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3. O PAPEL DO SENADO FEDERAL NO CONTROLE DE

3.3. Competência discricionária e competência vinculada

Sendo, como à verdade é, a resolução do Senado ato revogatório, manifestação de sua função legislatória (negativa), não pode ela ser vinculada. Não se pode obrigar o Senado a legislar (positiva ou negativamente), pois tal importaria afronta à liberdade pessoal dos integrantes daquela Alta Casa, atento que se cuida, in casu, de obligatio faciendi (cujo cumprimento manu militari não pode nem mesmo ser exigido de particulares, quanto mais de indivíduos investidos de elevada função legislativa, revestidos, por isso mesmo, de imunidade parlamentar). Implicaria, portanto, ofensa à independência do Poder Legislativo o fato de um Poder (Judiciário) ordenar que outro cumpra atividade originária, típica sua, de natureza incontendivelmente discricionária, sujeita tão-somente à conformidade com a Constituição, de quem recebe o dito Poder Constituído a autorização do Poder Constituinte para legiferar.

Entanto, não pode o Senado adentrar no exame do mérito da decisão do STF, por força do princípio da separação dos Poderes (funções). Já no que faz à regularidade formal da decisão do STF (e.g.: quorum), o Senado tem a faculdade de apreciá-la, pois não há malferição ao sobredito princípio constitucional. Demais, como se cura de pressuposto de validade da resolução senatorial, dispõe o Senado do direito de indigitar as nulidades absolutas do julgado (assim como qualquer jurisdicionado), até mesmo para que não seja postulada judicialmente no STF a nulidade da própria resolução, contaminada pela nulidade absoluta do decisum.

Por outro lado, não há nenhuma lei específica (CF-88, art. 5o, II) que o adscreva a editar a resolução. Se não há lei, não pode haver (como de fato não há)

190 Este é um argumento ad hominem, porquanto visa a demonstrar que segundo a jurisprudência do próprio STF (que lhe reconhece o papel de “legislador negativo”), não teria sentido negar natureza legislativa à resolução senatorial. No entanto, como já salientado, não concordamos com a idéia de que o STF desempenhe no sistema brasileiro de controle abstrato de constitucionalidade o papel de “legislador negativo”, pois é um órgão judicial no exercício de atividade jurisdicional, proferindo decisões de natureza judicial sobre a validade e a nulidade de normas, e não sobre a sua eficácia (revogação). O STF não revoga normas inconstitucionais: declara-as absolutamente nulas.

sanção alguma ao “descumprimento” ou retardo do Senado em exercitar sua excepcional competência legislatória negativa.

Sua pretendida “obrigação” também não pode advir da coisa julgada produzida pela decisão definitiva do STF, por isso que, tratando-se de controle concreto, o Senado não pode ser prejudicado por essa decisão (salvo se for parte a União Federal), pois não era (nem poderia ser...) parte naquela actio, não sendo, pois, envolto pela autoridade da coisa julgada, que, in casu, só poderia ser inter partes191. Em qualquer caso (ainda que seja parte a União), porém, não poderá o Senado ser prejudicado pelo acórdão do STF, pois este jamais poderá, sob pena de nulidade absoluta, determinar ao Senado que expeça a resolução sem estear-se numa lei que o constranja a tal, lei esta que teria de contar com a aprovação do Senado.

Milita ainda a prol da discricionariedade absoluta do Senado quanto à edição ou não da resolução uma relevante razão de conveniência. Ao Senado não se pode negar o direito de aguardar a reiteração da jurisprudência do STF em torno à matéria, sabido como é que não poucas vezes o STF modificou entendimentos anteriores, até mesmo já cristalizados em súmulas. Não se pode negar ao Senado o livre julgamento da conveniência e oportunidade da medida revogatória; do contrário, supérflua seria a sua atuação. Converter-se-ia, na contundente expressão do preeminente Min. ALIOMAR BALEEIRO, em simples “porteiro dos auditórios para solenizar a decisão

do Supremo Tribunal Federal”192. A ser assim, melhor fora que a Constituição houvesse

191 Não se olvide ainda que no controle incidental a declaração de inconstitucionalidade só faz coisa

julgada (inter partes) se a parte o requerer por meio de ação declaratória incidental (CPC, art. 325), o que mui raro se faz.

Não se deslembre, por igual, de que não há unanimidade entre os doutrinadores acerca da possibilidade de ajuizamento de ação declaratória incidental (ADI) para resolver a questão prejudicial de inconstitucionalidade. BARBOSA MOREIRA (O novo processo civil brasileiro. 21a ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2001, p. 180), v.g., não a admite, alegando que a ADI só pode versar sobre a declaração de existência ou inexistência de relação jurídica, consoante o art. 5o do CPC. No entretanto, estúltimo

argumento afigura-se-nos, concessa maxima venia, improcedente, uma vez que declarar (ao resolver quæstio præiudicialis ou quæstio principalis em ação direta) a inconstitucionalidade de uma norma é declarar a existência ou a inexistência de uma RELAÇÃO JURÍDICA de compatibilidade ou de incompatibilidade. A relação de constitucionalidade é uma relação jurídica de compatibilidade, enquanto a relação de inconstitucionalidade é uma relação jurídica de incompatibilidade entre uma norma (ou seu processo de elaboração) e a Constituição (= parâmetro de comparação).

No que toca aos demais pressupostos processuais e condições da ação (interesse de agir, legitimidade, possibilidade jurídica do pedido) declaratória incidental, poder-se-ia argumentar ainda que ela poderia visar a declarar a existência ou inexistência de qualquer relação jurídica OBRIGACIONAL válida decorrente da norma alegadamente inconstitucional ou constitucional. Tal declaração surtiria o mesmo

efeito prático da declaração incidental (em ADI) da existência ou inexistência de relação jurídica de

(in)constitucionalidade da própria norma. Ou seja: em outro processo, já não poderiam as mesmas partes discutir se a norma era constitucional ou inconstitucional para o fim de dela extrair qualquer direito, pois isso (existência ou não de tais direitos) já fora decidido com eficácia de res iudicata.

estabelecido que as declarações de inconstitucionalidade no controle incidental efeituadas pelo STF fariam, qual se admite façam no controle concentrado, coisa julgada erga omnes (o que, aliás, não deixaria de ser de má técnica). Mas não o fez, e nisso se houve bem.