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4.1 PLANEJAMENTO URBANO

4.1.1 Elementos conceituais

Analisando-se a CRFB, é possível constatar que o planejamento público não é uma faculdade, mas um dever estatal. No que se refere à distribuição das competências administrativas, por exemplo, está definido que compete: a) à União elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social (art. 21, IX); b) aos Estados instituírem regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, a fim de promoter o planejamento e a execução de funções públicas nesses espaços (art. 25, §3º); e c) aos Municípios promoverem o adequado ordenamento territorial, mediante o planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII).

Até a conciliação entre o interesse público e as pretensões da iniciativa privada no campo econômico deve ser objeto do planejamento público, no próprio instante em que a CRFB atribui ao Estado o papel de fiscalizar, incentivar e planejar a atividade econômica, ainda que de forma indicativa para o setor privado (art. 174)173. Mas, afinal, o que é planejamento?

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CRFB. Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Referindo-se ao conceito de planejamento constante da Carta dos Andes174, Célson Ferrari175 explica que, em sentido amplo, planejamento é um método destinado a resolver, racionalmente, os problemas que afetam uma sociedade, numa dada época e num determinado espaço, através de uma previsão ordenada capaz de antecipar as possíveis consequências desses problemas. Seria um método (caminho) porque o planejamento não é um fim em si mesmo, mas apenas um meio para se atingir um fim (instrumento).

Para Braga Junior e Aline Nelson176, o planejamento, de uma forma geral, consiste numa ferramenta que estabelece uma direção a ser seguida para a obtenção de sucesso em

expectativas previamente concebidas, cujo fundamento estaria no “pensar estratégico”, que

busca aperfeiçoar os resultados e oferecer subsídios para superação de obstáculos não previstos. E esse ato de planejar se justificaria em função das mudanças sociais, culturais, políticas, tecnológicas e econômicas que ocorrem permanentemente e que influenciam na vida das pessoas.

Com visão semelhante, Marcelo Lopes de Souza177 afirma que planejar sempre remete ao futuro e significa tentar prever a evolução de um fenômeno ou tentar simular os desdobramentos de um processo com o objetivo de melhor se precaver contra prováveis problemas (evitando, minimizando) ou inversamente, com o fito de aproveitar os prováveis benefícios.

Então, respondendo objetivamente à questão acerca do que motivaria o Poder Público a planejar suas atividades, pode-se afirmar que a justificativa seria se antecipar aos problemas que prejudicam o bem-estar coletivo, com base em estratégias racionalmente pensadas e aplicadas em políticas públicas, nas suas diversas modalidades e naturezas (sociais, econômicas, tributárias, ambientais, urbanísticas).

Essa concepção se aplica bem ao Planejamento Urbano. Em consequência do processo de concentração humana na urbe, onde se buscam oportunidades de trabalho e o acesso mais fácil a serviços públicos, apareceram alguns transtornos, como trânsito congestionado, produção e acúmulo excessivo de resíduos sólidos (lixo), poluição (sonoro, visual e do ar), construção espontânea (sem padrão arquitetônico e licença do Poder Público), destruição da

174 A Carta dos Andes foi elabora em 1958, na Colômbia, resultando do Seminário de Técnicos e Funcionários

em Planejamento Urbano. Cf. FERRARI, Célson. Curso de planejamento municipal integrado. 2 ed. São Paulo: Pioneira, 1979, p. 3.

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FERRARI, Célson. Curso de planejamento municipal integrado. 2 ed. São Paulo: Pioneira, 1979, p. 3.

176 BRAGA JUNIOR, S. A. M.; NELSON, A. V. M. Planejamento público municipal e gerenciamento

democrático como estratégias para o desenvolvimento urbano. In: IPEA. Anais do I Circuito de debates acadêmicos da Conferência Nacional para o Desenvolvimento -CODE, 2011.

177 SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. 6

memória histórico-cultural com novas edificações, ilegitimidade da posse, especulação imobiliária, entre outros. Planejar a cidade é, assim, uma necessidade cada vez mais presente na civilização industrial contemporânea.

Num cenário de quase impotência do Poder Público diante desses problemas, ganham força o Planejamento Urbano e o Urbanismo, que, de acordo com Laécio Noronha Xavier178, não se confundem. Pare ele, o Planejamento Urbano é uma espécie de construção intelectual da cidade, ato de antever a organização citadina, visualização das transformações do meio urbano de forma consciente e orientada, alternativa para combater as mazelas urbanas provenientes do que ele chama de “caos das grandes aglomerações” (inchaço populacional, ocupação irregular, segregação social e insalubridade urbana). Já o Urbanismo é uma ciência multidisciplinar, arte ou técnica de prescrever um desenho urbano para as cidades. Mas, o autor vislumbra que, na virada do século XIX para o XX, o Planejamento Urbano (política) e o Urbanismo (arte e técnica) se aliam para projetarem cidades orientadas para o futuro a partir de suas atividades funcionais.

Esse aspecto interdisciplinar do planejamento urbano, como foi aludido por Laécio Noronha Xavier, merece mais dois apontamentos. Um referente ao próprio conceito de indisciplinaridade e outro relativo à imprescindível aproximação entre arquitetos, engenheiros, sociólogos, geógrafos, antropólogos, historiadores, administradores, economistas, juristas, jornalistas e literatos, que detêm conhecimentos aparentemente distantes, mas que precisam interagir no momento de planejar a cidade.

Para Hilton Japiassu179, a interdisciplinaridade se caracteriza pela intensidade das trocas entre especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas, no interior de um projeto específico, concluindo que um empreendimento interdiciplinar seria aquele que conseguisse incorporar os resultados de várias especialidades e que tivesse a capacidade de tomar de empréstimo, a outras disciplinas, certos instrumentos e técnicas metodológicos.

Destaque-se, nessa passagem, a questão da intensidade das trocas de saberes, que até então poderiam ser específicos e permanecerem isolados, mas que acabam convergindo e se somando na busca por um ideal comum, envolvidos pelo trabalho interativo dos variados profissionais.

178 XAVIER, Laécio Noronha. Estatuto da Cidade: caixa de ferramentas do planejamento urbano no Brasil.

Apresentação oral. Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Niterói-RJ, 31 de out. a 03 de nov. 2012.

Sobre o assunto, Edésio Fernandes180 chama a atenção para o fato de que a gestão urbano-ambiental requer uma ampla compreensão dos vários fatores envolvidos, através do enfoque interdisciplinar que articule e integre os diversos processos, agentes e mecanismos relacionados ao crescimento urbano e à exclusão socioespacial, por exemplo.

Em poéticas metáforas, Japiassu181 apresenta o papel específico da

interdisciplinaridade: “lançar uma ponte para religar as fronteiras que haviam sido estabelecias anteriormente entre as disciplinas”. Essa ponte é imprescindível para o complexo

empreendimento de planejar a organização das cidades e assegurar-lhes a sustentabilidade. O Planejamento Urbano apresenta um perfil interdisciplinar, no próprio instante em que se efetiva a partir da interação e da convergência de experiências e conhecimentos trocados entre diferentes profissionais. Seria ele, então, essa ponte que liga diversos conhecimentos e os conduz à construção das cidades sustentáveis.

É nesse aspecto que Laécio Noronha Xavier182 defende a proposição de que a tarefa de planejar o desenvolvimento urbano é afeta aos arquitetos, engenheiros, sociólogos, geógrafos, antropólogos, historiadores, administradores, economistas, juristas, jornalistas e literatos, a partir de uma leitura da cidade sob as mais variadas matrizes e através da participação popular, sendo o Urbanismo, como ciência e ordem legal intervencionista, forte aliado nesse processo.

Já para se demonstrar a natureza instrumental do Planejamento Urbano, as palavras de Marcelo Lopes de Souza183 vêm a calhar, quando ele afirma que o planejamento, por ter a finalidade última de superação de problemas, com aumento da justiça social e a melhoria da qualidade de vida, nada mais seria do que uma estratégia de desenvolvimento urbano.

Assiste razão ao autor, afinal de contas não se planeja a expansão de uma cidade, por exemplo, simplesmente para que ela seja de determinada forma, mas para se atingir um fim: o respectivo desenvolvimento urbano. Para que ela cumpra as suas funções sociais mais importantes, oferecendo, aos seus habitantes, acesso à moradia digna, empregabilidade, boas condições de mobilidade e espaços de lazer. Enfim, planeja-se a cidade para que ela proporcione uma melhor qualidade de vida.

180 FERNANDES, Edésio. Direito urbanístico e política urbana no Brasil: uma introdução. In: FERNANDES,

Edésio (Organizador). Direito urbanístico e política urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 18.

181

JAPIASSU, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de janeiro: Imago, 1976, p.75.

182 XAVIER, Laécio Noronha. Estatuto da Cidade: caixa de ferramentas do planejamento urbano no Brasil.

Apresentação oral. Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Niterói-RJ, 31 de out. a 03 de nov. 2012.

183 SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. 6

A propósito da finalidade do Planejamento Urbano, Demétrius Coelho Souza184, ao abordá-lo na dimensão de atender às realidades das cidades, coloca-o como sendo um dos pontos mais importantes (se não o mais) na busca por qualidade de vida das pessoas nas cidades e, por isso, deve ser constante. E há de se entender dessa forma. Do contrário, restaria prejudicada a vida na urbe.

Na visão de Patrícia Marques Gazola185, as cidades, de um modo geral, crescem sem Planejamento Urbano público eficaz e, por isso, acabam sendo formadas a partir das tendências e interesses do mercado imobiliário e não das necessidades habitacionais. Esse problema se agrava, segundo ela, na população de baixa renda, onde as pessoas ficam à margem do mercado e, sem opção, ocupam espontaneamente espaços inadequados à moradia, como encostas, manguezais, imóveis abandonados em ruínas e até servidões embaixo de linhas de alta tensão186.

Essa formação segregacionista, decorrente da falta de Planejamento Urbano, é explicada por Maria Célia Nunes Coelho187, para quem o crescimento urbano desacompanhado do aumento e distribuição equitativa dos investimentos em infraestrutura e da democratização do acesso aos serviços urbanos, as desigualdades socioespaciais são geradas ou acentuadas.

Portanto, quando as ações governamentais não são precedidas de planejamento adequado, naturalmente se formam alguns paradoxos: a) concentração populacional excessiva, embora existam terrenos desocupados, acarretando o aumento da especulação imobiliária; b) obtenção da moradia, mas com a posse ilegítima e precariedade de infraestrutura; c) aumento do consumo, mas ao custo de poluição ambiental e de conflitos urbanos.

Por essas razões, justifica-se plenamente a preocupação da Carta Magna com a necessidade planejar adequadamente as cidades e, por força disso, desenvolvê-las, como forma de garantir o bem-estar dos seus habitantes presentes e vindouros, conforme se verá a seguir.

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SOUZA, Demétrius Coelho. O meio ambiente das cidades. São Paulo: Atlas, 2010, p. 57-60.

185 GAZOLA, Patrícia Marques. Concretização do direito à moradia digna: teoria e prática. Belo Horizonte:

Fórum, 2008, p. 37.

186

Na cidade de Mossoró, Estado do Rio Grande do Norte, uma área urbana periférica ficou popularmente conhecida como Favela do Fio exatamente por ficar embaixo de uma rede de transmissão de energia elétrica em alta tensão. O nome oficial dessa comunidade é Wilson Rosado. Cf. PREFEITURA MUNICIPAL DE MOSSORÓ. Plano Estratégico Municipal para Assentamentos Subnormais. Mossoró-RN, 1997, p. 3.

187

COELHO, Maria Célia Nunes. Impactos ambientais em áreas urbanas – teorias, conceitos e métodos de

pesquisa. In: GUERRRA, Antônio José Teixeira; CUNHA, Sandra Baptista da (Org.). Impactos ambientais urbanos no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p. 39.