preocupação com a condição física das áreas a serem parceladas, de modo que são proibidos os parcelamentos em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, sem que se tomem previamente as providências para o escoamento das águas. Proíbe-se, igualmente, parcelamento em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados, e em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes (Lei nº 6.766/1979, art. 3º, parágrafo único).

Quando trata dos requisitos urbanísticos para loteamento, a lei ora analisada estabelece os padrões mínimos a serem nacionalmente adotados, ora remete a matéria à legislação local. Veja-se, por exemplo, a dimensão das áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público (Lei nº 6.766/1979, art. 4º, §1º). Nesse caso, essas áreas deverão ser proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem.

Essa remissão do assunto à legislação local não constava do texto originário da lei. Como afirmado anteriormente, ela é fruto de uma alteração promovida em 1999153. Se, por exemplo, antes era exigida reserva de um percentual mínimo 35% (trinta e cinco por cento) da gleba para fins de circulação, implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, agora esse percentual pode variar, inclusive dentro de uma mesma cidade, consideradas as zonas, os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo (Lei nº 6.766/1979, art. 4º, I, e §1º).

Outra novidade diz respeito à inusitada dispensa de iluminação pública como requisito urbanístico básico nos loteamentos de interesse social (Lei nº 6.766/1979, art. 2º, §6º). Criticando essa dispensa, Patrícia Marques Gazola154 explica que se cuida de uma

“simplificação” que viabiliza a implantação de loteamentos sem qualquer iluminação pública

e uma discriminação que fomenta a violência e a criminalidade nos bairros escuros. O que contraria o próprio conceito de moradia adequada.

Já no que se refere ao tamanho dos lotes, prescreve que eles deverão ter área mínima de 125m² (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros,

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Trata-se da Lei nº 9.785, de 29 de janeiro de 1999.

154 GAZOLA, Patrícia Marques. Concretização do direito à moradia digna: teoria e prática. Belo Horizonte:

embora autorize a flexibilização na hipótese de loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social.

A lei busca garantir uma ordenação adequada do espaço urbano e o maior acesso possível aos equipamentos urbanos (abastecimento de água, serviços de esgoto, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado) e comunitários (escolas, espaços culturais, postos de saúde e hospitais, além de áreas de lazer).

Assim, exige que, desde o projeto de loteamento, haja a indicação dos arruamentos contíguos a todo o perímetro, a localização das vias de comunicação, das áreas livres, desses equipamentos urbanos e comunitários existentes no local ou em suas adjacências, com as respectivas distâncias da área a ser loteada (Lei nº 6.766/1979, art. 6º).

Além de tratar de questões administrativas, a lei do parcelamento tipifica criminalmente algumas condutas, procurando resguardar o interesse público em preservar o equilíbrio ambiental. Considera-se crime contra a Administração Pública, por exemplo, dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições legais (art. 50, I), com pena de reclusão, de 1(um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinquenta) salários mínimos.

Uma questão que se impõe sobre a prática desse crime diz respeito à responsabilidade penal do empreendedor e das autoridades públicas responsáveis pela adequada tutela do meio ambiente artificial. Nos termos do art. 51 da Lei do Parcelamento, quem, de qualquer modo, concorre para a prática dos crimes previstos no crime acima referido incide nas penas cominadas, considerados em especial os atos praticados na qualidade de mandatário de loteador, diretor ou gerente de sociedade. Portanto, nessa hipótese, é patente a responsabilidade das pessoas que, de forma dolosa, dão causa ao parcelamento irregular.

Enfim, a lei do Parcelamento do Solo Urbano estreita fortemente a relação existente entre os aspectos urbanísticos e ambientais no âmbito da urbe e contribui decisivamente para se definir um padrão adequado de moradia em cidades ambientalmente sustentáveis.

Em suma, ela tem a pretensão de assegurar aos citadinos uma boa circulação, o acesso aos equipamentos urbanos e comunitários básicos e o conforto ambiental necessário, proibindo o loteamento de terrenos inapropriados à moradia humana e criminalizando condutas que desrespeitem esses valores.

Registre-se, em tempo, que tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 20/2007, dispondo sobre o parcelamento do solo para fins urbanos e sobre a regularização

fundiária sustentável de áreas urbanas, denominada de Lei da Responsabilidade Territorial Urbana155.

A proposição legislativa pretende instituir, dessa forma, uma nova legislação sobre parcelamento do solo urbano, em substituição à atual. Todavia, em cumprimento às disposições constitucionais não poderia deixar de aproximar, cada vez mais, os elementos urbanísticos aos ambientais, tais como: a) função social da propriedade urbana e da cidade; b) garantia do direito à moradia e ao desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos; c) urbanismo como função pública e respeito à ordem urbanística; e d) garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo.

Uma das justificativas do projeto aduz que essas regras “constituem instrumentos

essenciais para assegurar que a expansão e a ocupação das áreas urbanas ocorram de forma

correta do ponto de vista urbanístico, ambiental e social” e que o Poder Legislativo tem a

obrigação de atualizá-las.

De tudo isso, pode-se inferir que o padrão oportuno e conveniente de moradia humana na cidade começa pelo adequado parcelamento do solo. Eis, portanto, um dos elementos a nortearem políticas habitacionais que, de fato, garantam a moradia adequada de forma mais universal.