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1. A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO E A JURISDIÇÃO

1.6. Similitudes e dissimilitudes entre o controle abstrato e o concreto

1.6.1. Normas passíveis de controle abstrato de constitucionalidade

Enquanto no controle difuso são sindicáveis todas as espécies normativas (exceto as normas constitucionais originárias e as normas regimentais internas do Poder Legislativo), no controle abstrato apenas algumas espécies normativas

civis públicas terem adotado, como causa de pedir, a inconstitucionalidade de decreto também impugnado em ação direta pendente de julgamento nesta Corte -, determinou a suspensão, com efeitos ex nunc, das mencionadas ações civis públicas, ficando mantida, assim, a eficácia das tutelas nelas deferidas, pelas quais se determinou a interrupção do funcionamento de bingos no Estado do Rio de Janeiro. Ressaltou-se, no ponto, que a suspensão das ações decorre não da sustentada usurpação da competência, mas sim do objetivo de coibir eventual trânsito em julgado nas referidas ações, com o conseqüente esvaziamento da decisão a ser proferida nos autos da ação direta. O Tribunal, reconhecendo, portanto, a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento de fiscalização incidental de constitucionalidade pela via difusa, afastou a alegada usurpação da competência do STF, uma vez que, no caso concreto, a controvérsia posta nas ações civis públicas, acerca da inconstitucionalidade de decreto do Estado do

Rio de Janeiro, não constitui objeto único do pedido, mas causa de pedir, caracterizando-se como questão prejudicial à resolução do litígio principal. Salientou-se, ainda, o fato de que o pedido de

suspensão de funcionamento dos bingos formulado nas ações civis públicas, consubstancia pedido de efeitos concretos, insusceptível de ser obtido em sede de ação direta. Vencido o Min. Marco Aurélio,

relator, que referendava o ato pelo qual suspendera o curso dos processos mencionados, bem como os efeitos das liminares ali concedidas.” (Rcl no 2460 MC/RJ. Rel.: Min. MARCO AURÉLIO, 10.3.2004.

Informativo no 339.) O acórdão ficou com a seguinte ementa: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA VERSUS AÇÃO

DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - RECLAMAÇÃO - LIMINAR. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual continuo guardando reservas, não surge relevante a articulação em torno da usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, a partir da premissa de o acolhimento do pedido formulado em ação civil pública pressupor, necessariamente e em primeiro lugar, a conclusão sobre o conflito de certo ato normativo abstrato com a Constituição Federal.” (DJU: 06.08.2004.)

89 Em princípio, admitido que o STF pode conhecer de questão constitucional prejudicial nos processos

de controle abstrato (ADIn e ADC), poder-se-ia cogitar da possibilidade de ajuizamento de ação declaratória incidental (ADI) no bojo de uma ADIn ou ADC a fim de que a decisão sobre a prejudicial de inconstitucionalidade fizesse coisa julgada erga omnes, dispensando assim o ajuizamento de nova ADIn ou ADC sobre a norma para obter essa eficácia de coisa julgada erga omnes, com evidente economia processual. Obviamente, a aplicação subsidiária dos dispositivos do CPC que regem a ação declaratória incidental (ADI) não prescindiria de restrições e adaptações necessárias. Com efeito, se admitida essa possibilidade, não poderia o STF conhecer de ADI em que se pede a declaração de (in)constitucionalidade de norma que não pudesse ser objeto da respectiva ação direta (ADIn ou ADC) em cujo seio fosse proposta a ADI, sob pena de indevido alargamento, por via oblíqua, do objeto do controle abstrato de constitucionalidade delineado na CF-88, nem de ADI proposta por autoridade ou ente que não seja legitimado ativo para propor a respectiva ADIn ou ADC, sob pena de indevida ampliação, por via oblíqua, do rol de legitimados ativos do controle abstrato de constitucionalidade. Ou seja: seria indispensável que o autor da ADI pudesse ajuizar ADIn ou ADC com conteúdo idêntico ao da ADI proposta no bojo da respectiva ADIn ou ADC.

são sindicáveis: mediante ADIn, as leis e atos normativos federais e estaduais, e, por meio de ADC, as leis e atos normativos federais (art. 102, I, a, da CF-88).

Quanto aos projetos de normas, não admite o STF, em hipótese alguma, o exercício de controle abstrato sobre eles, mas admite o exercício de controle difuso a seu respeito. Assim, o STF tem reiteradamente concedido segurança para evitar que parlamentares sejam obrigados a participar da elaboração de projetos de lei com vícios de inconstitucionalidade na sua tramitação, sustentando que os parlamentares têm o direito subjetivo público (líquido e certo) de não participarem da elaboração desses projetos viciados por inconstitucionalidade formal90.

Todavia, não tem conhecido de mandados de segurança em que se alega a existência de ofensa aos dispositivos regimentais do Senado ou da Câmara, por considerá-los atos interna corporis91, “imunes à crítica judiciária”. Nesse caso, se houver inconstitucionalidade, será ela meramente reflexa.

O STF também não tem conhecido de mandados de segurança impetrados por terceiros, alheios ao processo de elaboração da norma, por entender que só os parlamentares têm legitimidade para impetrar o mandamus92, porquanto não há direito subjetivo público dos potenciais futuros destinatários da norma (ainda inexistente) amparável por mandado de segurança93.

Por fim, insta exarar que o STF tem considerado que a conversão do projeto de lei ou emenda constitucional, argüido de inconstitucional pelo parlamentar por vício na sua tramitação, em lei ou emenda constitucional, torna prejudicado o julgamento do mandado de segurança por superveniente ilegitimidade ativa do

90 “O processo de formação das leis ou de elaboração de emendas à Constituição revela-se suscetível de

controle incidental ou difuso pelo Poder Judiciário, sempre que, havendo possibilidade de lesão à ordem jurídico-constitucional, a impugnação vier a ser suscitada por membro do próprio Congresso Nacional, pois, nesse domínio, somente ao parlamentar - que dispõe do direito público subjetivo à correta observância das cláusulas que compõem o devido processo legislativo - assiste legitimidade ativa 'ad causam' para provocar a fiscalização jurisdicional. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de recusar, a terceiros que não ostentem a condição de parlamentar, qualquer legitimidade que lhes atribua a prerrogativa de questionar, 'incidenter tantum', em sede mandamental, a validade jurídico-constitucional de proposta de emenda à Constituição, ainda em tramitação no Congresso Nacional” (MS no 24645. Rel.: Min. CELSO DE MELLO. Informativo do STF no 320, “transcrições”.) 91 “CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATOS DO PODER LEGISLATIVO:

CONTROLE JUDICIAL. ATO INTERNA CORPORIS: MATÉRIA REGIMENTAL. I. - Se a controvérsia é puramente regimental, resultante de interpretação de normas regimentais, trata-se de ato interna corporis, imune ao controle judicial, mesmo porque não há alegação de ofensa a direito subjetivo. II. - Mandado de Segurança não conhecido.” (MS 24356. Rel.: Min. CARLOS VELLOSO. Pleno. DJU: 12.09.2003, p. 29.)

92 RTJ 136/25-26, Rel. Min. CELSO DE MELLO.

93 Entendendo que o reconhecimento de legitimidade ativa a terceiros transmudaria o mandado de

parlamentar, sob pena de inadmissível transformação do mandado de segurança (preventivo) em ação direta de inconstitucionalidade94 (ADIn), pois estar-se-ia a discutir a validade em tese de lei ou emenda constitucional já existente.