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D. Da possibilidade de aditamento do pedido

4.1.7. Limites objetivos e subjetivos do efeito vinculante

4.1.7.2.2. Inexistência de vinculação do Poder Legislativo

Assim como o STF, o Poder Legislativo, no exercício da sua atividade típica289, não se submete ao efeito vinculante das decisões do STF em ADIn e ADC, nem ao efeito vinculante adveniente da súmula vinculante290. Dessa forma, o

288 A PEC no 130-1992, apresentada pelo Deputado ROBERTO CAMPOS, continha redação igualmente

abrangente, mas o texto efetivamente convertido na EC no 3-93 abriu a exceção em favor do STF.

289 Conquanto a CF-88 haja simplesmente excluído o Poder Legislativo do rol de sujeitos alcançados pelo

efeito vinculante, quer-nos parecer que tal exclusão teve em mira a garantia da liberdade do exercício da atividade legiferante, de modo que no exercício de funções atípicas (administrativas ou jurisdicionais), o Poder Legislativo submete-se normalmente ao efeito vinculante das decisões do STF em ADIn e ADC e à orientação consubstanciada em súmula vinculante. Da mesma forma, prefigura-se-nos que o STF, igualmente excluído do rol de sujeitos atingidos pelo efeito vinculante, só é imune ao efeito vinculante das próprias decisões em ADIn e ADC quando no exercício de sua função jurisdicional, e não no exercício de suas funções atípicas (administrativa e legiferante), uma vez que essa insubmissão ao efeito vinculante não parece decorrer da sua preeminência como órgão do Poder Judiciário, nem do fato de produzir a decisão que surte efeito vinculante, mas sim do intuito de garantir mais amplamente sua liberdade e independência no exercício da função jurisdicional, até mesmo como fator de oxigenação e adaptação da jurisprudência às novas realidades. Até porque não faria sentido algum que o STF pudesse livremente aplicar administrativamente interpretação contrastante com a orientação dessumível das decisões judiciais dele mesmo, sem que tenha havido prévia mudança jurisprudencial.

290 É o que se infere claramente da dicção dos arts. 102, § 2o, e 103-A da CF-88, que, num silêncio eloqüente, não inseriram o Poder Legislativo na enumeração dos sujeitos ao efeito vinculante: “Art. 102.

Congresso Nacional, a Câmara Legislativa Distrital, as Assembléias Legislativas e as Câmaras de Vereadores podem editar leis e atos normativos de conteúdo contrário ao de uma decisão do STF em ADIn e ADC dotada de efeito vinculante ou de uma súmula vinculante. Nada obsta a que reiterem, em lei ou em ato normativo formalmente diverso, disposição com idêntico conteúdo ao de lei ou de ato normativo declarado inconstitucional pelo STF em ADIn e ADC ou com conteúdo inteiramente contraposto ao teor literal de súmula vinculante291.

Obviamente, a norma reiterativa, se portadora do mesmo vício de inconstitucionalidade292, sujeitar-se-á, tal como a norma predecessora, à declaração judicial de inconstitucionalidade pelo STF ou por qualquer juízo, bem como à não- observância por parte da Administração Pública, jungida como está ao efeito vinculante.

Demais, o fato de o efeito vinculante não atingir os particulares não significa que estes não possam sofrer as conseqüências do efeito vinculante. É que, embora não haja um vinculum iuris a sujeitar diretamente os particulares ao efeito vinculante das decisões do STF em ADIn e ADC, ficando estes inteiramente livres para tomar decisões privadas (como, e.g., celebrar contratos) contrárias à orientação dimanada do STF, estas mesmas decisões poderão ser declaradas nulas, judicial ou

de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.” (Redação dada pela EC no 45-2004.) “Art.

103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços

dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.” (Incluído pela EC no 45-

2004.) Por sua vez, a Lei no 11.417-2006, reconhecendo a insubmissão do Poder Legislativo, no exercício

de sua atividade legiferante, à súmula vinculante, dispôs: “Art. 5o. Revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso.”

291 Embora a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE) a admita, o STF tem

sistematicamente entendido que não há uma proibição de reiteração oponível ao Poder Legislativo, haja vista a inequívoca opção constitucional expressa nos arts. 102, § 2o, e 103-A da CF-88. Assim, no direito

alemão, à diferença do que ocorre no direito brasileiro, o efeito vinculante atinge também o Poder Legislativo, gerando, além da proibição de reiteração (que se traduz numa obrigação negativa, isto é, um non facere), o dever de adequação da legislação à orientação oriunda do Tribunal Constitucional (que configura uma obrigação positiva, de fazer, isto é, um facere). Portanto, se o Tribunal Constitucional germânico declara a inconstitucionalidade da Lei A do Estado B, o Poder Legislativo do Estado C da Federação alemã fica obrigado a revogar ou modificar a Lei D por ele editada que tenha conteúdo

idêntico ou análogo ao da Lei A promulgada pelo Estado B da Federação, em ordem a adequar sua

legislação à orientação fixada, com efeito vinculante, pelo Tribunal. Cfr. MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade..., pp. 341-342.

292 Pode suceder que a norma reiterativa não seja eivada da mesma mácula de inconstitucionalidade.

Exemplo: a norma X foi declarada inconstitucional pelo STF em ADIn. A norma Y, de idêntico conteúdo, é promulgada após a edição de uma emenda constitucional que a legitima. Nesse caso, a norma Y, malgrado reitere integralmente o conteúdo da norma anterior, é perfeitamente constitucional, não sendo atingida pelo efeito vinculante da decisão do STF sobre a norma X.

administrativamente, porque os órgãos judiciais e administrativos estão obrigados, nas respectivas decisões, a observar o efeito vinculante da decisão do STF.

Destarte, pelo prisma pragmático, a limitação subjetiva do efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública, com a conseqüente exclusão do STF, do Poder Legislativo e dos particulares, não debilita de modo significativo o efeito vinculante da decisão de (in)constitucionalidade do STF em ADIn e ADC, já que, ao inverter a presunção de constitucionalidade e propiciar a declaração de inconstitucionalidade pela própria Administração Pública293 da norma idêntica ou análoga, a decisão vinculante do STF enfraquece sobremaneira a possibilidade de sobrevivência de tais normas idênticas ou assemelhadas. Tais normas revestem-se de eficácia similar à das normas que veiculam “obrigações naturais”, porque, se não cumpridas espontaneamente, não podem ser exigidas judicial ou administrativamente.

293 Por “Administração Pública” deve-se entender, repise-se, não apenas o Poder Executivo no exercício

da sua atividade típica (administrativa), mas também o Poder Legislativo e o Judiciário no exercício de suas atividades administrativas atípicas. Onde houver exercício da função administrativa, deverá haver obediência ao efeito vinculante. Em verdade, o art. 102, § 2o, da CF-88, na redação anterior, dada pela EC

no 3-93, referia-se ao “Poder Executivo”, ao passo que, em sua novel redação, emprestada pela EC no 45-

2004, o preceptivo constitucional estendeu o efeito vinculante “à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”, empregando inclusive a expressão “administração pública” com iniciais minúsculas, mais adequada, segundo muitos doutrinadores, para exprimir a própria atividade administrativa, em lugar dos órgãos exercentes dessa atividade administrativa (quando a expressão é mais apropriadamente grafada com iniciais maiúsculas). De qualquer sorte, mesmo a “Administração Pública” (com maiúsculas), isto é, como conjunto dos órgãos, pessoas jurídicas e agentes incumbidos do exercício da função administrativa, não se confunde com o poder Executivo. “A Administração Pública” ––– di-lo JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO ––– “sob o ângulo subjetivo, não deve ser confundida com qualquer dos Poderes estruturais do Estado, sobretudo o Poder Executivo, ao qual se atribui usualmente a função administrativa. Para a perfeita noção de sua extensão é necessário pôr em relevo a função

administrativa em si, e não o Poder em que ela é exercida. Embora seja o Poder Executivo o

administrador por excelência, nos Poderes Legislativo e Judiciário há numerosas tarefas que constituem atividade administrativa, como é o caso, por exemplo, das que se referem à organização interna dos seus serviços e dos seus servidores. Desse modo, todos os órgãos e agentes que, em qualquer desses Poderes, estejam exercendo função administrativa, serão integrantes da Administração Pública.” (Manual de direito administrativo. 15a ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 10.) Aliás, alguns administrativistas

(JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO eSÉRGIO DE ANDRÉA FERREIRA, dentre outros) admitem até mesmo a existência de entidades da administração indireta vinculadas aos Poderes Legislativo e Judiciário e desvinculadas do Poder Executivo: “Sempre que se faz referência à Administração Indireta do Estado, a idéia de vinculação das entidades traz à tona, como órgão controlador, o Poder Executivo. Entretanto, o art. 37 da Constituição alude à administração direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Assim dizendo, poder-se-ia admitir a existência de entidades de administração indireta vinculadas também às estruturas dos Poderes Legislativo e Judiciário, embora o fato não seja comum, por ser o Executivo o Poder incumbido basicamente da administração do Estado.” (CARVALHO FILHO,José dos Santos. Manual..., p. 377.) (Grifos do original.)

O mesmo se diga das normas reiterativas contravenientes ao disposto nas súmulas vinculantes, salvo se tais normas tiverem o poder de alterar a orientação consagrada na súmula vinculante no que diz com elas294.