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2. CONSEQÜÊNCIAS DA INCONSTITUCIONALIDADE E DE SUA

2.4. A questão do controle abstrato da legislação pré-constitucional

2.4.3. Crítica à posição do STF

2.4.3.2. Inconstitucionalidade sem nulidade

Quando ocorre inconstitucionalidade superveniente de uma norma pela entrada em vigor de (1) uma nova Constituição ou de (2) Emenda Constitucional, hipóteses em que a Constituição, como Lex posterior, revoga a norma anterior, não ocorre em tais circunstâncias a atribuição de nulidade absoluta164 obrigatoriamente levada a efeito pelo ordenamento jurídico nos casos de inconstitucionalidade originária (e de “constitucionalidade superveniente”, como se verá abaixo). Ou seja: a norma eivada de inconstitucionalidade superveniente por conflito com Constituição (Emendas inclusive) ulterior, apesar de inconstitucional, não é nula.

Isso se dá porque o ordenamento jurídico, ao cominar a sanção ao supremo vício de inconstitucionalidade, escolhe, dentre as possíveis, a que melhor preserve a supremacia da Constituição, finalidade mesma do controle de constitucionalidade165. Trata-se de um desdobramento do princípio-mor da supremacia da Constituição. Poderíamos denominá-lo, sem a pretensão de cunhar um princípio novo, de “princípio da máxima preservação da supremacia constitucional”. Ora, a sanção de nulidade absoluta, que opera, de sua natureza mesma, ex tunc, projetando-se no passado, no geral dos casos é sanção mais grave que a de revogação, que, de regra, não retroopera (ex nunc), projetando-se no futuro (pro futuro). Mas hipóteses há em que a revogação é sanção mais grave que a nulidade.

164 Configura assim, uma vez levada a juízo (controle abstrato ou incidental), uma hipótese, perfeitamente

admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro, de declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade, diferente daquela a que se têm referido o Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional alemão) e o principal divulgador de sua jurisprudência no Brasil, GILMAR FERREIRA MENDES, da qual deriva o dever de legislar, inexistente no caso sub examine. (Cfr., do autor: A declaração de nulidade da lei inconstitucional, a interpretação conforme a Constituição e a declaração de constitucionalidade na jurisprudência da Corte Constitucional alemã. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, São Paulo, v. 1. no 4, pp. 8-30, jul./set. 1993. A doutrina constitucional e o controle de constitucionalidade

como garantia da cidadania — necessidade de desenvolvimento de novas técnicas de decisão: possibilidade da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade no direito brasileiro. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, São Paulo, v. 1, no 3, pp. 21-43, abr./jun. 1993. Jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996, pp. 202-220. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990, pp. 165 et passim.)

165 Como bem o disse BURDEAU, “le contrôle est le corollaire de la suprématie de la Constitution”

(Traité..., p. 367). Na mesma esteira, FRANCISCO FERNANDEZ SEGADO: “En el recurso de inconstitucionalidad, el Tribunal Constitucional garantiza la supremacía de la Constitución” El sistema constitucional español. Madrid: Dykinson, 1992, p. 1084.) (Grifos nossos e do autor.) ANDRÉS RIBAS MAURA também não dissona: “La concepción de la Constitución como norma suprema tiene como consecuencia el establecimiento de una serie de garantías o mecanismos de defensa frente a posibles infracciones o agresiones. La existencia de sistemas de control de la constitucionalidad de las leyes es una expresión concreta de estos mecanismos de defensa y su objetivo es garantizar la primacía o superioridad de la Norma constitucional sobre el resto del ordenamiento jurídico.” (La cuestión..., p. 21.) (Grifou-se.)

É o que se passa na espécie. Senão, vejamos. Rezando-se, como se reza, de norma que só se torna inconstitucional no exato instante da entrada em vigor da norma constitucional posterior, sendo, pois, perfeitamente constitucional e, portanto, válida até esse mesmo instante, a sanção de nulidade cominada pelo ordenamento só seria eficaz a partir dessa mesma data. Não haveria situações anteriores a essa data sobre as quais ela pudesse incidir. Nesse particular, a sanção de nulidade eqüivaleria à sanção de revogação. Seriam, neste pouco, isto é, quanto aos efeitos pretéritos, absolutamente eqüipolentes.

Mas a sanção de nulidade permite a preservação de efeitos secundários, reflexos, mediatos que o ato nulo porventura gere entre a data em que incide a sanção levada a cabo pelo ordenamento jurídico e a data em que passa a produzir efeitos o seu reconhecimento judicial. Cura-se mesmo de imposição constitucional (especialmente, art. 5o, XXXVI, da CF-88), como iremos a ver mais ao diante. Já no que concerne à revogação, não há, a partir da data em que a disposição revogatória começa a vigorar, a possibilidade de alegar-se a geração de nenhuns efeitos, mesmo que seu reconhecimento judicial só se dê muito posteriormente. Há apenas o respeito às situações já definitivamente constituídas (direitos adquiridos, ato jurídico perfeito e coisa julgada) até a data em que principia a viger, excluídas, portanto, as situações meramente expectativas (spes iuris).

Dito de outra forma: o ato nulo, tal como há entendido a doutrina mais abalizada166 e tal qual deflui da intelecção da Constituição, nomeadamente, mas não exclusivamente, de seu art. 5o, XXXVI, pode produzir efeitos secundários, reflexos, durante o lapso de tempo que medeia entre a data da incidência da sanção de nulidade e a data de início da produção de efeitos do reconhecimento judicial (= da declaração judicial de nulidade167), o que não sucede com a revogação: o ato revogado (por ter

166 Vide, entre outros, a este propósito: MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro:

Borsoi, 1954, v. IV, § 380, no 1, e § 358, no 1. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 2a ed. São Paulo: Saraiva, p. 59 et seqq.; p. 74-5. PEREIRA, Caio Mário

da Silva. Instituições de direito civil. 8a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, v. I, p. 444-5. BECKER,

Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 2a ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 418.

RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. Trad. da 6a ed. ital. São Paulo: Saraiva, 1971, v. I, p. 269. SANTOS, Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. 6a ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1958, v. III, p. 255.

167 Excepcionalissimamente, o ato nulo pode gerar efeitos jurídicos válidos mesmo após o início a

produção de efeitos da declaração judicial de nulidade absoluta. Exemplos: (a) o art. 1617 do CC/2002

(art. 367 do CC/1916) determina que a filiação paterna ou materna pode resultar de casamento já

declarado nulo por sentença; assim, o filho que nasce após o trânsito em julgado da sentença declaratória de nulidade é reconhecido juridicamente como filho do casal, a despeito de declaração judicial de nulidade do casamento já ter começado a produzir efeitos; (b) o art. 27 da Lei no 9.868-99

perdido totalmente sua aptidão para incidir, sua vigência, sua capacidade de produzir efeitos jurídicos, cessando assim de produzir todo e qualquer efeito a contar da data de incidência do dispositivo revogatório), este sim, não produz nenhum efeito.

Em síntese, na hipótese de inconstitucionalidade superveniente resultante da entrada em vigor de (1) uma nova Constituição ou de (2) uma Emenda Constitucional, a sanção a ser aplicada deve ser a de revogação da norma, e não a de nulidade absoluta, por força do princípio da máxima preservação da supremacia constitucional. Isso porque embora no geral dos casos a sanção de nulidade absoluta seja mais grave que a de revogação, no caso específico da inconstitucionalidade superveniente por alteração formal da Constituição, a revogação constitui sanção mais grave que a de nulidade absoluta, visto que a revogação não admite a permanência de efeitos pretéritos residuais (efeitos reflexos, secundários) como a sanção de nulidade admite no período que vai do início da existência da nulidade até ao seu reconhecimento judicial168. Assim, a norma será inconstitucional, mas não será nula: será revogada por causa dessa mesma inconstitucionalidade (superveniente).