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O “Novo PDDU de Salvador” da gestão de ACM Neto: elaborado e aprovado pela Câmara Legislativa com “base” em mero

simulacro de estudos técnicos – ausência de planejamento

urbano ordenado

Conforme o art. 40, §3o, do Estatuto da Cidade, o Plano Diretor deverá ser revis-

formulação originária de um Plano Diretor exige estudos técnicos, sua revisão também os requer. Sendo assim, para que possa haver a revisão, é necessário o levantamento de dados primários atualizados, com coleta de informações e dados contemporâneos ao procedimento de elaboração da revisão.

Todavia, no caso do “Novo PDDU de Salvador”, houve uma flagrante deficiência no dimensionamento dos poucos estudos básicos produzidos, já que não se levantaram dados primários (utilizaram-se de dados preté- ritos, coletados em pesquisas passadas, voltadas para outros fins) e ainda suprimiu-se por completo a realização de diversos outros estudos técnicos e etapas procedimentais tidos pelos especialistas como imprescindíveis e essenciais para tratar de forma ordenada as temáticas elencadas no art. 2º

do Estatuto das Cidades.

Ao que parece, tudo se deu em nome de uma formulação/aprovação rá- pida do PL, precoce, antes que ocorressem as eleições municipais de 2016. No caso, é possível perceber que o fim perseguido pelo Poder Público, clara- mente, deixou de ser o interesse público. O princípio da eficiência administra- tiva foi rasgado em migalhas; as exigências legais, totalmente desrespeitadas. A Prefeitura contratou a FIP para a produção dos estudos técnicos. Em me- nos de um ano os estudos foram apresentados. O rápido intervalo de tempo já causa desconfiança, afinal, Salvador é a terceira maior capital do país: como estudá-la profunda e amplamente de forma tão rápida?

A FIP, de São Paulo, sequer montou um escritório de trabalho em Salvador para estudar nossa cidade. Nenhuma equipe de campo foi formada para rea- lizar pesquisas in loco, com coleta primária e atualizada de dados. Nenhum, nenhum servidor do corpo técnico urbanístico da Prefeitura acompanhou a realização dos “estudos” pela FIP.

De forma absurda, a FIP se valeu de dados e estudos produzidos em 1999, 2002 e 2004 para elaborar o que chamou de estudos técnicos para o PDDU de Salvador. Ora, Salvador mudou pouco de 1999 para 2015? É possível planejar algo em 2015, com base em dados coletados mais de dez anos antes?

Diante desse cenário, com o futuro da cidade de Salvador sendo claramente descuidado, negligenciado (no mínimo) pela gestão da Prefeitura à época, di- versos urbanistas renomados passaram, desde o início do segundo semestre de 2015 (quando foi publicado o primeiro relatório referente ao diagnóstico e prog- nóstico do Plano Salvador 500, PDDU e LOUOS), a se manifestar sobre a incon- sistência e a incapacidade de os estudos produzidos pela Prefeitura Municipal

servirem de base técnica à formulação de um plano Diretor.6 Denunciavam que

o material disponibilizado pela Prefeitura era mero simulacro da base técnica exigida pela legislação brasileira.

Conforme o “Anexo 5 – Relação de Documentos que Subsidiaram o PDDU” do PL 396/2015, seriam dez os “documentos” utilizados como base técnica para a formulação/elaboração do “Novo PDDU de Salvador”. Segundo diver- sos especialistas renomados, dos dez “documentos”, seis se referem a estu- dos técnicos elaborados entre 1999 e 2002 (produzidos para a formulação do PDDU de 2004!) que não foram sequer atualizados! Outros dois “documentos” (“Salvador Hoje e suas Tendências” e “Salvador do Futuro”) são meros rela- tórios resumidos de avaliações técnicas de aspectos temáticos, opinativos a partir de bibliografia preexistente. Sempre de acordo com o que fora explica- do pelos experts, tais “documentos” não comportaram sistematização de da- dos por unidade espacial de planejamento, nem predefinição de um conjunto de indicadores setoriais realmente representativos, capazes de permitir ava- liações intersetoriais e comparativas – algo imprescindível, do ponto de vista técnico, para a formulação de um Plano Diretor. Pelas vozes dos especialistas, somente o estudo produzido sobre turismo tem consistência suficiente para alicerçar a formulação da política urbana nesta temática.

O professor de Arquitetura da UFBA Heliodório Sampaio alertou, à época do envio do PL à Câmara, que os estudos técnicos realizados não passaram de uma tentativa de diagnóstico inconsistente e superficial. Este acadêmico e profissional de larga experiência no assunto declarou, também, que o cur- to espaço de tempo despendido pela Prefeitura para a elaboração do projeto impossibilitara a efetiva participação popular sobre os cenários possíveis de futuro e “alternativas espaciais” de desenvolvimento, pois, em apenas seis meses, não há como se fazer essas “atividades complexas que exigem conhe- cimento da realidade, e também o uso da massa crítica local, a exemplo de técnicos, centros de pesquisa e universidades”. (Fala do professor da UFBA

6 Registre-se que, quando da publicação dos primeiros (dos poucos) estudos elaborados pela Prefeitura, o Departamento da Bahia do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-BA) enviou uma carta aberta ao Executivo e à Câmara Municipal, na qual consta a seguinte afirmação: O que se observa, porém, na ela- boração do novo PDDU de Salvador e de sua LOUOS são estudos precários, que não refletem a realidade do município e que, portanto, não podem servir de base para um diagnóstico nem para indicações de um Plano Diretor convincente e operativo de desenvolvimento e expansão urbana. Estudos consistentes e de qualidade requerem tempo, maturação.

Heliodório Sampaio, em palestra ministrada na sede do Ministério Público na cidade de Salvador, primeiro semestre de 2016)

Foi diante desse cenário que o Ministério Público, no cumprimento de seu mister constitucional de zelar pela efetiva tutela dos direitos difusos, convi- dou diversos especialistas da área urbanística a palestrarem, de acordo com seus vastos conhecimentos técnicos, sobre o (até então) PL 396/2015. Foram realizadas, nos dias 20 de janeiro de 2016, 16 fevereiro 2016 e 16 de março de 2016 palestras brilhantes sobre o assunto. Expuseram os seus entendimen- tos os professores Ângela Gordilho (ex-Secretária Municipal de Habitação), Ângelo Serpa, Glória Cecília, Luiz R. Moraes, Telma Andrade, Fernando Alcoforado, Juan Moreno, Paulo Ormindo de Azevedo, Armando Branco, Heliodoro Sampaio, Luis Antônio de Souza, Inaiá Carvalho, Gilberto Caroso, Ordep Serra e Débora Nunes, além de urbanistas e membros do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU), CREA, SINDUSCOM e outras en- tidades profissionais.

Diante do que os especialistas apresentaram, tornou-se estreme de dú- vidas, já naquele histórico momento de resistência da sociedade civil orga- nizada defensora da ordem urbanística, que diversos direitos básicos que se atrelam à questão do desenvolvimento urbano de Salvador estavam sob perigo iminente, já que a Câmara Municipal estava deliberando sobre um Projeto de Lei formulado sem a consistência técnica suficiente que um ato desta natureza exige.

Ainda durante a tramitação do PL na Câmara, os urbanistas Luis Antonio de Sousa, Glória Cecília, Carl Hauenschild e Gabriel Galvão Brasileiro, após detalhada análise do seu conteúdo e dos estudos técnicos que o acompanha- ram, elaboraram Parecer técnico em conjunto, com a seguinte conclusão:

Por fim, diante da análise e avaliação exposta, conclui-se que o Projeto de Lei nº 396/2015, que trata da Revisão do PDDU do Município de Salvador, graças ao seu processo de elaboração, eivado de equívocos metodológicos e técnicos, não atende ao conteúdo mínimo previsto para o Plano Diretor […].

Não apresenta os estudos técnicos básicos indispensáveis para a re- visão do Plano Diretor, conforme a demanda expressiva dos Estudos Técnicos, aqui apresentada nos tópicos 2.2.1.2 e 2.2.2.1 […].

E inviabiliza o controle de implementação da política de desenvolvi- mento urbano do município […].

Assim, comprova-se que o Projeto de Lei no 396/2015, que trata da Revisão do PDDU do Município de Salvador, não possui lastro legal, técnico e social, suficiente, para promover a ordem pública e o in- teresse social, em função do bem coletivo, da segurança, do bem-es- tar dos cidadãos e do equilíbrio ambiental urbano, como assevera o ordenamento jurídico-urbanístico, não sendo adequado para a sua principal finalidade, de promoção do desenvolvimento urbano mu- nicipal de Salvador. (HAUENSCHILD; BRASILEIRO, 2016)

Nas folhas 27 a 37 do Parecer técnico mencionado, há uma análise que confronta o PL 396/2015 e seus (inconsistentes) estudos técnicos com cada inciso (diretriz geral) do art. 2º do Estatuto das Cidades. Ali, os especialistas subscritores do Parecer esclareceram quais os estudos que seriam necessá- rios para a Revisão do PDDU, de acordo com cada diretriz prevista na legisla- ção federal. Ato contínuo, os experts demonstraram e discriminaram os inú- meros estudos que o ordenamento jurídico exige e não foram realizados pela Prefeitura Municipal de Salvador.

Importante trazer, então, alguns trechos do Parecer. Relembramos antes uma das diretrizes expressas no art. 2º, inciso IV, do Estatuto da Cidade, se- gundo a qual a Administração Pública deve promover o: “planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influên- cia, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente” (BRASIL, 2001) Porém, conforme o Parecer técnico, isto:

[…] não foi atendido no Projeto de Lei no 396/2015, visto que não

define o ‘planejamento de desenvolvimento da cidade’ para os hori- zontes de curto, médio e longo prazo, nem define a ‘distribuição es- pacial’ (por Unidade Espacial de Planejamento – UEP) ‘da população’ (densidades habitacionais e de postos de trabalho) ‘e das atividades econômicas’ (por tipo), muito menos identificou, dimensionou e de- monstrou as formas de mitigação dos impactos previsíveis do desen- volvimento imobiliário nas áreas remanescentes do bioma da Mata Atlântica, de restinga e dunas. (HAUENSCHILD; BRASILEIRO, 2016)

Segundo os subscritores do Parecer, neste ponto, os estudos técnicos im- prescindíveis e não realizados foram:

12. – Estudos que definam do rol de indicadores aplicáveis para ca- racterizar e medir melhorias planejadas, UEP, setor e horizonte tem- poral por deficiência identificada, no diagnóstico e por meta das polí- ticas planejadas (redução de desigualdade, deficiência de transporte, infraestrutura e serviços públicos, melhoria do meio ambiente etc.). 13. – Estudos que justifiquem os índices urbanísticos, especialmen- te os Coeficientes de Aproveitamento e o padrão de ocupação por zona de aplicação, que garante sua compatibilidade com a capaci- dade de suporte e a qualidade ambiental-urbanística e de bem estar da população, inclusive por horizonte temporal de planejamento. (HAUENSCHILD; BRASILEIRO, 2016)

Da mesma forma, enquanto a alínea h do inciso VI do art. 2º do Estatuto

dispõe que a ordenação e o controle do uso do solo devem evitar “a exposição da população a riscos de desastres”,(BRASIL, 2001), os especialistas em urba- nismo responsáveis pelo Parecer apontaram que:

[…] o Projeto de Lei no 396/2015 não traz os dados atualizados (os

dados do município são de 2003), nem identificou por UEP (Unidade

Espacial de Planejamento), RA, Bairro ou Prefeitura-Bairro, nem apresentou indicadores que expressem o grau dos riscos.

Demanda de Estudos Técnicos:

23. – Estudos que definem os indicadores capazes de classificar os padrões de risco e os delimitem e meçam por UEP, para fins de defini- ção de prioridades e metas de eliminação de risco. (HAUENSCHILD; BRASILEIRO, 2016)

Dentre as diversas carências técnicas apontadas pelo parecer, registrare- mos aqui mais uma, para bem explicitar a afronta à ordem urbanística que caracterizou e caracteriza o “Novo PDDU de Salvador”.

Enquanto o inciso VIII do art. 2º do Estatuto estabeleceu a “adoção de pa-

drões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana com- patíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência”, a conclusão exposta no

Parecer informa que:

o Projeto de Lei nº 396/2015 não definiu padrões específicos de ativi- dades sustentáveis, somente diretrizes genéricas, expressando boas intenções sem criar estratégias, metas e indicadores que definam

padrões de qualidade a serem alcançadas por horizonte temporal e UEP, bairro ou prefeitura-bairro no futuro.

Demanda de Estudos Técnicos:

25. – Estudos que identificam, dimensionam e geolocalizam ocor- rências e padrões de falta de sustentabilidade por tipo, para identi- ficação de cenários sistêmicos de superação e políticas de combate contínuo (resíduos, esgoto, água, drenagem, impermeabilização do solo, poluição, desmatamento, ventilação, mobilidade, produção, co- mércio e serviços, etc.);

26. – Estudos que identificam estratégias, indicadores, metas e pa- drões de graus de sustentabilidade por setor, serviço público e privado, infraestrutura, UEP, bairro, Prefeitura-Bairro, e RA. (HAUENSCHILD; BRASILEIRO, 2016)

Além destas conclusões retrotranscritas, o Parecer contém diversas ou- tras no mesmo sentido: os estudos técnicos providenciados pela Prefeitura de Salvador são, incontroversamente, inconsistentes para se elaborar um Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Ressalte-se que os experts enun- ciaram (fls. 43/44 do Parecer) dezenas de estudos técnicos considerados im- prescindíveis que não foram realizados. A conclusão geral do parecer, neste quesito, foi a de que (fl. 42) o PL 396/2015, que veio a virar o “Novo PDDU de Salvador”:

Não apresenta os estudos técnicos básicos indispensáveis para a re- visão do Plano Diretor, conforme a demanda expressiva dos Estudos Técnicos, aqui apresentada nos tópicos 2.2.1.2 e 2.2.2.1, e conforme a comparação dos estudos e análises que subsidiaram o PL 396/2015 com os de outros Planos Diretores anteriores – Lei no 6.586/2004 e 7.400/2008 –, apresentada no tópico 2.2.4. (HAUENSCHILD; BRASILEIRO, 2016)

A debilidade dos estudos publicados e utilizados pela Prefeitura acar- retou ainda o não cumprimento do conteúdo mínimo exigido pelo Estatuto das Cidades para todo e qualquer PDDU. A legislação federal elenca expres- samente, de forma clara e objetiva, o conteúdo mínimo que precisa ser ma- peado, albergado, disciplinado e regulamentado por um PDDU, conforme ve- remos no próximo tópico.

O conteúdo mínimo legal exigido pelo Estatuto da Cidade e

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