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D. Da possibilidade de aditamento do pedido

4.2. O denominado “efeito repristinatório” e o efeito vinculante

4.2.1. O “efeito repristinatório” injusto ou indesejado

Observou-se, há pouco, que a decisão do STF em ADIn ou ADC declaratória da inconstitucionalidade de uma norma simplesmente restaura a presunção relativa de vigência e, portanto, de constitucionalidade de que a legislação pretérita dispunha até a data da suposta revogação desta por aquela, sem reforçá-la, nem enfraquecê-la.

forma após a decisão do STF sobre a norma posterior. O que a decisão do STF impede é que se considere inconstitucional ou desprovida de vigência por conta da legislação posterior, por ele declarada inconstitucional.

300 Salvo, obviamente, se a decisão do STF abranja expressamente a norma anterior, por meio de cumulação de pedidos, como se verá adiante.

301 Não há, portanto, nenhuma solução de continuidade na vigência (aplicabilidade) da legislação anterior

à entrada em vigor da norma inconstitucional: aquela permanece vigente (aplicável) a despeito da entrada em vigor destúltima, porque insuscetível de ser revogada por uma norma inconstitucional e, portanto, nula ab origine.

Situações há em que essa restauração da presunção relativa de vigência e de constitucionalidade da legislação pretérita não é desejável, porquanto manteria ou até agravaria o estado de inconstitucionalidade gerado pela norma inconstitucional posterior, de sorte que, em termos concretos, a decisão do STF não se revestiria de utilidade prática. Em casos que tais, diz-se que a decisão do STF produziria um “efeito repristinatório” injusto ou indesejado, que deve ser obviado a fim de que a decisão possa ser útil e assim eliminar ou, quando menos, reduzir o estado de inconstitucionalidade existente.

A nosso ver, não há necessidade de que seja o mesmo vício de inconstitucionalidade a inquinar a norma atual e a anterior. Assim, mesmo que o vício de inconstitucionalidade seja diverso (v.g., inconstitucionalidade formal da norma atual e inconstitucionalidade material da norma anterior), pode configurar-se o “efeito repristinatório” indesejado.

4.2.1.1. Da necessidade de cumulação de pedidos e seus inconvenientes

Para o STF, o meio mais adequado de obstar à assurgência de um “efeito repristinatório” injusto ou indesejado é exigir do legitimado ativo que formule pedido cumulativo de declaração de inconstitucionalidade da norma que seria “repristinada” pela decisão do STF (rectius, da norma que voltaria a usufruir da presunção relativa de vigência e de constitucionalidade). Sem esse pedido cumulativo expresso, a ação seria incognoscível, devendo ser extinta sem resolução de seu mérito.

Malgrado não seja tecnicamente incorreta, essa postura jurisprudencial pode conduzir a certas perplexidades diante da própria jurisprudência do STF.

Sobreleva consignar que a exigência do pedido cumulativo dissona da jurisprudência atualmente consolidada no STF sobre a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade por arrastamento mesmo sem pedido expresso. Com efeito, não há razão particular que justifique tratamento diferenciado entre a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento de normas que não se sucedem no tempo e a declaração de inconstitucionalidade de normas que se sucedem no tempo (que não poderia ocorrer por arrastamento, de ofício, mas apenas mediante pedido expresso do legitimado ativo).

Esse tema, ainda carecente de maior aprofundamento, suscita muitas questões interessantes, como a de saber se é possível a declaração de inconstitucionalidade sem a formulação de pedido cumulado em relação à norma pretérita quando esta apresenta vício de inconstitucionalidade menos grave do que o da norma posterior impugnada, de maneira que não se eliminaria, mas, pelo menos, se reduziria o estado de inconstitucionalidade gerado pela aplicabilidade da norma posterior.

Quer-nos parecer que é cabível ADIn nessa hipótese, desde que a norma “repristinada”302 fosse também menos gravosa à Constituição do que a sua

antecessora ou do que um estado de anomia (vácuo normativo), porquanto não se poderia afirmar que nessa hipótese faltaria interesse processual objetivo, visto que a declaração de inconstitucionalidade amenizaria o estado de inconstitucionalidade, satisfazendo-se assim o requisito da utilidade prática.

Assim, v.g., se há três normas, A, B e C, que se sucedem no tempo e que se revogam nessa mesma seqüência, sendo B a menos gravosa à Constituição, seria cabível ADIn contra a norma C sem pedido cumulado contra a norma B, porque, se houvesse esse pedido, seria “repristinada” a norma A, que é mais ofensiva à Constituição do que a norma B. Sem esse pedido cumulado contra a norma B, esta é que seria “repristinada”, atenuando-se dessa forma o estado de inconstitucionalidade. O mesmo se diga do estado de anomia: inexistindo a norma A, e sendo a situação de vácuo normativo mais gravosa à Constituição do que a aplicabilidade da norma B ou da norma C, cabível seria a ADIn apenas contra a norma C.

Aliás, o próprio art. 11, § 2o, da Lei no 9.868-99 abre exceção ao “efeito repristinatório”, ao prever a possibilidade de o STF dispor de forma diversa, com tal condição que o faça de modo expresso (“a concessão de medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário”). Essa parece ser uma das hipóteses de legítima aplicação dessa ressalva.

Por outro lado, quando entre as normas inconstitucionais contrastantes houver a intermediação cronológica da Constituição-parâmetro, isto é, caso a norma anterior seja pré-constitucional e a norma posterior seja pós-

302 Referimo-nos doravante à norma “repristinada” apenas para fins de simplificação frasal, brevitatis causa, insistindo, todavia, em que não há verdadeira repristinação em tais casos, mas mera restituição da presunção de vigência e, portanto, de constitucionalidade da norma pretérita, motivo pelo qual, nesses casos, usaremos o termo “repristinar” sempre entre aspas.

constitucional303, não haverá necessidade de formulação de pedido cumulativo de declaração de inconstitucionalidade da norma anterior (pré-constitucional): é que esta, em tal situação específica, terá sido revogada pela Constituição-parâmetro304, não sendo possível a sua “repristinação”305 pela declaração de inconstitucionalidade da norma posterior (pós-constitucional). Assim, nessa hipótese, a norma anterior (pré- constitucional) não seria “repristinada” porque não teria perdido a sua vigência por causa da norma inconstitucional posterior (pós-constitucional), mas sim por virtude da própria Constituição-parâmetro que se interpôs temporalmente entre ambas.

Dessarte, se não é possível a “repristinação” da norma pré- constitucional nessa situação, não há por que exigir do autor da ação que deduza pedido cumulativo de declaração de inconstitucionalidade dessa norma para evitar sua “repristinação”. Portanto, nesses casos, não há necessidade de o STF proferir decisão sobre a (in)constitucionalidade da norma que seria “repristinada”, nem sobre a aplicabilidade ou não desta norma306.

Contudo, se a inconstitucionalidade da norma pré-constitucional for meramente formal, em face da Constituição-parâmetro interposta, faz-se necessária a formulação do pedido cumulativo de declaração de inconstitucionalidade dessa norma,

303 Esclarecendo ainda mais a situação posta acima: entrou em vigor a norma A; em seguida, foi editada a

Constituição-parâmetro; depois, entrou em vigor a norma B. Assim, cronologicamente, a Constituição- parâmetro está interposta entre a norma A (que é por isso pré-constitucional) e a norma B (que, por isso, é pós-constitucional). No exemplo, tanto a norma A, como a norma B são inconstitucionais: a norma A padece de inconstitucionalidade superveniente (a partir da entrada em vigor da Constituição-parâmetro contrária a ela) e a norma B de inconstitucionalidade originária. Apesar de contrastantes entre si, a norma B não revogou a norma A, pois a própria Constituição-parâmetro já a havia revogado antes mesmo que a norma B tivesse entrado em vigor. Assim, a declaração da inconstitucionalidade da norma B não surte nenhum “efeito repristinatório” em relação à norma A, não a faz recuperar a sua presunção de vigência e de constitucionalidade.

304 Seja à luz da teoria da revogação pura e simples perfilhada pelo STF, seja à luz da teoria da revogação por inconstitucionalidade defendida neste trabalho.

305 Rectius, a recuperação de sua presunção de vigência e de constitucionalidade.

306 No mesmo sentido: “Ocorre, porém, que as limitações decorrentes da opção pela tese da simples

revogação (critério cronológico) impedem que a declaração de inconstitucionalidade abranja normas editadas sob Constituições anteriores. Mas nem por isso deve deixar o STF de julgar o mérito de determinadas ações diretas de inconstitucionalidade sob o argumento de que a procedência do pedido poderia implicar a revigoração da legislação pré-constitucional também incompatível com a Constituição vigente. Ora, filiando-se o STF à teoria da existência de mero conflito cronológico, a superveniência da nova Constituição acarreta a imediata revogação dos diplomas contrastantes. Destarte,

entre a lei posterior a e legislação pré-constitucional há a intermediação revocatória da Constituição. Daí por que não há razão para se temer um efeito revigorador maléfico, pois remanesce, em tese, fundamento eficiente para que isso não ocorra. A solução para essa hipótese seria

a simples abstenção da análise da validade da norma infraconstitucional precedente, remetendo a discussão ao controle difuso ––– o que seria feito, de todo modo, se não conhecida a ação direta –––, ou ainda estudar se é caso de recusa ao revigoramento da legislação pretérita com base no mencionado

art. 27 da Lei 9.868/99.” (BERNARDES, Juliano Taveira. Efeitos das normas constitucionais..., p. 46.)

porque, como visto no item 1.2., a inconstitucionalidade formal superveniente não gera nulidade, nem revogação da norma, não impedindo de modo algum a sua recepção (que pode ocorrer até com eventual acréscimo de status normativo), visto ser juridicamente irrelevante para tal fim307. Assim, se a norma pré-constitucional contrariar apenas a forma prevista para sua edição na Constituição-parâmetro superveniente, esta norma não será revogada pela Constituição superveniente, mas sim recepcionada com a eficácia que esta nova Constituição reservar a tal tipo de norma, razão pela qual poderá ser “repristinada” pela declaração de inconstitucionalidade da norma pós-constitucional, devendo, portanto, ser requerida também a declaração de inconstitucionalidade da norma pré-constitucional para evitar essa “repristinação” indesejada.

Semelhantemente, se a norma pré-constitucional só se tornar inconstitucional após o advento da Constituição-parâmetro interposta, por um processo de mutação informal da Constituição, também deverá ser formulado pedido cumulativo de declaração de inconstitucionalidade da norma pré-constitucional, porque nessa situação igualmente não haverá revogação desta pela Constituição-parâmetro, mas sim inconstitucionalidade superveniente, haja vista que a mutação informal da Constituição não é causa de revogação das normas com ela contrastantes, senão que de mera nulidade decorrente da inconstitucionalidade superveniente, consoante já se expôs no item 2.4.3.4. Dessarte, não tendo havido revogação da norma pré-constitucional, esta poderia recuperar a sua presunção de vigência e de constitucionalidade se não se deduzisse o pedido cumulativo de declaração de sua inconstitucionalidade308.