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No caso da capital baiana, o que se constata, portanto, é que o “Novo PDDU de Salvador” não foi elaborado em conformidade com as exigências legais de nosso ordenamento jurídico, e isso traz diversos prejuízos a todos os muní- cipes, desde os riscos com mortes em deslizamentos à perpetuação de um crescimento urbano desordenado e ao esvaziamento da função social da pro- priedade urbana.

Não houve base técnica real, e sem isso não há ordenamento da expansão urbana. Não há efetivo planejamento. Sem base técnica, talvez com pressa por causa da eleição que se aproximava, nossos governantes não foram se- quer capazes de elaborar um PDDU que albergasse o conteúdo mínimo exigi- do pelo Estatuto da Cidade.

A não aplicabilidade dos instrumentos de direito urbanístico sanciona- dores do não cumprimento da função social da propriedade, por sua vez, cor- relaciona-se tanto com a carência dos estudos técnicos, como com a força do capital imobiliário especulativo em Salvador – a quem, via de regra, não interessa que os instrumentos referidos se tornem aplicáveis.

Conclui-se, ainda, que as infringências legais expostas ao longo desse ar- tigo estão todas interligadas: justamente por não dispor de estudos técnicos aptos para tanto, a Prefeitura de Salvador não foi capaz de elaborar o conteú- do mínimo exigido para um Plano Diretor. E fechando o ciclo de vícios insaná- veis, por ter um conteúdo muito aquém do mínimo imposto pelo Estatuto das Cidades, e por não ter sido originado de estudos profundos, amplos e atuali- zados, o “Novo PDDU de Salvador” jamais atenderá ao princípio da eficiên- cia administrativa no que tange a ordenação do desenvolvimento urbano de Salvador. Sendo assim, não haverá eficiência alguma, em virtude da ausência de planejamento, na promoção das funções sociais da capital baiana.

Trazemos, por derradeiro, os ensinamentos de Victor Sales:

O princípio da eficiência, introduzido na Constituição pela EC 19, de 1998, também fundamenta a obrigatoriedade do planejamento

como um processo institucionalizado de ponderação de custos e be- nefícios, sem o qual não há de criar uma presunção de constituição do interesse público. Os estudos preparatórios ao plano, elaborados no âmbito do processo de planejamento, são os únicos documentos aptos a representar uma motivação adequada desse ato jurídico. Vigora no direito urbanístico um princípio da coesão dinâmica de suas normas, que exige uma coerência teleológica entre elas, como condição para que os resultados pretendidos sejam alcançados. Assim sendo, o planejamento deixa de ser uma faculdade para con- verter-se em uma obrigação do Poder Público. Ele não é mais uma mera técnica a ser utilizada ou não pelos governantes, conforme sua conveniência, mas um conjunto de procedimentos vinculantes, cuja observância condiciona a validade dos atos jurídicos. (PINTO, 2011, p. 226)

Esperamos que, em algum momento, nossos governantes tomem ciên- cia de suas obrigações legais, da necessidade de defesa, garantia e promo- ção da função social da propriedade urbana e das funções sociais da cidade. Isso, entretanto, só deve ocorrer se houver mobilização popular contínua, da forma histórica como se fez para inserir o Capítulo da Reforma Urbana na Constituição e para a propositura/aprovação do Estatuto da Cidade.9

As lutas, agora, são primordialmente locais, devendo ser exercidas sobre os Poderes Municipais, para que os gestores de nossas cidades obedeçam a Constituição e o Estatuto da Cidade ao elaborarem um Plano Diretor. O que, como vimos, ainda está longe de ocorrer na primeira capital do país. Com o “Novo PDDU de Salvador”, nossa cidade continua a ser a Velha Salvador desordenada, cheias de transtornos diários para seus habitantes e visitantes, com os princípios da função social da propriedade urbana e da função social da cidade completamente esvaziados.

9 E, cabe frisar, se os governantes, investidos do poder representativo, oriundo de eleições democráticas, não vêm conseguindo fomentar e incentivar uma adequada política de desenvolvimento urbano, que abrangesse não somente interesses econômicos ou políticos específicos, mas também os anseios de toda a coletividade, cumpre à sociedade civil, por meio de grupos organizados ou na individualidade de cada pessoa, fazer valer seus direitos mais básicos, inclusive e, sobretudo, os relativos à garantia de uma melhor qualidade de vida e bem-estar social. (BONIZZATO, 2005, p. 181)

Referências

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