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A RTICULAÇÃO DOS SISTEMAS PRODUTIVOS COM O MERCADO : COMERCIALIZAÇÃO E FINANCIAMENTO

Atualmente, o vínculo do sitiante com o mercado é mais forte do que no passado nos dois sentidos, o da compra e o da venda de produtos. Toda a sua lavoura se destina ao mercado (varejista local ou atacadista em São Paulo). E é lá onde se abastece de alimentos, roupas... mas também daquilo que antes não consumia: os insumos agrícolas industriais.

A comercialização que acontece em Iguape é pequena e se limita a alguns produtos provenientes das lavouras do sitiante menos tecnificado e mais fragilizado comercialmente. É evidente a falta de organização do comércio intermunicipal de alimentos, o que se revela ao produtor como falta de incentivo a sua agricultura. Esta comercialização é feita em feira-livre170, varejões e mercados. Em geral, os mercados

e varejões funcionam como concorrentes dos agricultores da região. Trazem mercadorias de São Paulo, e baixam os preços nos dias de feira na cidade. De modo geral, os sitiantes estão bastante desestimulados com os resultados obtidos nas feiras171. Com freqüência desabafam seu cansaço172 e a vontade de deixar de

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Não são muitos os agricultores que participam da feira, em torno de 20, na feira livre, e em torno de 30, na feirinha do produtor. Com certa freqüência, trazem produtos de algum companheiro para vender, podendo ou não receber algo em troca. É ainda mais comum, trazerem produtos que não são de suas roças, como tomates, tangerinas, mangas, entre outros produtos que, em geral são de ótima aparência. Estes são comprados de sítios de vizinhos, e também de comerciantes que trazem produtos da região de Sorocaba. Os agricultores encomendam produtos ou os negociam momentos antes da feira.

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Conforme dito na Introdução (item O trabalho de campo), são duas feiras semanais que acontecem em Iguape, sendo que de uma delas só participam os produtores locais.

participar. Contudo, a feira representa, para alguns, a única ou a mais importante forma de comercialização.

Outra modalidade de comércio em Iguape – cuja representatividade de volume não sabemos informar, valor e número de produtores envolvidos – é a venda que acontece “de porta em porta”. É assim que muita farinha de mandioca e outros víveres são vendidos, não tanto na porção do centro histórico da cidade, mas do outro lado do Valo Grande (que corta a cidade), no bairro do Rocio173 – de característica

mais popular (e populosa, também). Segundo alguns depoimentos, os agricultores fazem seus clientes cativos, os quais visitam com uma freqüência determinada.

No bairro do Despraiado, conhecemos uma outra dinâmica de comercialização – vale lembrar mais uma vez que este bairro se encontra no interior da EE.J.I., é um dos mais distantes da sede do município e acesso por estrada é precário. A comercialização no Despraiado é feita por intermediários que aparecem no bairro, sem dia pré-estabelecido, procurando por quem tem produtos174. Aquilo que recolhe nos sítios só será pago ao produtor no dia em que o intermediário retornar ao bairro, também sem data certa – às vezes em duas semanas, um mês, ou nunca mais. O preço também é determinado pelo atravessador, em prejuízo dos agricultores.

Mas, a maior parte do que se produz em Iguape é comercializada no Ceagesp de São Paulo. E para vender neste mercado, os agricultores sabem que devem alcançar determinados padrões de qualidade, mesmo porque, estão informados sobre as

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Conforme o bairro do agricultor, são obrigados a ir para Iguape no dia anterior ao da feira, devido à limitação de horário dos ônibus em determinadas linhas. Assim, enfrentam uma noite fora de casa, o que às vezes implica custo de aluguel de um quarto na cidade. Outros enfrentam a madruga para estar cedo em Iguape. Arcam com os custos do “frete” – quantia paga de acordo com o número de caixas que carregam – de um pequeno aluguel pago para a pessoa que guarda os apetrechos da barraca da feira... e muitas vezes, acabam doando boa parte do que produziram e transportaram pois pouco conseguem vender.

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Seria interessante conhecer mais de perto a relação entre os bairros rurais e o bairro do Rocio, pois é lá que hoje estão instaladas muitas famílias de sitiantes, ou parte de famílias, de modo que a interação entre estes dois meios é, supostamente, bastante intensa.

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A produção agrícola neste bairro foi profundamente prejudicada em decorrência da sua transformação em Estação Ecológica, restando hoje uma precária agricultura de subsistência e um manejo capenga dos antigos bananais. É portanto a banana o principal produto comercializado pelos sitiantes, embora também vendam farinha e outros víveres.

significativas variações do preço alcançado no comércio, conforme o tamanho e a aparência de suas frutas, verduras e legumes. Portanto, essa produção que se destina ao Ceagesp requer certos cuidados que implicam custo ao agricultor. Como o sitiante não tem capital para investimento, precisa recorrer a uma ajuda para custeio. E é aí que descobrimos algo realmente interessante.

É o próprio barraqueiro do Ceagesp que financia a produção, adiantando sementes e insumos, que depois são descontados quando o produto da lavoura chega para ser comercializado. O contato entre o barraqueiro e o agricultor se dá através de um intermediário, que é a pessoa que faz o transporte de mercadorias, trazendo os insumos comprados na capital e levando a produção agrícola. Assim nos resumiu um sitiante:

Se no caso, eu tiver com dinheiro e quiser comprar um adubo, e tiver precisando rápido de adubo, ai eu vou aí e compro um saco, mas se tiver precisando de uns 10, 8, 5, 6 sacos então nós faz um bilhete com nosso nome direitinho, endereço e tudo. Pegamos um carimbo, que agora temos do barraqueiro, a gente bate aquele carimbo no pedido e manda pelo caminhão. Aí chega lá o caminhão entrega lá no barraqueiro, ele olha lá no computador, o nome tá tudo lá no computador, aí ele manda o cara pegar [o adubo] lá na casa. O caminhoneiro vai lá, pega e em oito dias, mais ou menos, chega aqui o pedido. Aí você vai pagar aquilo lá daqui a 3 meses, ou 4 meses, quando você vai mandar as verduras. Agora se você já estiver tirando verdura, aí então ele já vai descontando [...] Mas não é todo barraqueiro não. Eu trabalho com dois ou três lá (depoimento, Peropava, 2002).

Não são apenas os gastos com insumos que são subtraídos do saldo do produtor. Para comercializar no Ceagesp deverá arcar com um conjunto de despesas: o frete dos insumos e da produção, o aluguel das caixas que acomodam os produtos e o descarregamento do caminhão, quando este chega em São Paulo. A comercialização, é claro, fica atrelada ao barraqueiro-financiador e o preço vai ser dado pelo mercado, no momento da venda. Muitas vezes o agricultor apenas empata ganhos e gastos com este tipo negócio.

O que nos pareceu interessante é que tudo isso muito se assemelha à relação de comercialização/adiantamento que antes se dava entre o caboclo e o dono de armazém ou da chiboca. Portanto, parece-nos que a pequena produção mercantil passou para uma agricultura de mercado requerendo apenas ganhos de produtividade

e qualidade dos produtos, ambos decorrentes do acesso a uma nova tecnologia de produção e a um outro mercado, sem que a estrutura de comercialização fosse modernizada. Ou seja, o processo de difusão de novas técnicas agrícolas, o aumento da produtividade, o progresso na produção etc. se deu com fraca contrapartida no que respeita ao sistema de comercialização, isto é, sem haver qualquer avanço no âmbito das relações de trocas comerciais.

Mas vale um parêntese importante. O intercâmbio de produtos entre o comerciante e o produtor foi significativamente dificultado para os sitiantes cuja propriedade está distante de um grande produtor, ou fora dos bairros rurais em que a agricultura comercial é mais dinâmica. Pois, o “freteiro” não tem interesse de desviar-se de seu itinerário para recorrer à produção destes poucos sitiantes; ao mesmo tempo, estes dificilmente produzem o suficiente para pagar sozinhos o frete do caminhão, ficando bastante fragilizados. Enquanto isso, nos bairros que concentram maior número de agricultores, os caminhões já têm dias determinados da semana em que circulam recolhendo produtos (e o frete, então, é pago por cada agricultor de acordo com o número de caixas que envia). Portanto, o transporte representa fundamental aspecto de articulação entre produtores, e vem a reforçar nossa idéia sobre a sinergia produtiva que possibilitou ao sitiante passar a praticar uma agricultura convencional e de mercado.

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