• Nenhum resultado encontrado

Depois do projeto de colonização, do qual resultou a vinda dos imigrantes japoneses94 para o Vale do Ribeira, a atuação do Estado só se fez sentir novamente na

região na década de 5095, com o início das obras da rodovia Regis Bittencourt (BR-2,

atual BR-116, concluída em 1962), como também pela construção do Hospital Regional, em Pariquera-Açu (concluído em 1950), pela construção de pontes e conservação de algumas estradas já existentes. Mas foi no final desta década que o Governo – federal e estadual – passou a se preocupar com o desenvolvimento regional. E, a partir de então, sobreveio uma seqüência de planos, projetos, estudos, medidas e estratégias, conjuntamente a uma sucessão de órgãos, equipes e comissões responsáveis por fomentar a integração regional ao quadro geo-econômico do resto do Estado. Admitimos a dificuldade de acompanhar o conjunto e o encadeamento de tudo o que foi proposto e aquilo que foi, de fato, executado. Tentamos fazer uma síntese, todavia recomendamos a leitura de trabalhos96 os quais trazem muitas

informações complementares.

Em 1958 (final do governo de Jânio Quadros), formou-se a primeira comissão, composta por técnicos e representantes de diversos órgãos do Estado, com a incumbência de realizar estudos sobre a região do Vale do Ribeira e dar início a ações visando seu desenvolvimento. Foi a chamada Operação Caiçara, a qual, um

94

A colonização fez parte de uma política promovida pelo Governo do Estado com o objetivo de povoar a região do Vale em terras devolutas do Estado, bem como formar uma área de pequenos proprietários produtores de alimentos. Isso constituía uma preocupação do governo à medida que a demanda por alimentos na capital do estado e em outros centros urbanos não estava sendo suprida pela produção nacional, fazendo com que as importações de itens da dieta básica, como o próprio arroz e o feijão, pesassem na balança comercial do país, desde o fim do século XIX. Encontramos em Müller a seguinte citação, que muito nos esclarece a respeito da chegada dos japoneses na região: “A importação de arroz do estado da Louisiana (USA) e do Japão pesava em nossa balança comercial. O governo do Estado de São Paulo resolveu estimular a cultura desse cereal e, entre outras medidas, favoreceu a localização de imigrantes japoneses na Baixada do Ribeira, região considerada favorável à rizicultura e que outrora se destacara nesse mister agrícola” (CANO, 1976, apud MÜLLER, 1980, p.47).

95

É válido lembrar que antes de meados do século, o Estado atuou na construção e no funcionamento da via férrea Santos-Juquiá, em 1915, no serviço de navegação fluvial, durante toda a primeira metade do século e nos projetos de colonização. A dissertação de mestrado de Paiva (1993) trata especificamente sobre a ação do Estado na região do Vale do Ribeira entre as décadas de 30 e 40.

96

ano depois, veio a ser integrada pela Comissão do Litoral do Estado – estabelecida pelo então governador Carvalho Pinto – cuja missão era apontar medidas e soluções para os problemas do litoral. Entre estas medidas, criou-se o Serviço Regional do Vale do Ribeira (SVR), que ficava vinculado ao Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE). Foi o SVR o responsável por executar o Plano de Desenvolvimento do Vale do Ribeira e Litoral Sul, elaborado em 1966 – e, portanto, em período de ditadura militar – por uma empresa privada de consultoria, a Brasconsult.

Os objetivos deste Plano limitavam-se a criar condições mínimas de infra-estrutura e melhorar a qualidade de vida da população, já que o diagnóstico realizado pela empresa consultora nem mesmo cogitava a possibilidade de pleno desenvolvimento do Vale do Ribeira. Segundo interpretação de Braga (1998, p.96), tal diagnóstico transmitia a mensagem de que “a integração da região aos níveis de desenvolvimento das regiões mais dinâmicas do Estado seria inviável [grifo nosso]”, tal o atraso e a pobreza do Vale do Ribeira e, principalmente, o abismo sócio-econômico diante das demais regiões. Em 1968, o SVR já havia realizado muitas das proposições previstas no Plano de Desenvolvimento, mas foi substituído pela Superintendência de Desenvolvimento do Litoral Paulista (Sudelpa) no ano seguinte.

Foi particularmente após a instalação desta autarquia que o Governo do Estado concentrou esforços para tirar o Vale do Ribeira do seu caipirismo, isolamento e estagnação por meio de política de incentivo fiscal e financeiro visando sobremaneira transformar a base técnica produtiva da agricultura. Foram realizados vários projetos voltados a modernizar e desenvolver economicamente a região, sobretudo na década de 70. Pelo que indicam as diferentes fontes consultadas, a atuação do governo respondia a uma preocupação de dupla origem: de um lado, o diagnóstico do agudo subdesenvolvimento do Vale do Ribeira; de outro, o controle político e militar de suas ermas regiões. Nos anos de 1967 e 1968 foram organizadas operações militares na região com claros fins de reconhecimento da área e repressão de focos guerrilheiros, uma vez que já se sabia da presença do movimento revolucionário de esquerda, liderado por Carlos Lamarca, que vinha realizando treinamentos e

atividades de guerrilha no município de Jacupiranga97.

A ênfase dos projetos executados pela Sudelpa correspondeu a do Plano anterior, ou seja, incidiu prioritariamente sobre as obras de infra-estrutura regional. Foi ampliada a rede elétrica, a malha vicinal, construídas pontes e instaladas redes de telefonia. Também atuaram sobre as condições sanitárias, de saúde e educação, com a construção de escolas rurais, postos de saúde etc. Conjuntamente, adotou-se estratégias de fomento agro-industrial. Linhas de crédito foram promovidas, taxas de juros facilitadas e isenção fiscal concedida, atraindo o capital industrial e a iniciativa privada. Segundo Müller (1980, p.129), “[...] a política de criação da Sudelpa visou capacitar a região ao aproveitamento privado daqueles incentivos públicos”.

Arriscaríamos dizer que foi a ampliação da estrutura de transporte o que mais afetou a base técnica produtiva na região. Vale aqui um parêntese para lembrar que as dificuldades de transporte e comunicação que se impuseram a Iguape marcaram suas crises econômicas. A partir do momento em que perdeu seu porto marítimo no fim do século XIX e, por conseguinte, o contato com o mercado do planalto e do exterior via porto de Santos e Rio de Janeiro, deixou de ser o eixo econômico e comercial de toda a região da Baixada, especialmente após a inauguração da estrada de ferro Santos-Juquiá, em 1915.

A partir de então, a via fluvial passou a ser a principal comunicação do município com o resto do Estado. Almeida (1945, p.97) relata que foram estudadas maneiras de interligar os serviços ferroviários e os fluviais, o que nem sempre aconteceu a contento da população. O autor descreve em detalhes a história da exploração da navegação fluvial do Ribeira de Iguape a qual, desde meados do século XIX até meados do XX, foi marcada pela sucessão de empresas concessionárias do Governo

97

Em 1970, o movimento guerrilheiro revolucionário comandado por Lamarca, teve sua base de treinamento totalmente destruída por um comando militar de mais de 1500 homens. No Relatório Anual das Atividades da Sudelpa, Exercício de 1970, que se via ameaçada por cortes em seu orçamento, diz: “Se não for tomada a decisão urgente de revisão dos valores aprovados, elevando-os imediatamente aos níveis inicialmente propostos, a Sudelpa não disporá dos meios mínimos necessários ao cumprimento da missão que lhe foi confiada pela Constituição do Estado de São Paulo. É importante ressaltar que tal missão, situada na área se responsabilidade do Governo Estadual, está intimamente ligada com a Segurança Nacional. E não seria demais lembrar aqui o conceito de que o preço de prevenir é melhor do que o de reprimir” (MÜLLER, 1980, p.136).

do Estado e pela prestação de serviços irregulares e insuficientes, embora agricultores e industriais sempre tivessem dependido diretamente deste transporte.

Durante quase 30 anos (de 1916 a 1946), a Companhia de Navegação Fluvial Sul Paulista foi responsável pela navegação, não só na parte superior do Ribeira (e seus afluentes) como também em importantes afluentes do baixo Ribeira – e portanto, município de Iguape – correspondendo aos rios Peroupava e Una da Aldeia (ALMEIDA, 1945, p.96). Porém, desde 1930, a Companhia Fluvial apresentou fortes sinais de crise, cuja origem ia desde a falta de competência administrativa, até problemas financeiros, dificuldades na manutenção das embarcações e falta de outros vapores para substituição. Em 1945, o serviço de navegação estava completamente desorganizado e a referida companhia não tinha mais condições de operar de modo a cumprir contrato celebrado com o Estado. Isto “provocou o mais justificado clamor, principalmente entre as classes produtoras” (ALMEIDA, 1945, p.102) – as quais compunham-se desde fazendeiros, empresários, comerciantes e pequenos produtores, mas sobretudo os primeiros é que eram diretamente afetados em seus negócios.

Em 1946 o governo outorgou a direção dos serviços de transportes fluviais à direção da E. F. Sorocabana e a situação foi temporariamente acalmada. Na década de 60, entretanto, a via fluvial de transporte mostrava-se outra vez abandonada e capenga – nesta época, ainda circulavam nos rios Peroupava, Una da Aldeia e outros, pequenas embarcações, lanchas e canoas, por interesse de moradores e comerciantes locais (cf. PETRONE, 1966, p.326). Não por coincidência, nesta década, a estrutura rodoviária existente nos dias atuais, já estava quase toda estabelecida – na verdade, a ligação da cidade de Iguape com a rodovia BR-116 só foi implantada na década de 70, com a construção da SP-222 (rodovia Casemiro Teixeira).

Esta zona, “que durante alguns séculos contou somente com a via fluvial, com transportes irregulares e morósos, está sendo beneficiada com a definição de uma verdadeira rêde viária [...]”, observou Petrone (1966, p.341), em pleno período das obras. A melhoria na infra-estrutura de transporte acabou com o isolamento geográfico da Baixada e a colocou em condições privilegiadas de localização, estando a poucas horas do mercado consumidor de São Paulo e Curitiba. E,

sobretudo, significou expansão do potencial de circulação de mercadorias, tão necessária para a realização da produção na lógica empresarial. “As conseqüências imediatas são fáceis de compreender. Distâncias reduzidas pelo tempo empregado para vencê-las, mercados conseqüentemente mais próximos, uma garantia maior para o escoamento da produção e possibilidade de incrementar a obtenção [e exportação] de produtos perecíveis” (PETRONE, 1966, p.342).

Esta última observação do autor aponta algo fundamental. Na comparação entre o arroz e a banana, além das diferenças quanto à função de subsistência, quanto à duração da lavoura (sendo a primeira anual e a outra perene), sobressalta a diferença quanto à perecibilidade. A banana, assim como cultivos comerciais igualmente perecíveis como o maracujá, chuchu, goiaba não poderia ter se expandido sem uma estrutura adequada de transporte. Não é à toa que os produtos anteriormente comercializados no município, ou eram secos como o arroz, a farinha, a madeira, ou careciam de ser localmente submetidos a processos de conserva, como ocorria com a manjuba e o palmito.

Mediante melhores condições de circulação de mercadorias e mediante incentivos fiscais e financeiros do governo do Estado, muitos proprietários, entre os quais se destacam os japoneses e migrantes paulistas e paranaenses, se viram dispostos a investir na aquisição de terras e na produção comercial, a qual exigia a compra de mudas e sementes de qualidade, instrumentos, insumos e máquinas agrícolas. Mas, principalmente, exigia grande quantidade de mão-de-obra, à medida que a base técnica do sistema de produção comercial assim requeria. Isso fatalmente se impôs como um fator a articular a agricultura moderna e a tradicional, a qual passou a ceder parte de seu tempo e força de trabalho para cumprir tarefas nas propriedades monocultoras que se instalavam a seu lado.

Conforme observou Petrone (op cit), embora, em seu conjunto, os bananais impressionassem pela continuidade das plantações na paisagem, como ocorria no Peroupava, por exemplo, as propriedades eram relativamente modestas. Contudo, não é unicamente o tamanho da área plantada que caracteriza o sistema de produção da banana. Destacaríamos como suas características fundamentais: o objetivo

estritamente comercial; uso intensivo do solo; aplicação de insumos industriais; comercialização fora do mercado regional.

Para nós, que viemos falando da produção agrícola cabocla, talvez o mais importante seja indicar a transformação que se procede sobre a condição geral da produção agrícola, aqui colocada nas palavras de Müller:

[...] com a extensão do mercado urbano-industrial de capitais para o campo – ou seja, com a urbanização do campo – redefinem-se as articulações entre mercados de consumo, de matérias-primas e de trabalho (1980, p.84).

A pressão desse novo patamar sobre as primitivas formas de organização da produção mostra-se clara: ou tecnificam o processo produtivo ou a penalização social as alijará da concorrência (ibidem, p.84).

Em suma, o conjunto de ações estatais imprimiu uma ordem tal, que a lavoura tradicional, suas técnicas e produtos tornaram-se desqualificados, devendo ser substituídos por lavouras permanentes, manejadas por meio de técnicas mais modernas, e de interesse do mercado.

Sem dúvida, a agricultura cabocla foi impulsionada a ajustar-se, a intensificar-se, muito embora as vias que lhe foram possíveis tenham sido pouco vantajosas. O caboclo não conseguiu se beneficiar plenamente da estrutura de transporte instaurada, assim como dos incentivos econômicos concedidos na década de 70. Os motivos são os mais óbvios. Se o sitiante entra em programa de crédito agrícola, necessariamente, deverá introduzir técnicas mais intensivas para aumentar a sua produção a ponto de poder quitar o empréstimo adquirido. Tal manobra era bastante improvável e temerária para o sitiante, que não tinha conhecimento sobre técnicas intensivas de agricultura e não foi instruído para tal; não tinha capital para investir, tampouco os documentos necessários para aproveitar-se das linhas de crédito.

Possivelmente muito sitiante sequer ficou sabendo se algum programa creditício cabia ao seu proveito... possivelmente tinha – porque ainda tem – medo dos empréstimos bancários e temor de suas burocracias incompreensíveis, enfim, foram muitas as suas contrariedades, as quais ainda merecerão comentários neste capítulo.

Importa agora notar que o Estado não se preocupou com esta realidade social do município; com a possibilidade de desenvolvê-la desde sua base98. Sua intervenção

foi, em certo sentido, autoritária – autoritária, como a natureza do seu regime de governo.

Documentos relacionados