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No início da década de 80 o cenário agrícola de Iguape configurava o seguinte panorama: nas terras mais férteis, principalmente as amplas áreas de várzeas, Nas outras áreas seguia-se a mesma tendência, embora o assalariamento agrícola tenha sido menor, pois a introdução da agricultura comercial teve como característica o fato de ser mais diversificada, menos concentrada geograficamente e menos capitalizada, gerando, portanto, menos oportunidades de assalariamento.

A dinâmica de desenvolvimento agrícola que se iniciava no Vale do Ribeira seguia moldes semelhantes daquela que se deu no resto do estado um século antes: expansão de monoculturas, liderada por produtores com recursos disponíveis, cuja

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A colheita da banana acontece durante o ano todo, principalmente nos meses quentes, quanto o seu amadurecimento é mais rápido. O serviço do bananal ainda exigia a abertura e limpeza de valas para drenagem da água, capinas nas entrelinhas e desbaste dos perfilhos.

dinâmica desviava o sitiante de sua atividade autônoma para o assalariamento (seja na atividade agrícola, seja no extrativismo). Para permanecer como produtor autônomo, ou o caboclo incorporava-se ao processo de modernização da técnica e vinculação ao mercado extra-regional do seu sistema de produção agrícola, ou então, como sugeriu Maria Isaura Pereira de Queiroz (1969, p.234) no final da década de 60, não sendo objeto da política pública desenvolvimentista, tenderia a refugiar-se em partes menos acessíveis da região, onde poderia preservar seu estilo de vida tradicional, à custa de um abaixamento ainda maior de seu nível econômico – ou se sujeitaria ao sub-emprego urbano122.

A descrição de Müller parece-nos um tanto exacerbada se atribuída ao município de Iguape123 em 1980. Contudo, mostra o que poderia ser um cenário futuro:

Não é mais a canoa a varejão, o barco a vapor, as mulas de carga que constituem a base técnica dos transportes, mas a ferrovia e o caminhão. Não é mais o comerciante de Iguape e de Pariquera que adianta mantimentos e outros bens em troca dos excedentes, mas o comerciante exportador de Santos e as empresas cooperativas com sede em São Paulo. Não são apenas o sítio e a fazenda as bases da organização da produção mas, com a aceleração da concorrência e as oscilações violentas dos preços, começam a surgir empresas agrícolas, transformando a agricultura em indústria e o espaço rural do Vale em espaço suburbano da megalópole do planalto (1980, p.59)

[...] nada mais têm a ver com o antigo capital comercial local, mas sim com o capital industrial. É na passagem do primeiro para o segundo capital que se esboça a incorporação (ibidem, p.53).

à diminuição das lavouras temporárias correspondeu um crescimento das permanentes, indicando a queda da produção promíscua ou caipira e o aumento da produção puramente mercantil (ibidem, p.67).

Este cenário se completa com as observações de Abramovay que, apesar de referentes às transformações na dinâmica agrícola do oeste paranaense, aponta para o verso da situação descrita por Müller. Adverte o autor: “O fim do pousio florestal

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Nossa suposição, assim como a de Queiroz, faz eco com Müller (1980, p.84), conforme trecho já citado: “A pressão desse novo patamar sobre as primitivas formas de organização da produção mostra- se clara: ou tecnificam o processo produtivo ou a penalização social as alijará da concorrência”.

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Müller chamou de “cinturão mercantilizado” a região que circunscreve as transformações mais intensas da incorporação, da qual considerou Iguape e Cananéia distantes (cf. ibidem, p.81).

não foi só o término de uma certa forma econômica, mas a substituição de uma população por outra, uma transição não apenas sócio-econômica, mas também étnica e cultural” (1981, p.32). Seguramente, são muitas as diferenças entre a região estudada por Abramovay e o Vale do Ribeira. Contudo, também em Iguape foi verdadeira a tendência de ser insignificante a participação efetiva do sitiante nativo no processo de modernização agrícola.

Porém, se em 1980 – época em que Müller escreve seu trabalho – este foi o cenário que se projetava para Iguape, não se confirmou no transcorrer da década. Pois na década de 80, dois eventos, um de ordem natural e outro, política, contribuíram124

para que a dinâmica de desenvolvimento agrícola que se configurava tomasse outro rumo. O primeiro evento refere-se às sucessivas enchentes que atingiram as planícies férteis dos bairros ribeirinhos, freando o desenvolvimento da monocultura da banana e os processos econômicos e sociais associados. O segundo evento refere-se ao novo arcabouço da política de conservação ambiental no país e no estado de São Paulo e o rigor de sua aplicação, afetando a estrutura agrária e agrícola do município ao promover “cercamento” de terras e o cerceamento do uso de recursos florestais e pesqueiros.

A sobreposição destes dois eventos na década de 80 e 90 é contingente, embora o impacto produzido por cada um deles tenha um efeito integrado. Também é preciso salientar, desde já, que tais eventos atingem diferentemente cada agricultor, isto é, o caboclo e o agricultor que praticava a agricultura convencional, mas é a partir da articulação entre ambos que se pode, de fato, entender o impacto efetivo sobre cada um. Por isso, não concluiremos este assunto neste mesmo capítulo.

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Não estaremos discutindo todos os aspectos que levaram a estancar o processo de incorporação econômica da Baixada do Ribeira e a limitar o alcance do trabalho da Sudelpa. Um dos motivos atribuídos ao fracasso dessa autarquia refere-se ao pouco êxito da estratégia de trazer investimento privado para setores produtivos, pois o grande capital privado deixou de ser investido na mesma proporção em que diminuiu o seu orçamento e, imediatamente, os incentivos fiscais e as obras publicas de infra-estrutura.

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